quarta-feira, novembro 17, 2021

Tristes Trópicos

 



(O nome é emprestado e tem conotação um pouco diversa a que lhe deu o antropólogo Cláude Levi-Strauss, apenas para efeito do presente artigo)

 

Carlos Roberto Husek

Prof. de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

 

Analisando o Brasil atual, das “rachadinhas”, da compra de votos dos parlamentares para benefício da manutenção do poder, o desmonte da cultura e da escola, o pouco apreço pelo Judiciário e pelas instituições, em geral, a pouca leitura da Constituição Federal, salvo para interpretação em benefício próprio, o incentivo na compra de armas, o desprezo pelas diferenças sexuais e raciais, a busca incessante do poder e do dinheiro para o domínio sem contestação, com a utilização de notícias falsas por intermédio da comunicação eletrônica, a distribuição de comendas e medalhas para os apaniguados e membros da família, desprestigiando, por exemplo, a Ordem do Cruzeiro do Sul e a do Barão do Rio Branco, enfim, a compra pela vaidade e pela moeda, a exigência de que se dobre a coluna servilmente perante o “trono” presidencial e a busca de aparelhar o Legislativo e, se possível, o Judiciário, com pessoas que servem aos propósitos da ganância dominadora, fazem concretizar estes “tristes Trópicos”. Emprestando a este título de Claude Levi-Strauss, uma dimensão maior e atual do que hoje se passa.

“Tristes Trópicos”, que não conseguem plantar, colher e meditar; que não consegue subjugar a forme, que não consegue fazer valer a decência e a moral, nunca e em nenhum sentido, que produz homens da cultura para defender privilégios e abocanhar parte do que se retira da sociedade, deixando à mingua os desvalidos, favelados, subnutridos de alimento e de informação.

 “Tristes Trópicos”, que vivem em pleno século XXI, como na época dos baronatos e dos escravos.

“Tristes Trópicos” que compram a consciência de cada um, e se possível do grupo e da coletividade, fazendo com que a ciência seja desrespeitada até por alguns cientistas, que se vendem pela ideia ou por algum favor político.

“Tristes Trópicos”, que escondem os pensadores, porque pensaram em desacordo com a manutenção do poder, como no caso de Gilberto Freire, posto à marginalidade, como pária social, sem medalhas ou comendas.

“Tristes Trópicos”, onde a Cultura é simples secretaria e é conduzida por alguém de arma na cintura, como se revivesse o faroeste dos filmes norte-americanos, e que a pasta da Educação interfere no conteúdo das provas para fazer prevalecer a política panegírica de centralização do mando, e que busca separar as crianças por seus eventuais defeitos, como a animar a criação de uma “raça pura”.

“Tristes Trópicos”, tão tristes que parecem sucumbir aos desmandos, à corrupção, aos interesses mesquinhos, ao apadrinhamento e não têm força para que as flores do raciocínio, da intelectualidade, do equilíbrio, não vicejem em meio à floresta de espinhos e que não permitem quaisquer raios de sol. Estamos no escuro, dominados pelos fantasmas da ignorância. Triste América Latina.

Triste Brasil, que nasceu em “berço esplêndido” e agora dormita à beira do Atlântico. Não temos, afinal, homens capazes de sensibilidade e de pensar no todo, no próximo, na sociedade? Não temos estadistas, mas só extrativistas gananciosos, prontos para extrair e chupar cada centímetro do homem e da terra.

Fernando Calderón e Manuel Catells retrataram os tempos modernos: “Nas duas primeiras décadas do século XXI quase todos os países da América Latina viveram uma sucessão de graves crises sociopolíticas que abalaram a estabilidade do Estado, afetando o processo de desenvolvimento em seu conjunto. Na raiz de praticamente todas as crises havia um fator desencadeante: a corrupção. O que os golpes militares foram no século XX como fator perturbador do Estado e da sociedade é no século XXI a corrupção sistêmica, que caracteriza todos os regimes políticos e destrói o vínculo de confiança entre cidadãos e Estado, fundamento psicológico e cultural que embasa a legitimidade da democracia. Por isso a corrupção é grave – porque, quando a América Latina parecia enfim ter alcançado o ideal de democracia liberal pelo qual tanto sangue, suor e lágrimas haviam sido derramados, um novo espectro começa a corroer a institucionalidade sobre a qual o cotidiano das pessoas repousa: a corrupção do Estado.”

Por que a Democracia é tão difícil e inalcançável?

“Tristes Trópicos”.

                                                   


sexta-feira, novembro 05, 2021

SUA MAJESTADE, O PRESIDENTE DO BRASIL

 


Por Fabrício Felamingo

 

Escreveu um antigo cônsul britânico, que por aqui viveu durante 25 anos:

“Supõe-se comumente que os brasileiros são bons oradores. Isso não é de todo verdadeiro. Os brasileiros são interessantes conversadores e podem sempre usar sua linguagem de modo pitoresco. Mas seus discursos convencionais são tropicais. (...) São poetas dos quais não se pode esperar que adiram matematicamente à verdade.”

“Os brasileiros que, de modo geral, são inteligentes e, em muitos ramos do conhecimento aplicado e da pesquisa, produziram nomes que estão ou mereciam figurar em primeiro plano, sofrem de graves defeitos de visão em matéria política. São capazes de deixar-se levar por simples rótulos ou fórmulas da última novidade política, seja qual for a sua origem.”

“Os brasileiros que viajam para o exterior parecem retirar, com algumas raras exceções, muito pouco proveito político dessas excursões.”

“O futuro de todas as nações está nas mãos da geração mais jovem. O jovem brasileiro (...) tem de estar em guarda contra o superficialismo se desejar prestar algum serviço ao seu país. Foi o caminho fácil do patriotismo superficial que levou a geração mais velha do Brasil a evitar as verdadeiras questões políticas com as quais se defrontou, depois que o Brasil se tornou uma república”.

Salvo pela última frase, a análise feita acima aparentaria ter sido escrita nos dias atuais. No entanto, data de 1934 e é feita por Ernest Hambloch[1] no livro “Sua Majestade, o Presidente do Brasil: um estudo do Brasil constitucional (1889-1934)”, editado pelo Senado Federal no ano de 2000.

É de certa forma angustiante ver que tais observações do inglês sobre o Brasil não apenas permanecem válidas, como atualmente estão escancaradas, sem qualquer preocupação com verniz de disfarce. A recente viagem do Presidente do Brasil à cúpula do G20 (e sua não ida à COP 26) mostram isso: linguagem pitoresca, sem aderência à verdade, impondo rótulos políticos e patriotismo superficial, numa viagem que de forma alguma trouxe proveito político ao Brasil.

O Brasil parece se repetir continuamente como farsa, sem ter deixado de lado, no entanto, o drama na vida da população brasileira, com cada vez mais desemprego, mais mortes decorrentes da pandemia, mais inflação e desesperança dos mais jovens em relação ao seu próprio futuro. Nisso tudo, o drama permanece e se agrava dia a dia; na política, a farsa seria cômica, não fosse trágica.



[1] Ernest Hambloch (1886-1970) foi aprovado em primeiro lugar no concurso para o serviço consular britânico. Esteve a serviço em países como França, Alemanha, Itália, Sérvia, Suíça, Áustria e viveu no Brasil durante 25 anos, tendo visitado todos os estados brasileiros à exceção de um. Foi autor de diversos livros e correspondente do Times no Brasil. Nas palavras do imortal acadêmico da ABL José Honório Rodrigues (1913-1987), autor do posfácio ao livro aqui destacado, “(e)ssa obra abalou muito minhas condições presidenciais, e me fez pensar seriamente nas vantagens concretas e históricas do parlamentarismo no Brasil”.