segunda-feira, dezembro 27, 2021
Pedro Paulo Manus
quinta-feira, dezembro 23, 2021
Expectativa
Carlos Roberto Husek
A experiência pode ser representada como faróis de um carro voltados para trás. Parece de nada servir, porque a humanidade passa pelos mesmos problemas a cada ano e em cada ano os supera, em eterna repetição. (relembrando Pedro Nava)[1]
Natal, e logo depois o Ano Novo. Marcações do tempo, que
passa como atos de uma peça de teatro particular, na vida de cada um e na vida
de cada país. Dia após dia, mês após mês, ano após ano, e vamos passando com nossas
agruras, com nossos problemas, com nossos fracassos, com as nossas eventuais
vitórias. O que aprendemos? Talvez, somente a eterna repetição, não nos mesmos
moldes mas, efetivamente, parecidos. A História, e as histórias, dizem, é
cíclica, dá voltas e faz girar a roda dos acontecimentos, fazendo com que se
reproduzam, embora mudem os personagens, reencarnações similares dos antigos
que pensávamos mortos e ultrapassados.
Ouvimos os mesmos diálogos, os mesmos discursos, os mesmos
gestos, com uma ou outra pequena modificação, talvez a roupa, o cabelo, a falta
de bigodes e de chapéus e de fardas, com medalhas e decorações, e cavalos e
bandeiras, e tanques de guerra em desfile pelas ruas.
Abrem-se as cortinas do palco e sobre o tablado há uma
movimentação já conhecida; esquadrinhado em riscos transparentes, pode-se ver
com certa antecipação o que sobre ele se desenrolará. Inacreditável como somos
previsíveis!
2022 vem como vieram os anteriores e a esperança que se
renova, renova-se sempre todo ano: quem sabe, não se apresentará no cenário uma
novel figura, de diferente colorido, de palavras mágicas, de ideias concretas,
de brilho nos olhos!
Esperemos.
Esperemos que o Ministro da Educação se preocupe com a
alfabetização e a cultura das gerações em suas várias faixas, sem fazer mesuras
ao Presidente de plantão, sacrificando ideais culturais maiores e de progresso civilizatório.
Esperemos que o Ministro da Saúde busque a saúde da população
mais pobre e o estabelecimento de vacinas preventivas e a preservação da vida,
antes de tudo.
Esperemos que o Ministro das Relações Exteriores possa
orientar o governo central no estabelecimento de pontes, de diálogos, de
negociações, com todos os países do mundo e evitar fazer a divisão entre
esquerda e direita, amigos e inimigos, e outras cisões, na esteira luminosa do
Barão do Rio Branco.
Esperemos que o Ministro da Economia não sacrifique os
ditames, regras e princípios de sua área, em prol de interesses específicos de
manutenção do poder, cooperando para compra de pessoas que pertençam ao grupo
de apoio para futuras eleições presidenciais.
Esperemos que as instituições nacionais e internacionais
funcionem em bases mínimas voltadas para a coletividade e que as diferenças
raciais, religiosas, filosóficas e ideológicas sejam, efetivamente, diminuídas.
Quem, afinal, escreveu essa peça interminável de ruins e
canastrões atores? Ou é um “moto contínuo”, automático, que nos faz rodopiar e
rodopiar, sem que o raciocínio, privilégio do animal humano, aclare os fatos e
faça a espiral dos fenômenos sociais traçar uma curva um pouco maior e,
finalmente, andar, prosperar, afastar-se da mesmice, consagrando a evolução?
Será que, ainda, faremos um papel de espectadores passivos,
girando pela eternidade a roda dos absurdos?
Um Feliz Ano a todos!
terça-feira, dezembro 07, 2021
Sobre o livro “Razão Africana” - uma análise comparativa
Carlos Roberto Husek
Prof. de Direito Internacional da PUC/SP
Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito
Internacional Público e Privado
No livro “A Razão Africana – breve história do pensamento africano contemporâneo”, Editora Todavia, de Muryatan S. Barbosa (historiador sueco), há um primeiro capítulo sobre “A personalidade africana” (p.13 a 68), em cuja primeira parte, até a p.28, descreve coisas interessantes, cuja sinopse de suas principais ideias damos agora, com alguma referência comparativa com o Brasil. Nossa pretensão é a de estimular o leitor da nossa Oficina para pensar no tema. Aceitamos, de bom grado, futuras contribuições.
“No mundo contemporâneo as gerações tendem sempre a se ver
como modernas e únicas...(...) Quando essa impressão comum se transfere para o
mundo das ideias, o que se vê é a proliferação de ´novas` teorias e
interpretações. É a busca pelo ´novo` a qualquer custo que força originalidades
e omite heranças intelectuais. Como se esse ´novo` não carregasse, consciente
ou inconscientemente, sua própria carga do passado...(...) O pensamento
africano contemporâneo nasce como uma resposta das elites intelectuais da
África e da diáspora africana ao desafio europeu expresso pelo colonialismo –
mas não somente isso. É também uma resposta à grande transformação do mundo
provocada pela consolidação da Revolução Industrial, que, criou novos modos de
produção, organização social, formas de pensamento e estilo de vida. É comum
colocarmos a Conferência de Berlim (1884-85) que dividiu a África entre
potências europeias, como o marco do nascimento de uma nova era na história da
África, a Era Colonial, quando esse desafio se apresenta para todo o continente
africano...(...) Todavia, vale lembrar que, em certas regiões da África, o
processo de roedura do continente – a espoliação de bens, a divisão
geo-política por parte das nações europeias – já havia se iniciado décadas
antes...(...) Por todo continente, desde o primeiro quarto do século XIX, a
presença crescente de europeus levava vários soberanos africanos a buscar
formas de se defender por meio de uma renovação e modernização interna....(...)
Em decorrência dessa progressiva influência dos europeus nas regiões litorâneas
africanas, aumentou consideravelmente à época o número de africanos
ocidentalizados – formados nas letras europeias e com educação cristã...(...) O
mesmo ocorreu em outras regiões costeiras. Já no século XV, filhos das elites
do Reino do Congo iam estudar em Portugal. Desde o século XVIII, africanos
livres do cativeiro conseguiam se formar intelectualmente na Europa, em geral,
com a assistência dos abolicionistas...(...) Em tal contexto, em meados do
século XIX, é possível observar dois fenômenos relevantes na formação do
pensamento africano. O primeiro deles é a importância cada vez maior da
diáspora africana. Em particular aquela estabelecida nos Estados Unidos. O segundo é a consolidação do missionarismo
cristão, da Europa e das Américas, para a África...(...)
Neste espaço, diz o autor consagraram-se alguns
afro-estudinidenses, dentre eles Edward Wilmont Blyden.
“...sua trajetória: embora fosse caribenho de origem
(Ilhas Virgens), Blyden passou a maior parte de sua vida na África, vivendo na
Libéria, em Serra Leoa e em Lagos (Nigéria). Foi para lá voluntariamente, tendo
sua passagem paga pela Sociedade Americana de Colonização...(...) tornou-se
missionário, professor, político, escritor, jornalista e diplomata...(...) Em geral, ele é tido tanto como um
dos ´pais` do pan-africanismo e um dos pioneiros do nacionalismo africano.
A partir daí o autor desenvolveu o pensamento e a atuação de
Blyden, como divulgador da existência de uma personalidade africana, de um
autogoverno e de uma unidade para a África, bem como de uma volta às origens de
todos aqueles que fizerem a diáspora africana, espalhando-se pelo mundo,
principalmente fixando-se nos Estados Unidos da América.
Embora não tenhamos a mesma concepção de que houvesse uma
necessidade de volta às origens, entendemos que há sim, uma unidade africana,
apesar dos diversos povos, países e grupos raciais lá existente, pelo
menos uma unidade da África negra, não pelo seu conteúdo racial, mas
sim, pelo conteúdo histórico, uma vez que a África negra forneceu, independentemente
dos seus Estados, os escravos para a Europa, e para as Américas. As línguas, as
crenças diversas, e filosofias próprias de cada grupo, e a gênese racial
diferenciada, não foram fatores de seleção, porquanto todos ultrapassaram as
fronteiras de sua terras para servirem aos brancos colonizadores.
É certo ainda que em várias cidades os negros se juntaram em
comunidades e mantém práticas religiosas e costumes da velha África, ainda que
não a conheçam, ante a natural multiplicação de gerações nascidas em outros
países. No entanto, pode ser que pelo sangue ou pelas células tenha havido a transmissão
de uma consciência dos tempos antigos, que permitiu a reprodução de uma
singular visão da vida, como, deve acontecer com todos os indivíduos de outros
povos; japoneses, italianos, tchecos, espanhóis, portugueses, que resolvem
migrar para outras terras. É só constatar como se repetem hábitos, costumes,
alimentação e uma particular forma de ver os acontecimentos.
Assim, não só com os descendentes de africanos que se
encontram em nosso país, mas também com todos aqueles que buscam escapar de
suas origens, por vontade própria ou por necessidade. Ocorre que com aqueles
que vieram da África, em especial da subsaariana, o que ficou incrustado é o
passado escravo e de sofrimento, em relação ao qual, as leis de inclusão e de
quota, ainda pouco fazem, porque é preciso mudar o ensino, mudar a mentalidade,
mudar a essência para a verdadeira integração.
Blyden foi um intelectual que construiu argumentos para um
nacionalismo africano, um renascimento de cultura e de propósitos, que pudesse
contrariar o poder colonial. Poder que abriu caminhos marítimos regados de
sangue e de tristeza; banhados pelo banjo das músicas e dos cantos que
certamente eram entoados pelos escravos, enquanto+ remavam para terras
distantes, apartados dos seus, do seu sol – que era único -, de suas matas, de
suas aldeias, de suas cidades, dos seus entes queridos. Não reconhecer que, de
algum modo isto ficou embutido, arraigado no inconsciente de cada descendente,
é fechar a compreensão para as descobertas da Psicanálise. Temos, dentro de
nós, os nossos antepassados com suas alegrias e agruras, sagas e desvelos, o
que não impede a integração em qualquer sociedade – ao contrário enriquece-a –
bastando que essa incorporação social deva ser efetiva, verdadeira assimilação.
Se tal aconteceu com diversas nacionalidades que vieram viver no Brasil, não
parece que, o mesmo se deu com os africanos, que tiveram história mais
aflitiva, para dizer o mínimo, e não conseguiram a verdadeira integração.
Não há necessidade de desfazer a diáspora, porquanto após tantos séculos, outra diáspora ocorreria e os descendentes de escravos, não são mais escravos e sim brasileiros e tomaram pelo nascimento a nacionalidade de outros países, como a dos Estados Unidos da América. Afinal, qual de nós é autóctone desta terra, exceção feita aos índios? Devemos todos estarmos – como em grande parte já acontece - absorvidos e incorporado; amarelos, brancos, negros. O passado deve ficar como sinalização do que não mais pode acontecer, ainda que de modo indireto ou de forma velada. Esta é o único modo de reconstruir o Brasil.
quarta-feira, novembro 17, 2021
Tristes Trópicos
(O nome é emprestado e tem conotação um pouco diversa a que
lhe deu o antropólogo Cláude Levi-Strauss, apenas para efeito do presente
artigo)
Carlos Roberto Husek
Prof. de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores
da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.
Analisando o Brasil atual, das “rachadinhas”, da compra de
votos dos parlamentares para benefício da manutenção do poder, o desmonte da
cultura e da escola, o pouco apreço pelo Judiciário e pelas instituições, em
geral, a pouca leitura da Constituição Federal, salvo para interpretação em
benefício próprio, o incentivo na compra de armas, o desprezo pelas diferenças
sexuais e raciais, a busca incessante do poder e do dinheiro para o domínio sem
contestação, com a utilização de notícias falsas por intermédio da comunicação
eletrônica, a distribuição de comendas e medalhas para os apaniguados e membros
da família, desprestigiando, por exemplo, a Ordem do Cruzeiro do Sul e a do
Barão do Rio Branco, enfim, a compra pela vaidade e pela moeda, a exigência de
que se dobre a coluna servilmente perante o “trono” presidencial e a busca de
aparelhar o Legislativo e, se possível, o Judiciário, com pessoas que servem
aos propósitos da ganância dominadora, fazem concretizar estes “tristes
Trópicos”. Emprestando a este título de Claude Levi-Strauss, uma dimensão maior
e atual do que hoje se passa.
“Tristes Trópicos”, que não conseguem plantar, colher e
meditar; que não consegue subjugar a forme, que não consegue fazer valer a
decência e a moral, nunca e em nenhum sentido, que produz homens da cultura
para defender privilégios e abocanhar parte do que se retira da sociedade,
deixando à mingua os desvalidos, favelados, subnutridos de alimento e de informação.
“Tristes Trópicos”,
que vivem em pleno século XXI, como na época dos baronatos e dos escravos.
“Tristes Trópicos” que compram a consciência de cada um, e se
possível do grupo e da coletividade, fazendo com que a ciência seja
desrespeitada até por alguns cientistas, que se vendem pela ideia ou por algum
favor político.
“Tristes Trópicos”, que escondem os pensadores, porque
pensaram em desacordo com a manutenção do poder, como no caso de Gilberto
Freire, posto à marginalidade, como pária social, sem medalhas ou comendas.
“Tristes Trópicos”, onde a Cultura é simples secretaria e é
conduzida por alguém de arma na cintura, como se revivesse o faroeste dos
filmes norte-americanos, e que a pasta da Educação interfere no conteúdo das
provas para fazer prevalecer a política panegírica de centralização do mando, e
que busca separar as crianças por seus eventuais defeitos, como a animar a
criação de uma “raça pura”.
“Tristes Trópicos”, tão tristes que parecem sucumbir aos
desmandos, à corrupção, aos interesses mesquinhos, ao apadrinhamento e não têm
força para que as flores do raciocínio, da intelectualidade, do equilíbrio, não
vicejem em meio à floresta de espinhos e que não permitem quaisquer raios de
sol. Estamos no escuro, dominados pelos fantasmas da ignorância. Triste América
Latina.
Triste Brasil, que nasceu em “berço esplêndido” e agora
dormita à beira do Atlântico. Não temos, afinal, homens capazes de
sensibilidade e de pensar no todo, no próximo, na sociedade? Não temos
estadistas, mas só extrativistas gananciosos, prontos para extrair e chupar
cada centímetro do homem e da terra.
Fernando Calderón e Manuel Catells retrataram os tempos
modernos: “Nas duas primeiras décadas do século XXI quase todos os países da
América Latina viveram uma sucessão de graves crises sociopolíticas que
abalaram a estabilidade do Estado, afetando o processo de desenvolvimento em
seu conjunto. Na raiz de praticamente todas as crises havia um fator desencadeante:
a corrupção. O que os golpes militares foram no século XX como fator
perturbador do Estado e da sociedade é no século XXI a corrupção sistêmica, que
caracteriza todos os regimes políticos e destrói o vínculo de confiança entre
cidadãos e Estado, fundamento psicológico e cultural que embasa a legitimidade
da democracia. Por isso a corrupção é grave – porque, quando a América Latina
parecia enfim ter alcançado o ideal de democracia liberal pelo qual tanto
sangue, suor e lágrimas haviam sido derramados, um novo espectro começa a
corroer a institucionalidade sobre a qual o cotidiano das pessoas repousa: a
corrupção do Estado.”
Por que a Democracia é tão difícil e inalcançável?
“Tristes Trópicos”.
sexta-feira, novembro 05, 2021
SUA MAJESTADE, O PRESIDENTE DO BRASIL
Por Fabrício Felamingo
Escreveu um
antigo cônsul britânico, que por aqui viveu durante 25 anos:
“Supõe-se
comumente que os brasileiros são bons oradores. Isso não é de todo verdadeiro.
Os brasileiros são interessantes conversadores e podem sempre usar sua
linguagem de modo pitoresco. Mas seus discursos convencionais são tropicais.
(...) São poetas dos quais não se pode esperar que adiram matematicamente à
verdade.”
“Os
brasileiros que, de modo geral, são inteligentes e, em muitos ramos do
conhecimento aplicado e da pesquisa, produziram nomes que estão ou mereciam
figurar em primeiro plano, sofrem de graves defeitos de visão em matéria
política. São capazes de deixar-se levar por simples rótulos ou fórmulas da
última novidade política, seja qual for a sua origem.”
“Os
brasileiros que viajam para o exterior parecem retirar, com algumas raras
exceções, muito pouco proveito político dessas excursões.”
“O futuro
de todas as nações está nas mãos da geração mais jovem. O jovem brasileiro
(...) tem de estar em guarda contra o superficialismo se desejar prestar algum
serviço ao seu país. Foi o caminho fácil do patriotismo superficial que levou a
geração mais velha do Brasil a evitar as verdadeiras questões políticas com as
quais se defrontou, depois que o Brasil se tornou uma república”.
Salvo pela
última frase, a análise feita acima aparentaria ter sido escrita nos dias
atuais. No entanto, data de 1934 e é feita por Ernest Hambloch[1]
no livro “Sua Majestade, o Presidente do Brasil: um estudo do Brasil
constitucional (1889-1934)”, editado pelo Senado Federal no ano de 2000.
É de certa
forma angustiante ver que tais observações do inglês sobre o Brasil não apenas
permanecem válidas, como atualmente estão escancaradas, sem qualquer
preocupação com verniz de disfarce. A recente viagem do Presidente do Brasil à
cúpula do G20 (e sua não ida à COP 26) mostram isso: linguagem
pitoresca, sem aderência à verdade, impondo rótulos políticos e patriotismo
superficial, numa viagem que de forma alguma trouxe proveito político ao
Brasil.
O Brasil
parece se repetir continuamente como farsa, sem ter deixado de lado, no
entanto, o drama na vida da população brasileira, com cada vez mais desemprego,
mais mortes decorrentes da pandemia, mais inflação e desesperança dos mais
jovens em relação ao seu próprio futuro. Nisso tudo, o drama permanece e se
agrava dia a dia; na política, a farsa seria cômica, não fosse trágica.
[1]
Ernest Hambloch (1886-1970) foi aprovado em primeiro lugar no concurso para o
serviço consular britânico. Esteve a serviço em países como França, Alemanha,
Itália, Sérvia, Suíça, Áustria e viveu no Brasil durante 25 anos, tendo
visitado todos os estados brasileiros à exceção de um. Foi autor de diversos
livros e correspondente do Times no Brasil. Nas palavras do imortal
acadêmico da ABL José Honório Rodrigues (1913-1987), autor do posfácio ao livro
aqui destacado, “(e)ssa obra abalou muito minhas condições presidenciais, e
me fez pensar seriamente nas vantagens concretas e históricas do
parlamentarismo no Brasil”.
terça-feira, outubro 26, 2021
Embaixadas brasileiras: agora moeda de troca política; barganha?
Carlos Roberto Husek
Professor de Direito internacional da PUC/SP
Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado
Sobre o Barão do Rio Branco disse Levi Carneiro: “A mais
alta das razões para que ainda o evoquemos é, porém, a de que, entre
brasileiros, nenhuma outra vida de homem público merece mais ser rememorada.
Por seu devotamento ao Brasil, por sua normalidade, por sua continuidade
lógica, por sua coerência, por sua beleza. Nenhuma improvisação aventurosa.
Nenhum milagre, ainda que ocorressem algumas circunstâncias felizes. Um esforço
continuado, tenacíssimo, de todas as horas, ininterrupto, por longos e longos
anos – afinal bem recompensado. Nenhum resquício de filhotismo, de parasitismo
doméstico.”[1]
Notícia: A Ordem Nacional de Rio Branco, é uma comenda que o
presidente atribui a personalidades, pelos serviços prestados ao país e/ou por
seus méritos excepcionais, e o Presidente da República – se a notícia não for
falsa – entregou a referida comenda, dentre outros, aos filhos Flávio e Eduardo
Bolsonaro. Que análise devemos fazer desse ato?
Vamos a outro assunto, intrinsecamente ligado a este:
Proposta de autoria do Senador Davi Alcolumbre permite que
parlamentar ocupe embaixada sem deixar mandato” Notícia do Jornal “O Estado de
S. Paulo” de 22.10.2021.
E certo, que o Presidente da República, ao ser eleito, no
caso do Brasil, planeja o seu governo e escolhe os seus ministros e
colaboradores, que têm como primeiro requisito ser de confiança do presidente
embora outros requisitos sejam necessários, como capacidade técnica, não ser
corrupto, conhecer a área que assume e, de preferência, ter caminhado a sua
vida profissional, de algum modo, na área a que foi indicado para ser ministro.
E, ainda que existam casos de algum sucesso de ministros
apartados de sua área de origem profissional, e de estudos, é fato que causaria
natural estranheza um médico na pasta da Justiça ou um pedagogo na pasta
economia ou, ainda, um psiquiatra na pasta da agricultura, mas tudo é possível
se o requisito não é técnico, e sim, político.
Aqueles que se saíram bem, sem que possuíssem os requisitos
técnicos necessários, provavelmente revelaram-se equilibrados e se cercaram de
pessoas conhecedoras dos respectivos campos. Para o bem ou para o mal, é certo que na
história da república os escolhidos para ocupar um cargo ministerial, em geral,
além da confiança do ocupante do cargo presidencial também se mostraram, na
maioria das vezes, habilitados para o exercício das funções.
Entretanto, apesar de legalmente possível, surpreendemo-nos
com eventuais indicações para missões diplomáticas permanentes, de pessoas fora
da carreira diplomática. Daí vieram indicados, pelo governo “da troca de
benefícios”, alguns nomes, como, por exemplo, Marcelo Crivella, bispo da Igreja
Universal, que felizmente não foi aprovado, ou mesmo de um dos filhos do
Presidente, e outros, nenhum deles ligado à carreira diplomática.
Agora, os fatos tendem a piorar, ainda mais, as bases
institucionais. Os donos do poder, e a barganha, a pechincha, a trapaça, o
ludíbrio, a tramoia, fontes inesgotáveis de preservação das próprias áreas de
influência e de domínio, sob a capa da legalidade, estão obscurecendo o horizonte de nossa combalida democracia.
A proposta de Emenda à Constituição (PEC) endossada por
líderes do governo Jair Bolsonaro e pela cúpula do Senado, amplia e concretiza
a indicação pelo Presidente da República de embaixadores, sem que, aqueles
venham a ser indicados, parlamentares favoráveis à política governamental,
necessitem deixar de lado o mandato parlamentar! Como é possível pensar em tal
ardil? Parece que a imaginação dos que não querem um país progressista, liberal,
democrático e apostam no reacionarismo totalitário, no afastamento do povo, na
centralização das decisões, nos nichos encastelados do poder, está mais uma vez
vencendo os princípios e as regras constitucionais.
Disse o proponente que “é uma afronta ao bom senso e à
razoabilidade que o parlamentar federal possa ocupar o cargo de ministro das
Relações Exteriores, sem perder o seu mandato, e não possa ocupar o cargo de
chefe de missão diplomática de caráter permanente.” No entanto, esqueceu-se
o senador que os ministros do presidente, como os secretários de um governo
estadual e como os secretários de governo municipal preenchem cargos de
confiança do chefe do Executivo, e este pode indicar quem bem entender – embora
entendamos que a indicação deveria ter o fator técnico, como fator
preponderante, para o bem do Estado (e não para o bem do governo).
Assim, continuamos a entender que o ministro das Relações
Exteriores, deva ser de confiança do Presidente, dentre tantos da carreira
diplomática, e não outro, completamente alheio a tal carreira. Todavia, este é
um outro ponto de discussão. Agora, o
que se pretende com a indigitada PEC, é muito pior, é que a indicação dos
embaixadores possa ser moeda de troca, dos favoráveis àquele que ocupar o
Palácio do Planalto, dando uma banana para toda Diplomacia.
Triste. Muito triste, se pensarmos que, aqueles que se
dedicam à Diplomacia, são obrigados a estudar os diversos campos da vida
internacional, conhecer de economia, direito internacional, política
internacional, linguagem diplomática, organizações econômicas internacionais,
organizações de direitos humanos, funcionamento da justiça internacional e devem
estar preparados para o trabalho burocrático e para o diálogo com os diversos
povos, aptos à comunicação em inglês, francês, espanhol (saber ler, escrever,
falar, interpretar) e outras que se ensinam no Instituto Rio Branco (chinês,
árabe, russo).
Além de tudo, também mostrarem-se afetos às técnicas de
negociação e possuírem razoável conhecimento da história da política externa,
das linhas do pensamento diplomático ao longo da história, dos filósofos
maiores (Kant, Platão, Aristóteles e outros) e de doutrinadores das relações
internacionais (Rosseau, Aron, Hedley Bull, Morgenthau) e dos meios de solução
pacífica dos conflitos (diplomáticos, jurisdicionais, políticos, coercitivos).
Então, o desastre de indicações meramente políticas, com a conservação da
cadeira no Parlamento, será bem maior.
Sem falarmos no aprendizado de noções de planejamento
diplomático, não só em eventos festivos, mas, sobretudo, nos eventos
internacionais que pedem uma posição do Brasil, como país soberano. A pura e
simples indicação política de um parlamentar, da base do governo, “comandando”
no exterior diplomatas de carreira, é calamitosa, catastrófica, e diz bem do
que hoje é o Brasil na comunidade internacional: um país que não tem grandes
preocupações em ser membro dessa comunidade, ou, mesmo em ter alguma voz ativa
que justifique a sua ambição de pertencer ao Conselho de Segurança da ONU, como
membro permanente.
A Convenção de Viena, de 1961, sobre relações diplomáticas,
com cinquenta e três artigos e apêndices é a bíblia em que rezam os países
civilizados, e deve ser conhecida e estudada. Todos os parlamentares, que
querem continuar usufruindo da condição de parlamentares, sem o menor apreço e
dedicação à chefia de uma missão permanente e das vivências diplomáticas, terão
efetiva condições de representar o Brasil?
Continuamos brincando de administrar o país, somente pela
conversa e pela busca dos interesses de alguns (familiares, amigos,
apaniguados) em detrimento do bem maior.
A Diplomacia deveria ser respeitada e não merece mais este
avanço sub-reptício de concentração do poder.
Aqueles que puderem elevem suas orações, porque no dia a dia,
parece não haver saída!
[1] Haickel. M.P. “O Livro na rua. N.2. Série Diplomacia ao alcance de todos, Biblioteca do Cidadão. Barão do Rio Branco.
terça-feira, setembro 28, 2021
Sustentabilidade (Parte III)
Por Henrique A. Torreira de
Mattos
Abrangência do
conceito de Desenvolvimento Sustentável
Dos
estudos realizados sobre a Sustentabilidade até o momento, apontamos o
Relatório Brundtland como o ponto de partida para todas as discussões e
conceitos sobre o tema, norteador do estabelecimento dos planos de ação que vem
sendo tomadas pela ONU e pela sociedade civil.
Em
suma, o conceito de desenvolvimento sustentável ali descrito, de uma maneira
bem simplista, implica em dizer que o modelo adotado, precisa ser viável para o
desenvolvimento atual, mas lembrando que deve ser visto como uma forma de garantir
as necessidades da sociedade atual e das gerações vindouras, conceito muito
próximo ao previsto na Constituição Federal Brasileira de 1988.[1]
Uma
outra conclusão prevista pelo relatório é justamente uma das questões também
abordadas como uma das metas do milênio da ONU, refletida na meta de
erradicação da pobreza, visando que o desenvolvimento atinja a todos os seres
humanos, quando todas as necessidades forem supridas. Importante para este
estudo é destacar o papel das empresas com a responsabilidade social originada
das metas do milênio. Tal reflexão é importante não apenas pelo fato de gerarem
riqueza, mas pelo seu papel social de distribuí-la com a sociedade gerando
novos empregos, mas também pelos trabalhos assistenciais às comunidades.
Segundo
Luiz Sérgio Philippi[2], neste contexto,
analisa-se a visão econômica de que deve atender demandas e não necessidades,
ou seja, quando existem demandas a serem supridas, isto quer dizer que existe
capacidade econômica para que esta aumente e promova o desenvolvimento
econômico. Havendo apenas necessidades, existe carência de desenvolvimento
econômico, pois não existe economia formada ou estruturada capaz de
possibilitar o desenvolvimento.
“Satisfazer as
necessidades e as aspirações humanas é o principal objetivo do desenvolvimento.
Nos países em desenvolvimento, as necessidades básicas de grande número de
pessoas – alimento, roupas, habitação, emprego – não estão sendo atendidas.
Além dessas necessidades básicas, as pessoas também aspiram legitimamente a uma
melhor qualidade de vida. Para que haja um desenvolvimento sustentável, é
preciso que todos tenham atendido as suas necessidades básicas e lhes sejam
proporcionadas oportunidades de concretizar suas aspirações a uma vida melhor.” [3]
O
Desenvolvimento Sustentável é, portanto, uma conjunção de fatores políticos,
econômicos, ambientais e sociais, em âmbito global, onde todos os agentes,
entendendo-se como agentes os Estados, as entidades privadas, ou melhor, toda a
sociedade internacional e a sociedade civil global, se movimentam para buscar
uma continuidade para as gerações futuras, visando manter padrões de dignidade
humana e sobrevivência (no âmbito social) e competitividade (no âmbito
econômico).
Do
ponto de vista prático, Naná Mininni-Medina exemplifica algumas das dimensões a
que se deve priorizar como:[4]
(i)
Agricultura sustentável: novos modelos de
desenvolvimento, através novas políticas de ocupação do solo, produção,
comercialização e crédito rural;
(ii)
Sustentabilidade nas cidades: adequação
dos espaços urbanos para o desenvolvimento das atividades, boas condições de
moradia, transporte e lazer dentre outras;
(iii)
Infra-estrutura sustentável: eficiência da
matriz energética brasileira, investimentos em novas tecnologias para geração
de energias limpas e alternativas;
(iv)
Redução de desigualdades: diminuição da
pobreza, acesso aos recursos, inclusão social, controle do consumo;
(v)
Ciência e tecnologia: maiores
investimentos em ciência e tecnologia, com aplicação na educação e pesquisa.
Como
visto acima, os pontos acima destacados por Mininni-Medina, são as questões
basilares a serem observadas para um crescimento sustentável brasileiro. Do
ponto de vista internacional, a inclusão de um Estado na vida internacional
depende também, de certa forma, que estes pilares sejam observados, entretanto,
do ponto de vista das relações internacionais, é notória a distância evolutiva
existente entre alguns Estados, motivo pelo qual, o desenvolvimento não é
equânime em todas as partes do globo.
Já
no entendimento de Osires Carvalho e Osório Viana, o desenvolvimento
sustentável deve ser observado através de três dimensões bem definidas, quais
sejam: crescimento econômico, equidade social e equilíbrio ecológico, indo ao
encontro ao Relatório Brundtland, pois confirma da mesma forma o triple-bottom
line de equilíbrio.[5]
Além
disso, confirma que outro ponto de extrema importância é o fato de que deve
haver a diminuição da pobreza, bem como a utilização de recursos renováveis.
Também descreve a importância do desenvolvimento tecnológico para o
desenvolvimento de tecnologias alternativas de menor impacto ambiental. Na
ceara econômica os autores afirmam que uma economia sustentável é aquela que
obtém sucesso no equilíbrio social e não através do lucro empresarial.
Neste
sentido, Maria Leonor Lopes Assad e
Jalcione Almeida entendem que há uma inequívoca sinalização, para
políticos, empresários, profissionais, ativistas e para a população em geral,
de que só haverá desenvolvimentos sólidos, permanentes e sustentáveis se os
três pilares puderem ser articulados, tornando-se interdependentes. Superar a
velha tradição do trabalho isolado, por segmentos, certamente não é tarefa das
mais fáceis. Afinal, enquanto proliferam especialistas em meio ambiente
formando um campo próprio de interesses, ecologistas de variados matizes
esforçaram-se por criar uma não muito nítida onda verde de proteção,
economistas continuaram ditando as cartas na política como se tudo dependesse
do PIB e da taxa de inflação e defensores do social permaneceram restritos a
suas especialidades (saúde, educação, nutrição, previdência, etc.). Avançamos
bastante nas áreas específicas, mas pouco fizemos para que elas se tornassem
mais solidárias. É frequente ver os especialistas acusando-se mutuamente,
quando deveriam concentrar seus esforços no encontro e no estímulo de ponto que
possam levar a um relacionamento crescente.[6]
[1] Artigo 225 da
Constituição Federal Brasileira, consolidada conforme emenda 57. Art. 225. Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
[2] PHILIPPI, Luiz Sérgio. A Construção do Desenvolvimento Sustentável. In.:
LEITE, Ana Lúcia Tostes de Aquino; MININNI-MEDINA, Naná. Educação Ambiental (Curso
básico à distância) Questões Ambientais – Conceitos, História, Problemas e
Alternativa. 2. ed, v. 5. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2001.
[3] PHILIPPI, Luiz Sérgio. A Construção do Desenvolvimento Sustentável. In.:
LEITE, Ana Lúcia Tostes de Aquino; MININNI-MEDINA, Naná. Educação Ambiental (Curso
básico à distância) Questões Ambientais – Conceitos, História, Problemas e
Alternativa. 2. ed, v. 5. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2001. p.304.
[4] MININNI-MEDINA, Naná. Educação Ambiental - Documentos e
Legislação da Educação Ambiental. 2. ed, v. 5. Brasília: Ministério do Meio
Ambiente, 2001.
[5] CARVALHO, Osires; VIANA, Osório. “Ecodesenvolvimento e equilíbrio
ecológico: algumas considerações sobre o Estado do Ceará”. Revista Econômica do Nordeste.
Fortaleza, v. 29, n. 2, abr./jun. 1998.
[6] ASSAD, Maria Leonor Lopes; ALMEIDA, Jalcione. “Agricultura e
sustentabilidade: contexto, desafios e cenários”. Ciência & Ambiente, n. 29, 2004.
quarta-feira, setembro 22, 2021
O discurso de abertura dos trabalhos da ONU
Carlos Roberto Husek
Professor de Direito Internacional da PUC de São Paulo
Coordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
Preferir fuzil ao feijão bem como não permitir que o
Ministério da Educação homenageie o “Patrono da Educação Brasileira”, Paulo
Freire, bem como incentivar os procedimentos de milicianos e a aplicação de
remédios sem comprovação médica e, não usar máscara, além do reiterado desprezo
pelo Judiciário e pelo Parlamento é contrário ao bom senso, à Educação, à
Inteligência, à Democracia.
Um país sem feijão e sem educação e que incentiva o uso de
armas, é um país sem rumo.
Algumas frases de Paulo Freire, serve como antídoto:
“Glorificar a democracia e silenciar o povo é uma farsa;
discursar sobre o humanismo e negar as pessoas é uma mentira.”
“Ninguém liberta ninguém. As pessoas se libertam em
comunhão.”
“As terríveis consequências do pensamento negativo são percebidas
muito tarde.”
“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o
que se faz.”
Completamos:
A única possibilidade do Brasil ser um Estado soberano e ter
uma posição de respeito na América Latina e no mundo é de manter-se responsável
diante das reivindicações de seu povo e das necessidades internacionais, de
diálogo, objetividade e clareza.
A quem interessa a desqualificação do Poder Judiciário? E a
quem interessa o fechamento das instituições e os gritos de guerra?
Em seu discurso na abertura dos trabalhos da ONU, o
Presidente brasileiro, deixou mais ou menos claro o que pensa; é necessário ler
nas entrelinhas, além e não se ateve, com correção, à exatidão dos fatos.
Mesclou conceitos de ordem pessoal e alguns (poucos) de ordem
impessoal, fazendo propaganda do governo e não do Estado, embora a tradição é
que, o Estado se mostre para o mundo; o que efetivamente, ele, Estado,
representa e o que faz para seguir os ditames internacionais; princípios,
tratados, acordos, convenções; principalmente as regras sobre direitos humanos
(incluindo a saúde e a cooperação internacional, neste ponto), meio ambiente,
democracia, bem como, a concretização do Estado Democrático de Direito, com
estrita obediência à Constituição do país e respeito aos poderes constituídos.
Tal discurso teria o condão de atrair a boa vontade dos demais Estados, das
organizações internacionais, da ONU, das empresas e dos investidores em geral.
Não foi, no entanto, o que se observou no dia de hoje (21.09.2021).
A fala do representante do Estado na ONU, necessita ser
expressão fiel dos atos que pratica em nome do governo e em nome do Estado, sob
pena de descrença, decorrente da infidelidade do que é expresso e do que é
praticado. Caso tal aconteça, haverá inevitável divórcio entre a fala e a
realidade, entre a declaração e os acontecimentos. Conclusão: descrédito,
desconfiança, contradição.
Os discursos políticos, como qualquer espécie de comunicação,
devem ter o mínimo básico de verdade, e não se pautarem pela ficcionalidade,
pela fantasia.
Toda interlocução, exposição, mensagem, aviso, recado,
transmissão, colóquio, sermão, oração, prédica, dissertação oral, pregação,
deve casar-se com o que se ouve, se escreve, se gesticula. A comunicação é um
todo, que não se reduz às palavras, posto que, ao mesmo tempo, expressa os
olhos, as mãos, os gestos, as ações, e o silêncio em seus contextos e a
loquacidade sem fundamento, abrangendo, enfim, o todo comportamental.
Falar por falar ou calar por calar, ou ainda, comunicar o que
não existe ou o que existe não comunicar, é uma dissociação mental, uma
incoerência do pensamento e da conduta. E, por mais que se desculpe o viés
político, este também tem limites na realidade.
Dizem Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin e Don D. Jackson:
“...todo comportamento, numa situação interacional, tem valor de mensagem,
isto é, é comunicação, segue-se que, por muito que o indivíduo se esforce,
é-lhe impossível não comunicar. Atividade ou inatividade, palavras ou silêncio,
tudo possui um valor de mensagem...(...) A impossibilidade de não comunicar é
um fenômeno de interesse mais do que simplesmente teórico. Por exemplo, faz
parte do ´dilema` esquizofrênico. Se o comportamento esquizofrênico for
observado pondo de lado considerações etiológicas, parecerá que o
esquizofrênico tenta não comunicar. Mas como disparate, o silêncio, o
ensimesmamento, a imobilidade (silêncio postural) ou qualquer outra forma de
renúncia ou negação é, em si, uma comunicação, o esquizofrênico defronta-se com
a tarefa impossível de negar que está comunicando e, ao mesmo tempo, negar que
a sua negação é uma comunicação. A compreensão desse dilema básico é uma chave
para numerosos aspectos da comunicação esquizofrênica que, de outro modo,
permaneceriam obscuros. Como qualquer comunicação, como veremos, implica um
compromisso e, por conseguinte, define a concepção do emissor de suas relações
com o receptor, podemos formular a hipótese de que o esquizofrênico se comporta
como se evitasse qualquer compromisso – não comunicando.”[1]
Celso Amorim, ensina: “A abertura da Assembleia Geral das
Nações Unidas é um dos momentos mais importantes da diplomacia multilateral
contemporânea. Chefes de Delegação dos 192 Estados Membros da ONU, hoje em dia
muitas vezes Chefe de Estado e de Governo, apresentam à comunidade
internacional suas posições sobre uma vasta gama de temas. Os assuntos tratados
vão desde a paz e a segurança internacionais até o combate à fome e à pobreza.
É nas Nações Unidas que ressoam, desde 1946, as visões nacionais sobre como a
comunidade internacional deve agir para impedir a guerra, tragédia que está na
origem da criação da ONU. Ali se articulam consensos legitimadores de temas com
crescente impacto sobre a vida cotidiana das pessoas, como as questões
referentes ao meio ambiente, aos direitos humanos, à proteção de grupos
vulneráveis e à promoção do desenvolvimento econômico e social.”[2]
O representante do Brasil primou, no discurso de abertura por
fugir da grandiosidade da missão, que deve ultrapassar as fronteiras o Estado.
Alguns pontos podem ser destacados:
“Estamos a 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de
corrupção (há casos graves que estão sendo investigados)”;
“O Brasil tem um Presidente” (fala impessoal,
referindo-se a ele mesmo) “que acredita em Deus” (o único que elimina
todas as demais crenças), “respeita a Constituição” (houve manifesto
desejo de fechar o Congresso e o Judiciário);
“Um Presidente que deve lealdade a seu povo” (massa de
pessoas de uma determinada sociedade, e não só os de determinado partido,
ideologia ou religião);
“Temos tudo que o investidor procura...(...) tradição,
respeito aos contratos e confiança no nosso governo” (este último aspecto
necessita ser confirmado);
“Qual o país do mundo que tem uma política de preservação
ambiental como a nossa?” (e as queimadas, desmatamentos, venda ilegal de
madeira?);
“Ratificamos a Convenção Interamericana Contra o Racismo e
Formas Correlatas de Intolerância” (a tolerância, uma das virtudes cristã,
das mais apreciadas, deve ser desenvolvida e praticada no dia a dia, por todos
aqueles que exercem o poder, principalmente com os que pensam e vivem em
situações diversas);
“Concede visto humanitário para cristãos, mulheres e
juízes afegãos” (não cremos que a religião possa ser um discriminador
político-jurídico para fins humanitários);
“Não entendemos porque muitos países com grande parte da
mídia, se colocam contra o tratamento inicial” (Muitos países, não, quase
todos, incluindo orientações da OMS. Além do mais, a reiterada atividade em um
tratamento inicial sem eficácia comprovada; o descalabro na experiência com o
povo amazonense, e hospitais que impingiram o Kit-Covid e subnotificaram as
mortes, como de outras doenças, que não a advinda da Covid 19, por tratamento
inicial).
Não dá para entender?
Consideramos que o discurso na abertura da ONU, pelo
representante brasileiro, não necessitaria e não precisaria falar de nossas
mazelas, mas explicitar apenas os bons aspectos (e muitos) que o Brasil oferece
e que, efetivamente pode liderar.
Não se trata de esconder o que há de ruim ou inconveniente
(qual país não os tem?), mas ressaltar as nossas efetivas e exequíveis
possibilidades. O que não é adequado, e foge ao padrão e ao que é esperado em
tais eventos, é o apostolado pessoal do próprio governo, objetivando a fala
para um público interno específico, em época pré-eleitoral.
Em todas as aberturas de trabalho da ONU, o Brasil sempre se
apresentou de forma íntegra, e sempre apoiando o concerto internacional, a paz,
a solução pacífica dos conflitos, mostrando-se com uma possível liderança na
América, acolhendo todos os pensamentos, filosofias e religiões. Hoje, estamos
marcados pelo sectarismo, pela visão estreita, pelo uso abusivo de razões
pessoais, por mensagens sem valor universal. Falta-nos amplitude, magnitude,
nobreza, dignidade, generosidade, superioridade, humildade.
Tudo se traduz bem no gesto do Ministro da Saúde, parte da
comitiva do Presidente, apontando o indicador, para os que protestavam ao lado
do carro da comitiva; do gesto do Ministro das Relações Exteriores, imitando
com as mãos uma arma; dos gestos dos acólitos do Presidente, quando
internamente também apontam para os interlocutores como efetuando um disparo de
arma; das falas imbuídas de inflexibilidades, partidarismos, intransigências, e
de torpeza e sordidez no mesmo âmbito, contra homossexuais, negros e mulheres;
afora o ódio, o preconceito, e a valentia (armas, armas, armas) com que são
tratados os desafetos.
Esta é a nossa atual comunicação, para o Brasil e para o
mundo, que nem as palavras inflamadas, nem os discursos e nem os eventuais silêncios
disfarçam.
Que as Nações Unidas relevem e possamos, apesar de tudo,
seguir em paz!!
[1] Watzlawick,
Paul, Beavin, Janet Helmick e Jackon, Don D. Pragmática da Comunicação Humana,
Do Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto, Califórnia, Tradução de Álvaro
cabral,Editora Cultrix, 1967, 2002, p. 44 a 47.
[2]
Corrêa, Luiz Felipe de Seixas, organizador. O Brasil nas Nações Unidas.
Apresentação da Segunda Edição, por Celso Amorim, Ministro das Relações
Exteriores, Editora Brasília, 2007, p. 13.
sexta-feira, setembro 17, 2021
Sustentabilidade (Parte II)
Por Henrique A. Torreira de
Mattos
O Desenvolvimento
Sustentável e sua evolução
Como
vimos, o conceito do ecodesenvolvimento surgiu das reuniões formuladas pelo
Clube de Roma, instituição fundada pelo industrial italiano Aurelio Peccei em
1968, que visava realizar um exame analítico dos problemas que afligiam a
humanidade da época, conforme segue:
(i)
a disparidade entre a pobreza e a riqueza;
(ii)
a degradação ambiental;
(iii)
a credibilidade das instituições;
(iv)
o crescimento da população urbana;
(v)
a disponibilidade de empregos;
(vi)
o estilo de vida da juventude;
(vii)
os novos valores da sociedade e
(viii)
as questões econômicas como inflação.
Diante
deste contexto, o clube se reunia para uma análise destas questões de uma
maneira multidisciplinar, vez que era formado por profissionais de diversas
áreas como cientistas, pedagogos, economistas, humanistas, industriais e
funcionários públicos[1], culminando em 1972, com a
publicação de um relatório chamado “Os limites do Crescimento” (The limits
to growth) pelo Clube de Roma,
que trazia a necessidade de um equilíbrio global diante das premissas acima
descritas, guardando uma relação com a proteção ambiental.
Em
suma, o relatório apresentou um cenário onde o modelo econômico utilizado teria
fins catastróficos e que por conta disso uma reforma na economia global era
necessária para evitar tais impactos negativos.
Nas
palavras de Luiz Aberto Ferreira[2], o ecodesenvolvimento
consiste numa perspectiva sistêmica de análise e intervenção, aberta à
harmonização dos aspectos simultaneamente ambientais, sociais, econômicos,
culturais e políticos da dinâmica dos sistemas sociais.
Após
alguns anos de maturação do conceito de ecodesenvolvimento, surgiu na ONU o
conceito de desenvolvimento sustentável em 1987 através do Relatório
Brundtland, advindo dos trabalhos da Comissão Mundial de Meio Ambiente e
Desenvolvimento, cujo nome do relatório foi assim conhecido em função da
dirigente da comissão ser a ex-primeira ministra norueguesa Gro Harlem
Brundtland. No Relatório Brundtland, como ficou conhecido o relatório
denominado “Nosso futuro Comum” (Our common future) são refletidos
alguns dos desafios da humanidade tais como, a paz mundial, segurança,
desenvolvimento e o meio ambiente, sendo reforçada a necessidade de alterações
institucionais e legais.
“[...] propor estratégias ambientais de
longo prazo para obter um desenvolvimento sustentável por volta do ano 2000 e
daí em diante; recomendar maneiras para que a preocupação com o meio ambiente
se traduza em maior cooperação entre os países em desenvolvimento e entre
países em estágios diferentes de desenvolvimento econômico e social e leve à
consecução de objetivos comuns e interligados que considerem as inter-relações
de pessoas, recursos, meio ambiente e desenvolvimento; considerar meios e
maneiras pelos quais a comunidade internacional possa lidar mais eficientemente
com as preocupações de cunho ambiental ; ajudar a definir noções comuns
relativas a questões ambientais de longo prazo e os esforços necessários para
tratar com êxito os problemas da proteção e da melhoria do meio ambiente, uma
agenda de longo prazo para ser posta em prática nos próximos decênios, e os
objetivos a que aspira a comunidade mundial.”[3]
Apesar do conceito trazido pelo Relatório
Brundtland, as discussões sobre o desenvolvimento sustentável já aconteciam no
âmbito da ONU, ficando entendido pela Conferência de Estocolmo de 1972 que:
“[...] o fator diferenciador entre
ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável reside a favor deste último
quanto à sua dimensão, globalizante, tanto desde o lado do questionamento dos
problemas ambientais como a ótica das reações e soluções que formuladas pela
sociedade. Ele não se refere especificamente ao problema limitado de adequações
ecológicas de um processo social, mas a uma estratégia para sociedade que deve
levar em conta tanto à viabilidade econômica quanto a ecológica. Num sentido
abrangente, a noção de que a sustentabilidade leva à necessária redefinição das
relações sociedades humanas/natureza, portanto uma mudança substancial do
próprio processo civilizatório, introduzindo o desafio de pensar a passagem do
conceito para ação”.
Ganha
destaque também em 1992 a Conferência Mundial sobre Gestão Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável, denominada Eco 92 ou Rio 92, sendo considerada
como um marco nas discussões sobre a questão da sustentabilidade.
Desta
conferência surgiram dois documentos importantes, a Declaração do Rio e a
Agenda 21.
Com
a Declaração do Rio, houve um pacto global no sentido de chamar a atenção e
responsabilidade dos Estados para que conversem e formulem políticas globais e
tratados que permitam a proteção do sistema ecológico e o desenvolvimento.
A
Agenda 21, por sua vez, fez uma análise geral dos problemas da atualidade,
visando preparar o mundo para as mudanças necessárias e desafios para o futuro.
Com
o advento destes dois documentos internacionais, surge uma consciência
internacional mais afinada com a realidade e a preocupação com a Gestão
Ambiental e o Desenvolvimento Sustentável, tanto pelo lado dos Estados, como
suas entidades governamentais, como também pelo lado das instituições privadas
e da população. Cria-se a partir daí, uma consciência na sociedade
internacional e na sociedade civil global de que a questão ambiental não deve
ser tratada apenas nas esferas governamentais, mas que cada pessoa deve dar sua
contribuição para que o desenvolvimento não conflite ou não aumente a
degradação ao meio ambiente.
Dez
anos após a Eco 92, em comemoração ao seu décimo aniversário, ocorreu em
Joanesburgo, na África do Sul, em 2002, outra conferência mundial sobre o tema
Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável que recebeu o nome de Rio+10.
Deste encontro, um dos temas discutidos foi a geração dos gases de efeito
estufa, causadores do aquecimento do planeta e principal causa das mudanças
climáticas pela qual o planeta vem passando. Surgiu daí uma proposta de um
tratado internacional, depois denominado de Protocolo de Quioto[4], por ter sido assinado no
Japão, onde identificava os países mais industrializados como os maiores
causadores da poluição atmosférica.
Como
resultado, a Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável, na Rio+10,
conseguiu passar a mensagem de que o Desenvolvimento Sustentável é baseado no
sistema triple-bottom line (People, Planet, Profit), ou seja Povo, Planeta e Lucro, o que significa
dizer o equilíbrio existente entre 3 pilares: o econômico, o social e o
ambiental.
Em
seguida houve também do encontro Rio+20 (2012) realizada novamente na cidade do
Rio de Janeiro, focando mais uma vez sobre a premissa basilar da
sustentabilidade, porém com foco no equilíbrio social, desenvolvimento
tecnológico, meio ambiente e a necessidade de uma maior governança global. Para
2022 espera-se o encontro Ri0+30 a realizar-se na cidade do Rio de Janeiro,
visando dar sequências nas tratativas internacionais a respeito do tema, em
meio à pandemia experienciada desde 2020.
[1] KRÜGER, Eduardo. “Uma abordagem
sistêmica da atual crise ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente”.
UFPR/Curitiba, 2001, v. 4, Pág. 37-43.
[2] FERREIRA, Luiz Alberto. “Formação
técnica para o ecodesenvolvimento: uma avaliação do ensino técnico
agrícola em Santa Catarina no período 1992-2002”. 2003. Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis - SC. Pág.35
[3] Relatório Brundtland.
Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas,
1991, p. xi.
[4] Assinado em Quioto no Japão em 1997 e ratificado pelo Brasil em 15/08/1999. Propõe
um calendário em que os países-membros desenvolvidos obrigam-se a reduzir a
emissão de gases de efeito estufa em, pelo menos 5,2% em relação aos níveis do
ano de 1990 no período entre 2008 e 2012.