terça-feira, julho 19, 2022

Aparências

 



As relações internacionais são feitas também de símbolos, gestos. Claro que tratados internacionais longamente discutidos ou acordos comerciais duramente negociados importam (mais), porém é nítido o quanto pequenos gestos são relevantes e podem ser decisivos em determinados momentos.

A imprensa noticia por estes dias que o presidente norte-americano Biden tem tido dificuldades em seguir a orientação da Casa Branca de não apertar as mãos dos líderes durante a viagem ao Oriente Médio, e havia dúvidas se o faria com Mohammed bin Salman, príncipe-herdeiro da Arábia Saudita. Ao final, não o fez, apenas deu o já tradicional “soquinho” de mão, usando a questão da COVID-19 como desculpa para o não apertar de mãos. Mas o estilo Biden, noticiam, é de mais apertos de mão, mais afagos, o que pode poderia aparentar uma proximidade entre líderes indesejada pela diplomacia dos EUA.

Mas, apertar ou não as mãos é relevante, se afinal o encontro presencial entre ambos existiu? Faz diferença?

Em 2001, logo após os ataques de 11 de setembro e por ocasião da Assembleia Geral da ONU, estavam os líderes da ocasião reunidos em almoço e, segundo relata Fernando Henrique Cardoso nos seus Diários da Presidência, vol. 4, estavam à mesa com ele Kofi Annan (então secretário geral da ONU) e George W. Bush (então presidente dos EUA), que estava se mostrando feliz por ter havido, no seu discurso, falado da necessidade da criação do Estado palestino (num discurso obviamente mais voltado ao público interno, dado o especial momento pelo qual passavam os norte-americanos): “A certa altura Javier Solana, comissário das Relações Exteriores da União Europeia (...) me deu um abraço e disse: ‘vamos fazer o Bush falar com o Arafat’, que estava sentado em uma mesa em frente à nossa. (...) Solana se dirigiu ao Bush, que cortou a conversa na mesma hora (...) ‘Não está na hora disso [um aperto de mãos entre Bush e Arafat], não posso.´Bush explicou que estava fazendo uma diplomacia silenciosa com Israel e que, se fosse falar com Arafat naquele momento, sendo vistos nesse aperto de mãos, ainda que em um almoço em que ambos já estavam presentes, estragaria tudo.

Tudo isso para dizer que sim, aparências importam, tanto quanto o discurso ou negociações que são feitas, silenciosamente ou não. Por exemplo, ontem o presidente Jair Bolsonaro chamou ao Palácio do Planalto uma série de embaixadores para a eles discursar e, novamente, “alertar” para falhas no processo de votação eleitoral brasileiro. Qual a aparência disso? O que se quis demonstrar, uma vez que o discurso feito já é da ciência de todos? Aparentemente, a ideia seria a de deixar as nações amigas previamente avisadas de algo. Ou melhor, deixar a todos avisados de que, se das urnas não sair o resultado “desejado”, algo pode acontecer.

Parece que Jânio Quadros não faria pior.

 

                                                           Por Fabrício Felamingo – 19/07/2022