quarta-feira, dezembro 30, 2020

Enfim, Brexit?

 

 

Henrique Araújo Torreira de Mattos.

Coordenador e Professor no curso de pós-graduação latu sensu em Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE) e Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito Internacional Píblico e Privado). Professor de Direito Empresarial na ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).

 

Nos últimos anos a saída do Reino Unidos (RU) da União Europeia (UE) vem trazendo vários desconfortos no cenário das relações internacionais entre os países do bloco, não somente pela frustração de ver um ente importante, como o RU sair, mas também por representar um possível fracasso como um todo, do sistema incialmente montado para ser um mercado comum idealizado a partir da sociedade de carvão de do aço em meados do século passado, transcendo o simples mercado comum para se transformar em uma união política, econômica, monetária e política.

 

O ingresso do RU nunca foi unânime dentro deste conjunto de países que já contavam com a Commomwealth, que poderíamos dizer ser um outro bloco de países, não necessariamente composto países contíguos, mas que ao longo da história fizeram parte e, alguns ainda fazem, parte do Império Britânico, como por exemplo, Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, Barbados, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, Reino Unido, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Tuvalu, cujo mapa abaixo representa geograficamente a sua zona de influência.

 


Assim, o ingresso do Reino Unido em outro bloco, apesar de fazer sentido para alguns no pós Segunda Guerra, como uma forma de fortalecer sua posição comercial no bloco, em função de sua importância e liderança, frente a potências importantes como Estados Unidos e União Soviética, por muitos outros caracterizava uma deformidade do papel da Inglaterra e sua importância como uma monarquia constitucional. Por tal motivo, o Reino Unido apesar de ingressar no bloco, demorou a de fato incorporar as harmonizações proporcionadas pelo bloco europeu, como por exemplo, a moeda única.

 

Como em todos os países da UE, a participação depende de um tratado internacional que estabeleça as suas regras de ingresso, bem como providências internas, necessárias a serem tomadas, de modo que os países possam adequar a sua economia, política, instituições, dentre outros aspectos, de modo a ceder o acesso dentro de suas fronteiras, permitindo o ingresso de mercadorias, serviços e pessoas, além coordenar e equalizar suas tarifas internas e internacionais.

 

Logo percebe-se a dificuldade de que tais harmonizações sejam atingidas e o longo trabalho necessário para tanto, que durou algumas dezenas de anos. Penso que atualmente, poucas pessoas vivenciaram ativamente 100% de cada uma das evoluções da UE, como experiência de vida, para desenhar o caminho de retorno menos tormentoso.

 

O fato que é que algo que levou muitos anos para chegar onde está hoje está prestes a acabar quando da virada do ano?

 

É bem verdade já ter havido a decisão quanto à saída, mas esta decisão foi rápida e alguns dizem ter sido irresponsável, pelo fato de que o ponto crucial gira em torno de como sair, pois vários novos acordos precisam ser tratados para garantir a economia do RU e por que não dizer da UE, mas também a situação das pessoas que ali moram (RU), vinda de outros países integrantes do bloco.

 

Pensamos que na verdade tratasse de um processo evolutivo que já vem ocorrendo há alguns anos, cuja implementação vem se verificando mais palpável agora e que não se adequará ao calendário gregoriano, mas que provavelmente será mais rápido.

 

Por conta disso, o acordo comercial fechado entre Reino Unido e União Europeia trouxe alívio para empresas ao evitar aplicação de tarifas punitivas e uma separação desorganizadas nesta semana, apesar de deixar alguns pontos de atritos, quais sejam:

 

1)      Igualdade de condições – Apesar do Reino Unido não precisar mais se alinhar com as leis da UE, o bloco pode impor tarifas proporcionais, sujeitas à arbitragem, se puder mostrar que as ações britânicas distorceram a concorrência leal. Importante destacar que a campanha de saída do bloco prometia a autonomia do Reino Unido em legislar soberanamente e sem qualquer norteador internacional.

 

2)      Finanças – A regra quanto à venda de serviços financeiros ainda não foi tratada com clareza, já que o acordo apresenta cláusulas-padrão sobre serviços financeiros, o que significa que não inclui compromissos de acesso a mercados, devendo ser iniciado uma negociação específica em 2021 sobre o acesso e equivalência para serviços financeiros.

 

3)      Dados – Durante 6 meses a contar de janeiro de 2021, as regras relacionadas à transferência de dados europeias continuam a valer, mas nova regra deverá ser negociada, sendo que a regra europeia vigerá até que um acordo entre RU e UE se estabeleçam.

 

4)      Pesca - O acordo prevê um período de transição de cinco anos e meio para a pesca, durante o qual haverá redução de 25% das capturas por barcos da UE nas águas do RU, sendo que após este período a pesca deverá ocorrer mediante negociação.

 

5)      Gibraltar -  Ainda não chegaram a um acordo em relação à Gibraltar. Importante destacar que Gibraltar é território britânico conectado à Espanha continental. Sem um acordo, cruzar a fronteira poderia ser mais difícil e causar longas filas para passageiros e problemas econômicos significativos. Historicamente, tentativas da Espanha de enfraquecer ou até mesmo acabar com o controle britânico do território sempre causaram a ira de conservadores britânicos, que tentarão impedir que o Reino Unido faça quaisquer concessões.

 

Bibliografia:

Mello, Celso S. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Ed. Renovar. Volumes I e II. 2004. 15ª Edição;

Resek, Francisco. Direito Internacional Público (Curso Elementar). 2011. 13ª Edição;

Pozzoli, Lafayette. Direito Comunitário Europeu (Uma perspectiva para a América Latina). Ed. Método. 2003;

http://www.thecommonwealth.org/

 

 


quarta-feira, dezembro 23, 2020

“Veritas filia temporis” ou Uma reflexão irônica


Carlos Roberto Husek

Professor de Direito Internacional da PUC/SP e co-cordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

 

A serenidade está no mesmo patamar, nos dias de hoje, das ideias fantásticas, como a da mula sem cabeça, a dos duendes e a das bruxas. É algo que, quando acontece, foge ao cotidiano e se insere dentre os fatos que nos deixam boquiabertos, olhos arregalados, paralisados dos pés à cabeça.

Talvez, a atitude serena venha de algum “moralista”, - entre aspas mesmo - porquanto o moralismo é algo impensado nas sociedades modernas; uma das palavras que está perdendo o seu significado, para registrar-se como uma mancha, uma daquelas marcas que se imprimem no gado para distingui-lo dentre os demais; mas, se para o gado a distinção pode ser boa em virtude de uma determinada raça ou de um determinado proprietário, no ser humano é uma pecha, um defeito gravíssimo. É quase igual ao entendimento sobre as palavras “equilíbrio”, misericórdia”, “bom senso”, “igualdade de tratamento”, “sentimento democrático” e outras expressões, que estão desgastadas de seus significados originais.

Quem quiser viver e sobreviver, política e socialmente – não digo economicamente, porque nesta área a conexão moderna com o significado dessas palavras, não com o seu significante, é total – deve fugir das acepções anteriormente consagradas.

Ora, ver-se-ia como um monge, um frágil e desprezível sonhador, um ingênuo, cuja ingenuidade – espera-se – com o tempo diminua e o faça cada vez mais partícipe do mundo real.

Sonhar, afinal, é coisa para criancinhas – adolescentes, não mais – ou para incuráveis e raros românticos, marginalizados, que se contentam em recolher dos lixos as sobras da civilização, para continuarem, minimamente dignos do momento, ainda que “a latere” das relações sociais.

Enfim, “moralista” é algo muito ruim e que pode condenar o infrator ao desterro eterno, ao cadafalso escuro, à jaula do circo de horrores que exibe os animais em extinção. Bobbio adverte: “Se desejares silenciar o cidadão que protesta e ainda tem capacidade de se indignar, digas que ele não passa de um moralista. É um expediente fulminante. Tivemos inúmeras ocasiões para constatar, nos últimos anos, que quem quer que tenha criticado a corrupção geral, o mal uso do poder econômico ou político, foi obrigado a levantar as mãos e dizer: ´Faço isso não por moralismo`. Como se precisasse deixar bem claro que não deveria ter nenhum contato com aquela gente, geralmente levada em pouquíssima conta.”[1]

É uma questão planetária, uma conjunção de astros, a sobreposição de Saturno e Júpiter, que põe em pandemia a razoabilidade: preferível ser qualificado como corrupto, por exemplo, ou como machão, ou guerreiro, do que de sensato.

A sensatez é a virtude dos fracos e a serenidade seu instrumento de manifestação. O diabo nos livre deles, e Deus que se contente em contemplar o eventual erro na criação, porque, se não é de agora, sempre fomos assim. Todavia, sobra a indagação: para quem e qual a necessidade de justificar ações e falas, que poderiam ser tidas como indignas, se a prevalência é da sordidez? Estes, os sórdidos, sempre se justificam. Talvez, existam caminhos ainda a serem explorados, pelos crédulos, disciplinados, tranquilos e ponderados! Como fazê-lo? Ainda que, particularmente, não nos enquadremos em tais referências, e “faço isso, não por modéstia ou moralismo”, como provocar a reserva moral, aparentemente conformada e coibida, para um despertar sobre os acontecimentos?

Dificílima a situação!

É um magma que está na base de um vulcão, fervilhando nos confins da terra, mas sem força para explodir, o que algum dia acontecerá, com resultados desastrosos, escorrendo pelas encostas e triturando tudo o que se encontra pela frente, porque a força da indignação não pode ser menos do que a dos atos atrozes de infâmia e maldade, e não pode ser menor que a tristeza e a incompreensão de anos e anos de ostracismo dos direitos e da possibilidade de inteirar-se uma nação, una com o que se supõe ser o seu grande destino.

 

“Na cordilheira altíssima dos Andes

Os chimborazos solitários, grandes

Ardem naquelas regiões.

Ruge embalde e fumega a solfatera...

É dos lábios sangrentos da cratera

Que a avalanche vacila aos furacões.

 

A escória rubra com os geleiros brancos

Misturados resvalam pelos flancos

Dos ombros friorentos do vulcão...

.............................................................

Assim, Poeta, é tua vida imensa,

Cerca-te o gelo, a morte, a indiferença...

E são lavas lá dentro o coração.[2]

“Veritas filia temporis”. A verdade é filha do tempo, bem sei, mas até quando vamos esperar que o país adormecido acorde tranquilo e sereno para uma era de paz e progresso? Não é a guerra que queremos, mas a suprema indignação, divulgada e anunciada em alto som. É o movimento pacifista, dos que almejam verdadeira e profunda MUDANÇA.

 


[1] Bobbio, Norberto. Elogio da serenidade e outros escritos morais. Editora Unesp, 2ª. ed. p. 30.

[2] Alves, Castro. Obras Completas. A meu irão Guilherme de Castro Alves, Curralinho, julho de 1870, Editora Nova Aguilar S.A, 1997, p. 196.

 

quinta-feira, dezembro 17, 2020

PEIXE VIVO

 


No nosso artigo anterior, falávamos do papel da diplomacia presidencial e sua importância nas relações internacionais. A Presidência da República, concluímos, não precisa ser ocupada por pessoa de conhecimentos específicos nesta questão, ou mesmo na maioria das questões. Não se espera isso daquela figura.

Nesta semana o Senado Federal negou (em situação com raríssimos precedentes, um deles remontando a Jânio Quadros, o que só reforça a gravidade do caso agora) a indicação feita pelo Itamaraty de diplomata para o posto de delegado permanente do Brasil na ONU em Genebra. O cargo, importante por si próprio, tem recebido mais destaque nos últimos tempos dada as posições que a diplomacia brasileira vem defendendo a partir das ideias do atual Governo Federal. O que nos leva à questão central: a representação internacional do Brasil é posicionamento de Estado ou de Governo?

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 4º, define com clareza que o Brasil se regerá, em suas relações internacionais, pelos princípios ali definidos. Dentre eles, podemos observar a prevalência dos direitos humanos, a defesa da paz, o repúdio ao racismo, anotando ainda a Constituição que o Brasil buscará a integração dos povos da América Latina.

Naturalmente a cada mandatário é assegurado o direito de estabelecer suas agendas, suas prioridades e se há algo do qual não se pode culpar a atual Presidência é de estelionato eleitoral. Dito isto, é sua obrigação, nas relações internacionais, seguir a posição de Estado, a partir dos princípios constitucionais. Desvirtuar isso é desvirtuar o poder conferido para o exercício da Presidência da República e parece claro que os princípios do artigo 4º destacados acima não apenas não são observados mas também claramente afrontados O próprio diplomata indicado, ainda que de carreira, vem atuando de forma a claramente atender ao posicionamento político do atual governo, contrário a tais princípios.

Ou seja, a Constituição define o posicionamento do Estado. A Presidência da República deve definir suas prioridades e guiar suas ações no plano internacional à luz de tais princípios. Nos parece claro que não é o que vem ocorrendo.

Antônio Houaiss (o do dicionário mesmo) trabalhou na documentação presidencial de Juscelino Kubitschek e “descrevia JK como homem aberto, auditivo, receptivo, fino sistematizador. Recebia informações novas e as incorporava de forma permanente, redisciplinando seu espírito. Ficava grato a quem lhe trouxesse ângulos inesperados. Não tinha preconceitos ideológicos: ouvia adversários e opiniões discordantes e não se importava com a orientação filosófica ou doutrinária do interlocutor. Aceitava a palavra dos estigmatizados da esquerda, assim como os conselhos moderados das raposas de antanho. Vivia na transição de dois Brasis e saltitava na corredeira da história, justificando o apelido pelo qual ficou conhecido”*

                Juscelino usou, de forma intensa inclusive, da prerrogativa de enviar aos postos nas embaixadas no exterior indicados políticos, não diplomatas de carreira (o que, de resto, foi hábito comum aos presidentes brasileiros até meados dos anos 2000). Mas não o fazia ao arrepio da Constituição. Não apenas porque a Constituição de então não trazia definições tão precisas, mas também pela ciência de que, nas relações internacionais, ainda que por sua indicação, os diplomatas deviam defender posicionamentos de Estado e não de Governo.

                O peixe vivo sabia nadar aquelas águas.

 

                                                                                            Por Fabrício Felamingo

 

* Trecho extraído de “JK -  o artista do impossível”, de Claudio Bojunga, Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, página 358.


quarta-feira, dezembro 09, 2020

Mutualismo no Direito Internacional

 


Henrique Araújo Torreira de Mattos.

Advogado formado pela PUC/SP. Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós graduado em Direto Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Direito Internacional Público e Privado pela Hague Academy of International Law em Haia/Holanda. MBA pela Fundação Dom Cabral. Coordenador e Professor no curso de pós-graduação latu sensu em Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE) e Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito Internacional Público e Privado). Professor de Direito Empresarial na ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).


Recentemente me chamou a atenção um estudo que fiz sobre a perspectiva do mutualismo nas empresas ao ler partes do livro intitulado Capitalism Beyond Mutuality?, escrito pelo professor Subramanian Rangan  do INSEAD que traz uma visão integradora entre a Filosofia e Ciências Sociais, no sentido de trazer à tona a discussão de que embora a humanidade tenha se desenvolvido desde a antiguidade por meio da descoberta de novas tecnologias ou mesmo ampliado seu acesso ou percepção do conhecimento em geral para construir a sociedade onde vivemos, a busca pelo equilíbrio para o desenvolvimento em todos áreas, bem como a diminuição da taxa entre pobres e ricos para alcançar um bem-estar comum ainda estão na agenda da comunidade internacional, pois o capitalismo também mostrou que sua sustentabilidade é administrável ou aceitável de acordo com circunstâncias específicas alinhadas com os poderes postes e existentes em determinado momento da história.

Esse entendimento reflete pensamentos trazidos por Adam Smith que é considerado o pai do capitalismo e escreveu “A Riqueza das Nações” apresentando sua teoria da vantagem absoluta que reflete a capacidade de produzir ainda mais.

A busca pelo desenvolvimento da sociedade se baseia na justiça, no bem-estar e na abrangência de nossa humanidade. De acordo com o professor Rangan, a humanidade evoluiu uma vez que “está melhor hoje em várias frentes, incluindo expectativa de vida, renda média e conhecimento permitido pela tecnologia, ao mesmo tempo que também possibilitou conflitos. No entanto, é difícil negar que a demanda por lucro produziu desempenho, mas nem sempre progresso. A demanda por justiça produziu regulamentação, mas nem sempre justiça. A demanda por segurança econômica produziu um estado de bem-estar, mas não segurança econômica. A demanda por conservação gerou conversas, deixando os cientistas preocupados com o "colapso". Além disso, a expectativa de vida parece ter superado as expectativas de vida, fazendo com que o conceito de sustentabilidade deva ser considerado sob perspectivas ainda mais elevadas.

Considerando os aspectos acima descrito, podemos assumir que houve melhorias ou apenas uma acomodação administrada dos fatos ou sentidos para tornar a economia, as relações, incluindo as internacionais, ou a própria vida, mais toleráveis. Em todo caso, é fato que a tecnologia está permitindo um amplo acesso e democratização da educação, ao estreitamento das relações privadas e públicas entre as diversas nacionalidades, dentre outros fatores que corroboram a globalização para permitir que a sociedade avance para o próximo patamar de evolução.

A ideia de mutualidade ou mutualismo trazida pelo professor Rangan aplica-se ao liberalismo empresarial num primeiro momento, mas ao observar sob a perspectivas das soberanias traz uma perspectiva sobre o conceito de Estado justo para incorporar uma democracia sustentável onde a política e a economia se baseiam no intercâmbio dos benefícios criados pela interdependência humana natural baseada na cooperação mútua para alcançar os objetivos da humanidade. A mudança de mentalidade moral na sociedade que conduz a mudança nas empresas, na sociedade civil internacional, na sociedade internacional e vice-versa, é a chave para tornar isso possível de forma pragmática. Portanto, esta mudança de mentalidade deve ser uma questão de atitude social que conduz a cooperação social moral onde a propriedade embora tenha sua importância deve ser usada para aumentar bons valores e comportamentos a fim de atender à justiça, bem-estar e um escopo expandido de humanidade nos negócios para o bem comum.

Nesse sentido, o estado e a sociedade em geral devem evitar a dependência do poder de regulação do mercado, mas originalmente devem educar o mercado de forma a obter os resultados desejáveis. Como consequência, os negócios devem destacar os ideais morais da economia liberal e o raciocínio pode informar e influenciar os interesses de uma forma sistêmica para possibilitar uma melhor autogovernança de um agente imparcial para governar com integridade.

Portanto, a educação do mercado de maneira democrática, por meio do convencimento geral e pragmatismo é o fato principal nesta equação, de modo a desafiar o status quo do que hoje praticamos como desenvolvimento, a fim de fazer as pessoas pensarem sobre valores e comportamentos e não apenas fornecer ideias conflitantes sem qualquer sentido prático.

 

 

Bibliografia:

RANGAN, Subramanian. “Capitalism Beyond Mutualism? Perpectives integrating Philosophy and Social Sciences”. Oxford University Press; 

Smith, Adam. “A Riqueza das Nações”. Editora Juruá.

  


sexta-feira, dezembro 04, 2020

O MAL DO BRASIL

 


Carlos Roberto Husek

                           Professor de Direito Internacional da PUC de São Paulo

 

O mal do Brasil será o mal do mundo, o mal da humanidade, em geral, o mal da América Latina, o mal dos países subdesenvolvidos? Podemos por a culpa em alguém, em algum setor, geográfico ou histórico, à nossa formação deficiente, ao nosso componente racial, miscigenado, brancos, pretos, índios, mamelucos, ou aos portugueses que nos descobriram e por séculos só fizeram explorar, primeiro o pau brasil, depois, o açúcar, além, o dízimo para a Coroa portuguesa, pelos cobradores de impostos, ou, ainda, pelos povos que aqui vieram a se estabelecer, sem a devida integração, constituindo nichos de suas respectivas nacionalidade e carregando o sangue de família, para dizer sempre que eram nacionais de outro país e que seus filhos também o eram (ius sanguinis), ou, sobre outro aspecto, a nossa propensão para a subserviência aos estrangeiros, como se sempre estivéssemos em dívida, como se não tivéssemos forma uma sociedade, digna desse nome? Há alguma verdade nestas inferências?

Bem, quem quiser e se sentir mais tranquilo e justificável – por pertencer a este país (gigante adormecido!), que não consegue sair de sua condição de terceiro mundo, que adote uma delas, ou outra que satisfaça. Penso, repenso, condenso, e não encontro saída. Por que, em pleno século XXI, não temos direção de pensamento? Nenhuma liderança na América, nenhuma área de influência entre os países emergentes, nada que nos aponte grande no território, grande na ação, grande – que seja – para o futuro?

Claro que são questões angustiantes de quem se sente sem rumo e triste. Triste porque não ouve uma palavra de ponderação, de equilíbrio, de sensatez, nem do presidente da República, que somente aparece e fala para disseminar discórdia, empunhar gritos de guerra contra a COVID, contra as eleições norte-americanas, contra os gays, contra (indiretamente, talvez), as mulheres, contra os classificados como inimigos naquela semana, contra a Organização mundial da Saúde, contra a Organização Mundial do Comércio, contra o processo do “lava Jato”, contra a Justiça quando abre análise processual em relação aos filhos, contra, contra, sempre contra, e não administra o mínimo, apenas exigindo de seus ministros – que em tese deveriam ser os especialistas em cada área – subordinação total. Estes, os ministros, escondem-se sobre as asas presidenciais, porque apesar (talvez?) de entenderem que o caminho sobre determinado assunto deveria ser outro, não ousam contrariar o presidente. O ministro da Saúde, por exemplo, após analisar os números da pandemia, e após ter encomendado – em um gesto de autonomia ministerial louvável – vacinas, teve que abortá-las, porque desautorizado, e fala em rede de televisão que a aglomeração não espalha o vírus ( embora não seja médico, para contrariar toda fala da Medicina) ou do ministro da Justiça, que simplesmente se cala diante dos problemas da pasta, não dando força para qualquer investigação – salvo aquelas que possam contrariar o presidente – e nada se manifesta em relação às ações de bandidos em todo o país, com sequestros, mortes, assaltos, mesmo que haja a competência primária de atuação dos Estados, haveria espaço para uma coordenação, ou do ministro do Meio Ambiente, que deixou passar a boiada, e com ela se foi, deixando ao vice-presidente a necessidade de dar explicações à sociedade, ou do ministro das Relações Exteriores, que não intermedia um necessário meio de campo para restabelecer diálogos com países que se veem atingidos por falas impróprias, distorcidas, absurdas, incongruentes de parlamentares ou de agentes do próprio Executivo, que não faz, enfim, a ponte da amizade, tradicional em nossa diplomacia, e não busca ( ao que se sabe ) influenciar o presidente da República nas falas e ações públicas, no que tange aos demais países soberanos.    

Temos um governo de centralização do poder, sem atuação do poder de administrar, e que só se anuncia para impor obediência irrestrita, mas, ao que se percebe, mantém – que isso continue – a liberdade de manifestação. Pelo menos isso, caso contrário, a democracia já estaria enterrada.

Enfim, por que temos todos esses males? Será que está em nosso DNA histórico, sociológico, e mesmo biológico, a impossibilidade de irmos na direção correta do bem público, independentemente da ideologia professada ou da religião, ou do time do coração, ou da filosofia de vida diária, daquele que toma posse ( que bom que temos eleições, é o mínimo) no poder?

Vamos dar mão à palmatória, não somos tão ruins assim: é do ser humano essa constância em ir e vir, por vezes, sem qualquer gerenciamento, sem qualquer plano maior, só pela emoção, pela amizade, pelo compadrio.

Freud, em “O Mal Estar na Civilização”, já estudava e analisava naquela época (1930), algo que serve para os dias atuais; afinal, a Psicanálise é universal e atemporal:

É difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam o poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida. E no entanto, corremos o risco, num julgamento assim genérico, de esquecer a variedade do mundo humano e de sua vida psíquica. Existem homens que não deixam de ser venerados pelos contemporâneos, embora sua grandeza repouse em qualidades e realizações inteiramente alheias aos objetivos e ideais da multidão. Provavelmente se há de supor que apenas uma minoria reconhece esses grandes homens, enquanto a maioria os ignora. Mas a coisa pode não ser tão simples, devido à incongruência entre ideias e os atos das pessoas e à diversidade dos seus desejos.” (Mal Estar da Civilização, Sigmund Freud, Obras Completas, Companhia das Letras, p. 14).

Darcy Ribeiro, em uma visão crítica aos intelectuais brasileiros (eles existem), após descrever sobre a consciência nacional (a sociedade que aí está e o que dela se espera), diz:

Tudo isso significa que não teria cabimento exigir dos intelectuais brasileiros – sobretudo os de um passado remoto – a capacidade de formular projetos próprios de reordenação social, então inviáveis (seriam viáveis agora?). Mas significa também que permanece aberto o desafio de compreender as razões pelas quais aquela intelectualidade, em muitos casos apaixonadamente nativista, raramente explorou os limites de sua consciência possível. A verdade é que poderiam, mesmo então, ter atingido o limiar da consciência crítica que nada mais é do que a percepção da realidade como problema e a predisposição de transformá-la. Só em casos excepcionais se atingiu efetivamente essa consciência crítica (...) De um modo geral, a intelectualidade atuando em conveniência com os interesses da ordem desigualitária e da manutenção da dependência e tendo como matriz inspiradora a erudição europeia (e, talvez, a erudição norte-americana do governo de lá, não presidente eleito, em 2020), produziu nada mais que uma consciência ingênua, alienada e alienante. Suas criações não são discursos próprios sobre a realidade circundante elaborados à medida que esta vai sendo diretamente percebida e expressa em suas variações. Seu discurso típico é uma reelaboração com materiais exemplificativos locais de compreensões alheias alcançadas em outra parte e concernentes a outros contextos.” (não parece similar ao que está acontecendo?) (“Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil, Estudos de Antropologia da Civilização, Darcy Ribeiro, Vozes, 1985, p. 156) 

Não temos resposta para nenhuma das questões inicialmente propostas. Resta pensar, e pensar não encontra campo fértil na atualidade. Vamos crer em Deus, ou nos deuses, ou nos milagres, ou que estamos prestes a acordar de um pesadelo. Afinal, como uma conjunção de astros – consultem os astrólogos – estamos no Brasil e em vários países do mundo vivendo um encontro macabro entre Júpiter e Saturno.