Henrique Araújo Torreira de Mattos.
Coordenador e Professor no curso de pós-graduação latu sensu em Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE) e Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito Internacional Píblico e Privado). Professor de Direito Empresarial na ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).
Nos últimos anos a saída do
Reino Unidos (RU) da União Europeia (UE) vem trazendo vários desconfortos no
cenário das relações internacionais entre os países do bloco, não somente pela
frustração de ver um ente importante, como o RU sair, mas também por
representar um possível fracasso como um todo, do sistema incialmente montado
para ser um mercado comum idealizado a partir da sociedade de carvão de do aço
em meados do século passado, transcendo o simples mercado comum para se
transformar em uma união política, econômica, monetária e política.
O ingresso do RU nunca foi
unânime dentro deste conjunto de países que já contavam com a Commomwealth, que poderíamos dizer ser
um outro bloco de países, não necessariamente composto países contíguos, mas
que ao longo da história fizeram parte e, alguns ainda fazem, parte do Império
Britânico, como por exemplo, Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, Barbados,
Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, Reino Unido,
São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e
Tuvalu, cujo mapa abaixo representa geograficamente a sua zona de influência.
Assim, o ingresso do Reino
Unido em outro bloco, apesar de fazer sentido para alguns no pós Segunda
Guerra, como uma forma de fortalecer sua posição comercial no bloco, em função
de sua importância e liderança, frente a potências importantes como Estados
Unidos e União Soviética, por muitos outros caracterizava uma deformidade do
papel da Inglaterra e sua importância como uma monarquia constitucional. Por
tal motivo, o Reino Unido apesar de ingressar no bloco, demorou a de fato
incorporar as harmonizações proporcionadas pelo bloco europeu, como por
exemplo, a moeda única.
Como em todos os países da
UE, a participação depende de um tratado internacional que estabeleça as suas
regras de ingresso, bem como providências internas, necessárias a serem
tomadas, de modo que os países possam adequar a sua economia, política,
instituições, dentre outros aspectos, de modo a ceder o acesso dentro de suas
fronteiras, permitindo o ingresso de mercadorias, serviços e pessoas, além
coordenar e equalizar suas tarifas internas e internacionais.
Logo percebe-se a
dificuldade de que tais harmonizações sejam atingidas e o longo trabalho
necessário para tanto, que durou algumas dezenas de anos. Penso que atualmente,
poucas pessoas vivenciaram ativamente 100% de cada uma das evoluções da UE,
como experiência de vida, para desenhar o caminho de retorno menos tormentoso.
O fato que é que algo que
levou muitos anos para chegar onde está hoje está prestes a acabar quando da
virada do ano?
É bem verdade já ter havido
a decisão quanto à saída, mas esta decisão foi rápida e alguns dizem ter sido
irresponsável, pelo fato de que o ponto crucial gira em torno de como sair,
pois vários novos acordos precisam ser tratados para garantir a economia do RU
e por que não dizer da UE, mas também a situação das pessoas que ali moram
(RU), vinda de outros países integrantes do bloco.
Pensamos que na verdade
tratasse de um processo evolutivo que já vem ocorrendo há alguns anos, cuja
implementação vem se verificando mais palpável agora e que não se adequará ao
calendário gregoriano, mas que provavelmente será mais rápido.
Por conta disso, o acordo
comercial fechado entre Reino Unido e União Europeia trouxe alívio para
empresas ao evitar aplicação de tarifas punitivas e uma separação
desorganizadas nesta semana, apesar de deixar alguns pontos de atritos, quais
sejam:
1)
Igualdade
de condições – Apesar do Reino Unido não precisar mais se alinhar com as leis
da UE, o bloco pode impor tarifas proporcionais, sujeitas à arbitragem, se
puder mostrar que as ações britânicas distorceram a concorrência leal.
Importante destacar que a campanha de saída do bloco prometia a autonomia do
Reino Unido em legislar soberanamente e sem qualquer norteador internacional.
2)
Finanças
– A regra quanto à venda de serviços financeiros ainda não foi tratada com
clareza, já que o acordo apresenta cláusulas-padrão sobre serviços financeiros,
o que significa que não inclui compromissos de acesso a mercados, devendo ser
iniciado uma negociação específica em 2021 sobre o acesso e equivalência para
serviços financeiros.
3)
Dados
– Durante 6 meses a contar de janeiro de 2021, as regras relacionadas à
transferência de dados europeias continuam a valer, mas nova regra deverá ser
negociada, sendo que a regra europeia vigerá até que um acordo entre RU e UE se
estabeleçam.
4)
Pesca
- O acordo prevê um período de transição de cinco anos e meio para a pesca,
durante o qual haverá redução de 25% das capturas por barcos da UE nas águas do
RU, sendo que após este período a pesca deverá ocorrer mediante negociação.
5)
Gibraltar
- Ainda não chegaram a um acordo em
relação à Gibraltar. Importante destacar que Gibraltar é território britânico
conectado à Espanha continental. Sem um acordo, cruzar a fronteira poderia ser
mais difícil e causar longas filas para passageiros e problemas econômicos
significativos. Historicamente, tentativas da Espanha de enfraquecer ou até
mesmo acabar com o controle britânico do território sempre causaram a ira de
conservadores britânicos, que tentarão impedir que o Reino Unido faça quaisquer
concessões.
Bibliografia:
Mello, Celso S. de Albuquerque. Curso de Direito
Internacional Público. Ed. Renovar. Volumes I e II. 2004. 15ª Edição;
Resek, Francisco. Direito Internacional Público (Curso
Elementar). 2011. 13ª Edição;
Pozzoli, Lafayette. Direito Comunitário Europeu (Uma
perspectiva para a América Latina). Ed. Método. 2003;
http://www.thecommonwealth.org/