A notícia de
que a Indonésia rebocou para o alto-mar embarcações com refugiados,
retirando-os de seu mar territorial e abandonando-os, é daquelas que provam que
nunca vimos de tudo nesta vida. Milhares de pessoas têm tentado ingressar em
países europeus ou asiáticos, fugindo de perseguições brutais (por motivos
nacionais ou religiosos) e situações de pobreza extremada. Nos últimos dias a
imagem dos barcos de traficantes de pessoas tem sido a tônica, sempre mostrando
embarcações abarrotadas de pessoas à míngua. As privações pelas quais passam,
especialmente a falta de água e comida, são tenebrosas.
Os países
tentam evitar o ingresso dessa população empobrecida, à qual costuma-se
denominar como formada por “migrantes” ou “imigrantes”, levando a uma conotação
algo pejorativa (ainda que essas palavras, por si mesmas, não tenham tal atributo).
Não se costuma usar “imigrante” para, por exemplo, denominar um alto executivo
estrangeiro recém chegado para trabalhar numa sucursal de sua empresa. Tampouco
para um chef de cozinha que resolva mudar definitivamente para outro país, onde
abre um restaurante de sucesso (este último com certeza será chamado de
“radicado” no país que escolheu viver, isto é, resolveu fincar raízes noutro
país). O fato dessa população ser objeto de tráfico de pessoas apenas colabora
para essa impressão negativa.
Noves fora
essa questão semântica, que acaba por turvar um pouco nosso discernimento, há a
questão da proteção dos direitos humanos, outro tema que dá margem a
interpretações distorcidas na busca de invalidar a ideia de que os indivíduos
têm direitos humanos apenas por serem humanos. Não cabe aqui apresentar uma
resposta a esta questão. Tomado como princípio que sim, os indivíduos todos têm
direitos apenas por serem humanos, e que fronteiras nacionais são
importantíssimas mas não mais que os direitos básicos dos seres humanos, está
demonstrada que a entrada dessa população deve ser autorizada, por um simples critério
de humanidade. A criação da ONU e outras tantas organizações internacionais
serve também para isso: auxiliar a gerenciar (e financiar na medida do possível)
estas situações, ainda que a situação econômica mundial não seja a mais
próspera. Uma vez acolhida a população, à qual o direito corretamente denomina
como refugiados, não imigrantes, até porque deles não há exatamente uma escolha
para onde ir, mas um lugar de onde fugir, o Estado acolhedor pode solicitar às
demais nações, diretamente ou via organizações internacionais, um trabalho de
coordenação para a melhor proteção e eventual distribuição dessa população por
outras nações.
São vários os
tratados e protocolos internacionais a regular a situação dos refugiados,
buscando sempre uma forma de acolhimento e proteção básica. Naturalmente, não
se trata de permitir o ingresso desordenado de pessoas a quaisquer países, mas
de balancear o direito dos Estados a controlar suas fronteiras com a proteção
mínima que deve ser dada a quem está em situação de extrema pobreza ou
perseguição. Isso tudo, claro, sem levar-se em conta o motivo que gerou a
perseguição (muitas vezes guerras civis direta ou indiretamente financiadas
pelas nações mais ricas).
No entanto, ao
rebocar as embarcações para o alto-mar, a Indonésia “resolve” o problema de
receber essas pessoas, dando as costas não apenas a elas mas também às outras
nações. Naturalmente não se pode obrigar um país a acolher quem quer que seja,
mas abandonar seres humanos à própria sorte, literalmente à deriva, além de
inacreditável definitivamente não pode ser aceito como a solução mais adequada.
Publicado originalmente no Estadão Noite de 15 de maio de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário