sexta-feira, novembro 05, 2021

SUA MAJESTADE, O PRESIDENTE DO BRASIL

 


Por Fabrício Felamingo

 

Escreveu um antigo cônsul britânico, que por aqui viveu durante 25 anos:

“Supõe-se comumente que os brasileiros são bons oradores. Isso não é de todo verdadeiro. Os brasileiros são interessantes conversadores e podem sempre usar sua linguagem de modo pitoresco. Mas seus discursos convencionais são tropicais. (...) São poetas dos quais não se pode esperar que adiram matematicamente à verdade.”

“Os brasileiros que, de modo geral, são inteligentes e, em muitos ramos do conhecimento aplicado e da pesquisa, produziram nomes que estão ou mereciam figurar em primeiro plano, sofrem de graves defeitos de visão em matéria política. São capazes de deixar-se levar por simples rótulos ou fórmulas da última novidade política, seja qual for a sua origem.”

“Os brasileiros que viajam para o exterior parecem retirar, com algumas raras exceções, muito pouco proveito político dessas excursões.”

“O futuro de todas as nações está nas mãos da geração mais jovem. O jovem brasileiro (...) tem de estar em guarda contra o superficialismo se desejar prestar algum serviço ao seu país. Foi o caminho fácil do patriotismo superficial que levou a geração mais velha do Brasil a evitar as verdadeiras questões políticas com as quais se defrontou, depois que o Brasil se tornou uma república”.

Salvo pela última frase, a análise feita acima aparentaria ter sido escrita nos dias atuais. No entanto, data de 1934 e é feita por Ernest Hambloch[1] no livro “Sua Majestade, o Presidente do Brasil: um estudo do Brasil constitucional (1889-1934)”, editado pelo Senado Federal no ano de 2000.

É de certa forma angustiante ver que tais observações do inglês sobre o Brasil não apenas permanecem válidas, como atualmente estão escancaradas, sem qualquer preocupação com verniz de disfarce. A recente viagem do Presidente do Brasil à cúpula do G20 (e sua não ida à COP 26) mostram isso: linguagem pitoresca, sem aderência à verdade, impondo rótulos políticos e patriotismo superficial, numa viagem que de forma alguma trouxe proveito político ao Brasil.

O Brasil parece se repetir continuamente como farsa, sem ter deixado de lado, no entanto, o drama na vida da população brasileira, com cada vez mais desemprego, mais mortes decorrentes da pandemia, mais inflação e desesperança dos mais jovens em relação ao seu próprio futuro. Nisso tudo, o drama permanece e se agrava dia a dia; na política, a farsa seria cômica, não fosse trágica.



[1] Ernest Hambloch (1886-1970) foi aprovado em primeiro lugar no concurso para o serviço consular britânico. Esteve a serviço em países como França, Alemanha, Itália, Sérvia, Suíça, Áustria e viveu no Brasil durante 25 anos, tendo visitado todos os estados brasileiros à exceção de um. Foi autor de diversos livros e correspondente do Times no Brasil. Nas palavras do imortal acadêmico da ABL José Honório Rodrigues (1913-1987), autor do posfácio ao livro aqui destacado, “(e)ssa obra abalou muito minhas condições presidenciais, e me fez pensar seriamente nas vantagens concretas e históricas do parlamentarismo no Brasil”.


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