terça-feira, dezembro 07, 2021

Sobre o livro “Razão Africana” - uma análise comparativa

 


Carlos Roberto Husek

Prof. de Direito Internacional da PUC/SP

Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


No livro “A Razão Africana – breve história do pensamento africano contemporâneo”, Editora Todavia, de Muryatan S. Barbosa (historiador sueco), há um primeiro capítulo sobre “A personalidade africana” (p.13 a 68), em cuja primeira parte, até a p.28,  descreve coisas interessantes, cuja sinopse de suas principais ideias damos agora, com alguma referência comparativa com o Brasil. Nossa pretensão é a de estimular o leitor da nossa Oficina para pensar no tema. Aceitamos, de bom grado, futuras contribuições.

No mundo contemporâneo as gerações tendem sempre a se ver como modernas e únicas...(...) Quando essa impressão comum se transfere para o mundo das ideias, o que se vê é a proliferação de ´novas` teorias e interpretações. É a busca pelo ´novo` a qualquer custo que força originalidades e omite heranças intelectuais. Como se esse ´novo` não carregasse, consciente ou inconscientemente, sua própria carga do passado...(...) O pensamento africano contemporâneo nasce como uma resposta das elites intelectuais da África e da diáspora africana ao desafio europeu expresso pelo colonialismo – mas não somente isso. É também uma resposta à grande transformação do mundo provocada pela consolidação da Revolução Industrial, que, criou novos modos de produção, organização social, formas de pensamento e estilo de vida. É comum colocarmos a Conferência de Berlim (1884-85) que dividiu a África entre potências europeias, como o marco do nascimento de uma nova era na história da África, a Era Colonial, quando esse desafio se apresenta para todo o continente africano...(...) Todavia, vale lembrar que, em certas regiões da África, o processo de roedura do continente – a espoliação de bens, a divisão geo-política por parte das nações europeias – já havia se iniciado décadas antes...(...) Por todo continente, desde o primeiro quarto do século XIX, a presença crescente de europeus levava vários soberanos africanos a buscar formas de se defender por meio de uma renovação e modernização interna....(...) Em decorrência dessa progressiva influência dos europeus nas regiões litorâneas africanas, aumentou consideravelmente à época o número de africanos ocidentalizados – formados nas letras europeias e com educação cristã...(...) O mesmo ocorreu em outras regiões costeiras. Já no século XV, filhos das elites do Reino do Congo iam estudar em Portugal. Desde o século XVIII, africanos livres do cativeiro conseguiam se formar intelectualmente na Europa, em geral, com a assistência dos abolicionistas...(...) Em tal contexto, em meados do século XIX, é possível observar dois fenômenos relevantes na formação do pensamento africano. O primeiro deles é a importância cada vez maior da diáspora africana. Em particular aquela estabelecida nos Estados Unidos.  O segundo é a consolidação do missionarismo cristão, da Europa e das Américas, para a África...(...)

Neste espaço, diz o autor consagraram-se alguns afro-estudinidenses, dentre eles Edward Wilmont Blyden.

“...sua trajetória: embora fosse caribenho de origem (Ilhas Virgens), Blyden passou a maior parte de sua vida na África, vivendo na Libéria, em Serra Leoa e em Lagos (Nigéria). Foi para lá voluntariamente, tendo sua passagem paga pela Sociedade Americana de Colonização...(...) tornou-se missionário, professor, político, escritor, jornalista e diplomata...(...) Em geral, ele é tido tanto como um dos ´pais` do pan-africanismo e um dos pioneiros do nacionalismo africano.

A partir daí o autor desenvolveu o pensamento e a atuação de Blyden, como divulgador da existência de uma personalidade africana, de um autogoverno e de uma unidade para a África, bem como de uma volta às origens de todos aqueles que fizerem a diáspora africana, espalhando-se pelo mundo, principalmente fixando-se nos Estados Unidos da América.

Embora não tenhamos a mesma concepção de que houvesse uma necessidade de volta às origens, entendemos que há sim, uma unidade africana, apesar dos diversos povos, países e grupos raciais lá existente,    pelo  menos uma unidade da África negra, não pelo seu conteúdo racial, mas sim, pelo conteúdo histórico, uma vez que a África negra forneceu, independentemente dos seus Estados, os escravos para a Europa, e para as Américas. As línguas, as crenças diversas, e filosofias próprias de cada grupo, e a gênese racial diferenciada, não foram fatores de seleção, porquanto todos ultrapassaram as fronteiras de sua terras para servirem aos brancos colonizadores. 

É certo ainda que em várias cidades os negros se juntaram em comunidades e mantém práticas religiosas e costumes da velha África, ainda que não a conheçam, ante a natural multiplicação de gerações nascidas em outros países. No entanto, pode ser que pelo sangue ou pelas células tenha havido a transmissão de uma consciência dos tempos antigos, que permitiu a reprodução de uma singular visão da vida, como, deve acontecer com todos os indivíduos de outros povos; japoneses, italianos, tchecos, espanhóis, portugueses, que resolvem migrar para outras terras. É só constatar como se repetem hábitos, costumes, alimentação e uma particular forma de ver os acontecimentos.

Assim, não só com os descendentes de africanos que se encontram em nosso país, mas também com todos aqueles que buscam escapar de suas origens, por vontade própria ou por necessidade. Ocorre que com aqueles que vieram da África, em especial da subsaariana, o que ficou incrustado é o passado escravo e de sofrimento, em relação ao qual, as leis de inclusão e de quota, ainda pouco fazem, porque é preciso mudar o ensino, mudar a mentalidade, mudar a essência para a verdadeira integração.

Blyden foi um intelectual que construiu argumentos para um nacionalismo africano, um renascimento de cultura e de propósitos, que pudesse contrariar o poder colonial. Poder que abriu caminhos marítimos regados de sangue e de tristeza; banhados pelo banjo das músicas e dos cantos que certamente eram entoados pelos escravos, enquanto+ remavam para terras distantes, apartados dos seus, do seu sol – que era único -, de suas matas, de suas aldeias, de suas cidades, dos seus entes queridos. Não reconhecer que, de algum modo isto ficou embutido, arraigado no inconsciente de cada descendente, é fechar a compreensão para as descobertas da Psicanálise. Temos, dentro de nós, os nossos antepassados com suas alegrias e agruras, sagas e desvelos, o que não impede a integração em qualquer sociedade – ao contrário enriquece-a – bastando que essa incorporação social deva ser efetiva, verdadeira assimilação. Se tal aconteceu com diversas nacionalidades que vieram viver no Brasil, não parece que, o mesmo se deu com os africanos, que tiveram história mais aflitiva, para dizer o mínimo, e não conseguiram a verdadeira integração.      

Não há necessidade de desfazer a diáspora, porquanto após tantos séculos, outra diáspora ocorreria e os descendentes de escravos, não são mais escravos e sim brasileiros e tomaram pelo nascimento a nacionalidade de outros países, como a dos Estados Unidos da América. Afinal, qual de nós é autóctone desta terra, exceção feita aos índios? Devemos todos estarmos – como em grande parte já acontece - absorvidos e incorporado; amarelos, brancos, negros. O passado deve ficar como sinalização do que não mais pode acontecer, ainda que de modo indireto ou de forma velada. Esta é o único modo de reconstruir o Brasil. 


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