quarta-feira, outubro 09, 2024

Uma guerra no território brasileiro

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Hezbolah, Ramás, Putin, Netanyahu, Gaza, Líbano, Irã.  Milhares de pessoas mortas, soldados, civis, velhos, mulheres, crianças, escolas e hospitais destruídos, artefatos de guerra caindo sobre as cabeças, balas nos peitos, cérebros em desfazimento, sopas de sangue, pele e ossos, e quem não morre fica incapacitado para a vida. Um cenário de total destruição!

E aqui, é diferente?

Milhares já morreram no Rio de Janeiro e em São Paulo, e em algumas cidades e capitais do Nordeste, grupos terroristas de bandidos contra grupos terroristas de bandidos, e o Estado resolveu entrar na guerra, Netanyahus e Putins no comando do poder: crime contra crime, “olho por olho, dente por dente”. Não se pensa em escola, em saneamento básico, em livros, em professores, em civilidade. Só temos milícias, militâncias, relações militarizadas, armas aprovadas e difundidas, para os membros bem situados da sociedade civil, mas desaprovadas para os membros da periferia, que não se intimidam e furtam e roubam armamentos do exército e das polícias, e dos “cidadãos de bem”, já que não conseguem armas pelos meios legais. A legalidade da posse e a ilegalidade da posse de armas, e um único objetivo: matar.

É inquestionável, estamos em guerra interna de uma sociedade doente divorciada do governo.

Por que será que bandidos e governantes pensam como bandidos? Qual a diferença? Nós, do Estado, não seguimos a lei, como eles também não a seguem.

Governar – pensamento antigo – é fazer obras e combater com força total e liberdade dos “agentes da lei”, para lutar contra o crime, nem que para tanto tenham que atirar a torto e a esmo, acertando o núcleo da ação do meliante, ainda que inocentes estejam por perto. Contingência. É a vida! Na guerra, também morrem inocentes. Contingência. É a vida!

O que se pode esperar de um planejamento governamental que incentiva as armas e deplora os livros e os grandes escritores, pensadores e pedagogos, como aqueles que ousaram contrariar a lógica do poder? Nada, a não ser a continuação da guerra, a formação de um submundo social e a formação de futuros bandidos, estejam cobertos por capuzes ou que airosamente se mostrem orgulhosos de suas posições sociais.

Temos os nossos Hezbolahs, Ramás, Putins, Netanyahus, Gazas, Líbanos e Irãs, estão todos aqui, travestidos de civilização organizada, terra do samba e do pandeiro, do futebol e das praias, da bondade e da religião!

Das eleições democráticas podem sair vitoriosos, os que têm discursos de ódio e de domínio, para manter o quadro de organização aparente, de superficial obediência à Constituição e às leis, e de ataques às instituições; de desobediência, enfim, ao Estado Democrático de Direito. Com isso, produzem-se novos líderes e se influenciam novas gerações educando-as para a permanência do pensamento fantasista, de que “uns nasceram bons, para o bem, para mandar, e outros para a escória e marginalização social”. “Não dar pérolas aos porcos”, a estes, só cascas de banana.

A quem interessa a manutenção dos porcos?

A cegueira dos que andam aprumados, não faz com que percebam que sua condição de tiflose endêmica alimenta as sombras dos esfarrapados, que sempre os ameaça numa guerra social sem tréguas, e sem objetivo.

A ilusão da aparência social do progresso, é em si, a gestação do caos. Não há verdadeiro progresso, quando o corpo e o espírito de todos que vivem no território, não estiverem devidamente nutridos.

O número de mortos no Brasil, corpos desfeitos e espíritos dissolvidos pela química da incompreensão e do desamor, é bem maior do que as guerras que acontecem no Oriente médio e nas placas do continente euroasiático, porque permanentes no tempo e no espaço, como células cancerosas, que se multiplicam em todo tecido social. Os governantes, médicos políticos, não avançam na ciência do tratamento social, porque querem manter o hospital repleto de doentes.

Temos a nossa própria Gaza e a nossa própria Ucrânia.

Até quando?! 


terça-feira, setembro 17, 2024

Tempestade na ordem jurídica – Construção de bancos de areia. O mar e a montanha se confundem, e tudo parece real!

 



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito internacional Público e Privado


Os ditadores não respeitam nada, nem a própria ordem jurídica interna nem a ordem internacional. A lei Maior de um país, quando democraticamente posta, e os tratados e convenções internacionais não representam qualquer responsabilidade para aqueles que só pensam no poder.

A liberdade de falar e de agir, contrária às mínimas regras de convivência, estabelecidas, não pode ser maior do que os princípios e normas constitucionais, ou pode?

Quadrinhos do Calvin:

- Sua professora disse que você precisa dedicar mais tempo ao dever de casa.

- Mais tempo? Eu já gasto dez minutos todinhos nele! Dez minutos desperdiçados ralo abaixo!

- Você escreveu aqui 8 + 4 = 7? Isto está errado e você sabe disso.

- Tá eu arredondei um pouco, me processa então.

- Você não pode somar dois números e acabar com menos do que começou.

- Posso, sim! Este é um país livre! Eu tenho meus direitos!” (grifos nossos).

 

No Brasil vivemos assim: tenho direitos de falar e agir, como eu quiser, mesmo contrariando a ordem natural, material ou jurídica das coisas. “Me processe quem discordar”

Há necessidade de explicar o óbvio; que não se pode agir e falar o que se quer, a qualquer hora, e impor a própria vontade contra decisões coletivas, fazendo pouco caso da sociedade, e buscando não pagar o preço da responsabilidade de agir assim? (...mas há os querem anistia, por tentarem dar um golpe de Estado, rasgarem a Constituição, destituírem o governo, planejarem mortes, derrubarem e estraçalharem o patrimônio público, e sabe-se lá o que mais)!

Faz-me lembrar o personagem Fabiano de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que preso no cárcere, por pouca coisa, viu-se obrigado a obedecer a um “soldado amarelo”, que o empurrou para o cárcere e nele bateu, com o auxílio de outros (covardes sempre agem em grupo), só porque ele não soube responder o que lhe perguntara. Somos todos fabianos diante dos governos despóticos, que vomitam as próprias razões e se acham donos da verdade.

A Venezuela é comandada por um ditador (não tenho medo da palavra, não sou diplomata, nem represento o Estado), que manda no Parlamento e no Judiciário interno, escudado pela força militar.

Há, também, os que buscam dominar povos e nações por intermédio do capital, apoiados pelos interesses de grupos que justificam a desobediência civil só para manterem a posição econômica, e pior, atacam quem decide, qualificando-o como ditador e criminoso!! Quem espera ditar as normas pelo poder do dinheiro e pratica o crime? Afinal, desobedecer a normas constitucionais e infraconstitucionais, é permitido para alguns e proibido para outros? Os que são influenciadores e têm dinheiro podem fazê-lo, o resto do povo, não?

Em relação ao domínio de grupos econômicos, a única saída é a manutenção da ordem pública, a ordem do Estado, que, no caso do Brasil, ainda que não seja perfeita, foi democraticamente estabelecida e não se baseia na vontade de um homem ou de um grupo ou partido, o que vem garantido por eleições regulares.

Em relação à Venezuela – que não é simplesmente um regime “desagradável” – ficou clara a ditadura em que vive, cuja origem, da esquerda ou da direita, não tem o condão de justificá-la, porque os ditadores deixam de lado suas eventuais origens ideológicas, religiosas ou filosóficas para concretizarem uma satisfação estritamente pessoal, esquizofrênica, egoística e psicótica.

Voltando a pensar no Brasil, que alívio vivermos em regime democrático, que admite todas as falas e ações, mas não pode admitir tais ações e falas que busquem acabar com a própria democracia.

Injustificável! “Dou a você todo direito de ir contra mim, incluindo a arma que ponho na sua mão para me matar...!!” Não, não! Derrubar a ordem jurídica, queimar livros, eleger mitos e inimigos da pátria, apontar bruxas, chamar juristas para justificar interpretações estapafúrdias e direcionadas da Constituição, e fazer discursos elegendo um inimigo, porque ele usa toga e decide (bem ou mal), dentro da competência que lhe dá a Lei Maior, é a motivação dos que ignoram qualquer relação social, com base na lei e qualquer possibilidade de progresso democrático (Ditadura a exerce quem tem nas mãos a arma e o poder, não quem interpreta a lei e exige o seu cumprimento, que se errar nessa interpretação, pode ser combatido por caminhos processuais postos na própria ordem jurídica, e não por discursos inflamados).

O mundo passa por uma tempestade de dominadores e repressores, que se instalam em quase todos os países, protegidos pelas regras democráticas, de que podem falar e agir abertamente (direito de falar e agir), tentando derrubar a própria ordem jurídica!   

Quem é o verdadeiro repressor? O que após um processo regular decide ou o que busca impor sua vontade pelas redes sociais a favor de interesses particulares?

Há uma linha tênue entre liberdade e libertinagem, entre decisão oficial e decisões particulares, entre praticar atos a favor da sociedade e praticar atos a favor de grupos de interesse.

A responsabilidade é de todos pelos próprios atos. Alguns desses atos, vindos a lume pelos que estão no poder do Estado, se contrários ao sistema jurídico, podem ser combatidos pelos meios legais; outros, no entanto, que se utilizam de todos os meios de divulgação para fundamentá-los e influenciar os poderes paralelos do Estado, se obtiverem sucesso no seu intento, ficarão à margem de qualquer regra.

Lembro o artigo 3º. Da Constituição Federal:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” E para completar, nas relações privadas que ultrapassam as fronteiras do Estado, há o vetusto e esquecido artigo 17 da LINDB: “As leis, atos e sentenças de outros país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

É uma luta insana. Quem aparece em vídeos dançando, sorrindo, correndo atrás de pombas, fazendo pouco caso da ordem jurídica, e circundado de uma áurea de vencedor, está certo de possuir o domínio da opinião pública. E, talvez o possua, porque vivemos no mundo das redes sociais.

Bem, esta é uma opinião minha, posta na ODIP, que está livre para todas as divergências. Claro, posso estar errado e admito as divergências. Convido a todos a pensar, ou podem dizer, como deu a entender o Calvin: o resultado da minha soma é aquele que eu quero, e não o que diz a Aritmética!

quinta-feira, agosto 29, 2024

E todos se unem contra o Judiciário!

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

Os parlamentares, de partidos e ideologias diferentes, se unem para defender o seu quinhão! Mais do que isso: elegem o Judiciário – que não acerta sempre, é claro – como inimigo número um e perseguem o poder de decisão dos juízes, tentando aprovar lei que contrarie as decisões do Supremo Tribunal Federal, em retaliação às decisões que são contrárias aos interesses partidários!

O fato é simples: os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e os parlamentares das respectivas casas, querem ter o poder de fazer emendas que lhes possibilitam todo dinheiro do mundo, sem dar satisfação ao povo e a ninguém (emendas secretas), e o Judiciário, agindo corretamente, pelas mãos de um dos seus ministros, disse que isso não é possível. Alguma dúvida de que seja possível em um Estado Democrático de Direito?!

Agora querem aprovar uma regra que suspende e anula julgamentos da Suprema Corte que sejam contrários aos seus interesses. Em outras palavras, o Judiciário pode decidir tudo, menos contrariar o Parlamento!

Atacar o STF e os juízes em geral – por mais que errem em algumas decisões – é dizer que o Parlamento é supremo, e que o Executivo, em certo sentido, também o é. Nada segura os interesses pessoais e políticos daqueles que não pensam na sociedade e na república.

Há uma campanha contra os membros do STF, mesmo por aqueles que lidam com o Direito. O Judiciário é um dos poderes do Estado, assim como o Legislativo e o Executivo. Pergunta-se: esses outros poderes pela fala e ação de seus membros, erram menos?

Todos erramos, é certo, mas o Parlamento deve ser respeitado quando exerce as suas funções – que certamente não é a de aprovar orçamentos secretos -, o Executivo deve ser respeitado, mas erra quando busca no “toma lá da cá” fazer “vistas grossas” para a administração dos interesses do Estado, apenas para favorecer os que estão no poder e o Judiciário erra, quando seus membros fazem manifestações e/ou ações políticas, e não preservam a sua atuação por intermédio de decisões fundamentadas na Lei. Todavia, na grande maioria das vezes, e nos assuntos mais fundamentais que temos vivido, pelo que vimos, o Judiciário tem agido dentro da Lei, ainda que não pelo gosto particular de uma ou outra classe de interesses.

A quem favorece desqualificar o Judiciário?

Uma decisão do Judiciário não pode ser anulada por interpretação e ação do Parlamento; tal lei, se vingar, seria inconstitucional.

Claro que o Judiciário pode anular ações de outros poderes, pois isso está dentro de suas funções, quando devidamente acionado por algum interessado, pessoa natural ou organização, nos termos constitucionais; o que significa dizer que o STF, assim como todo magistrado somente deve agir se provocado, e não por conta própria.

Existem males na atuação do Judiciário, como os existem em todos os poderes e na sociedade, que é o substrato do Estado soberano que se instalou sobre o território brasileiro – aliás o juiz que temos, o parlamentar que temos e o executivo que temos são produto dessa mesma sociedade - mas a correção desses males deve ter o caminho previamente traçado pelo ordenamento jurídico. A crucificação política de um ou outro ministro, pela sua atuação, e em consequência do próprio Poder Judiciário, é erro de interpretação jurídica e institucional.

Isto não significa a impossibilidade de crítica fundamentada à atuação do Judiciário. A crítica deve existir sempre no sagrado direito da liberdade de manifestação e pensamento.

Os abusos devem ser combatidos em quaisquer esferas e em quaisquer dos poderes; no entanto, é necessário verificar o que, efetivamente é abuso, e o que é exercício de competência institucional.

Embora, com todos os erros de julgamento que, eventualmente, podem ser apontados nas atividades dos magistrados da Suprema Corte, é fato que basicamente a ação desse Poder salvou o Brasil de um possível regime ditatorial. Só isso vai no crédito das ações do Judiciário.

A ninguém deve interessar amesquinhar o Judiciário, bem como os demais poderes; criticá-los, sim, com base na ordem jurídica: quem não o faz dessa forma tem interesses que não se coadunam com o Estado Democrático de Direito.

O Parlamento é um todo e não um ou outro parlamentar; o Executivo é um todo, e não um ou outro presidente ou administrador; o Judiciário é um todo, e não um ou outro juiz.

A quem interessa desqualificar o Judiciário ou quaisquer dos poderes da república?

É uma onda sísmica, que faz tremer alguns espaços, para depois instalar o terremoto: ou respeitemos as instituições dentro de suas respectivas competências, em obediência às normas e princípios constitucionais, ou ficaremos à deriva no mar social, à guisa dos ventos interpretativos dos interesses pessoais dos que exercem algum poder, público ou privado.

Talvez não tenhamos os juízes dos nossos sonhos, mas temos seguramente, o que é possível dentro das regras do sistema jurídico.

Podemos eleger pelo voto, aqueles que melhor nos represente na Câmara do Deputados, no Senado Federal, no legislativo da municipalidade, também o fazemos nos diversos cargos executivos, embora o voto não funcione como gostaríamos; quanto ao Judiciário acolhemos e acreditamos que o sistema de concurso e a regra do quinto constitucional para as instâncias superiores seja a mais adequada, do que a eleição de juízes ou outro sistema de escolha, subordinada a interesses de grupos dominantes.

O que temos não é perfeito, mas serve na evolução dessa etapa da sociedade brasileira, e assim vamos nos aperfeiçoando: basta que haja democracia, com o seu componente de discussão, respeito e voto, bem como compreensão do papel de cada poder, dentro das colunas que sustentam a Constituição Federal e a ordem jurídica.

O que devemos temer são os radicalismos, as paixões escudadas por prévias concepções do que é certo ou errado, religiosas ou ideológicas.

Cautela e racionalidade, convivência com opiniões e decisões contrárias, obediência aos estritos comandos de cada poder, em suas específicas esferas, e acima de tudo, respeito à Lei Maior.   

Como se diria na linguagem dos jovens de hoje: “funciona?” “Super”.

terça-feira, agosto 06, 2024

A falácia da Democracia formal

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

“Os acontecimentos me aborrecem, são a espuma das coisas, o mar é o que me interessa.” (Albert Camus)

 

Para saber se a eleição na Venezuela foi ou não fraudada, haveria necessidade de verificar atas e os atos formais da eleição!?

Espumas.

Nicolás Maduro é um ditador, que controla o parlamento, a magistratura, o exército, e todos os órgãos públicos. Deixou formalmente acontecerem as eleições, sob suas vistas e sob seu total controle.

Espumas.

Perseguiu opositores, prendeu oposicionistas, não permitiu a divulgação plena de suas pautas, terminou a apuração dos votos antes de seu efetivo final, controlou os apuradores e a divulgação, mas foi eleito em eleições formalmente livres.

Espumas.

O Brasil e o mundo estão cansados de saber, Nicolás Maduro é um ditador sul-americano, que controla a tudo e a todos e ainda faz pouco caso da comunidade internacional, só querendo afagos e aplausos de outros ditadores e de candidatos a tiranos, e de eventuais aliados, não se importando com a opinião mundial nem com os órgãos internacionais, e muito menos com o Mercosul.

É incrível como a ideologia, esquerda ou direita, têm pouco a ver com tudo isso, revelam-se somente como caminhos de tomada do poder, porque os ditadores não possuem cor, somente se atrelam ao poder.

Maduro é da esquerda? Não, é simplesmente um ditador.

Vivemos em um mundo de espumas, que não revelam o mar e a sua profundidade.

O Brasil ainda observa?! Observa o quê? Sofremos tentativa de golpe em 8 de janeiro, alguém se lembra? E, agora, hesitamos, desconstruímos as narrativas, para entender que tudo que acontece no país vizinho (fome, economia sem rumo, falta de instrução, instituições falidas, inexistência de diálogo e democracia, golpes de Estado a cada suposta eleição, perseguições políticas) pode ser normal!

A diplomacia tem suas próprias regras e suaviza os acontecimentos, mas tem limites e/ou modos de condenar ações contrárias à democracia e aos direitos humanos, sem abrir frentes de batalha: questão de habilidade e inteligência.

As eleições na Venezuela não tiveram nada de grave?! A ideologia justifica?

Os perdedores da eleição, se insatisfeitos, podem apelar para o Judiciário? Um Judiciários independente e isento, não subordinado a Maduro?

Espumas.

O povo venezuelano necessita tomar calmantes diários (se tiver água potável), para aguentar.

Espumas.

quinta-feira, agosto 01, 2024

Trump e o aumento do protecionismo global

por Ígor Katz.

A possível reeleição de Donald Trump em 2024 pode intensificar a tendência global de protecionismo econômico, refletindo na implementação de políticas mais rígidas de comércio exterior.

Historicamente, Trump defendeu tarifas punitivas sobre produtos importados, particularmente da China, alegando proteger a indústria doméstica e preservar empregos americanos.

Tal postura pode reforçar a adoção de medidas similares por outros países, como já observado no Brasil, EUA e União Europeia, que elevaram tarifas para proteger suas indústrias locais.

A União Europeia, por exemplo, considera tarifas de até 50% sobre veículos elétricos chineses para conter a invasão desses produtos no mercado europeu.

Essas tarifas são uma resposta às práticas de subsídios e preços baixos que favorecem as exportações chinesas, criando uma concorrência desleal.

No Brasil, a situação é semelhante, com aumento das tarifas de importação para proteger a indústria local. Esse movimento protecionista, embora justificado pela necessidade de equilibrar a balança comercial e proteger empregos, suscita debates sobre sua compatibilidade com os princípios do livre comércio estabelecidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Além disso, a polarização política e a complexa dinâmica eleitoral nos Estados Unidos influenciam diretamente a economia global, destacando a interdependência entre política interna e comércio internacional. A discussão também inclui aspectos jurídicos sobre as práticas de subsídios e dumping, que são frequentemente denunciadas como desleais e sujeitas a sanções conforme os acordos internacionais de comércio.


sexta-feira, julho 12, 2024

Uma reflexão sobre a irreflexão do nosso tempo

 


por Carlos Roberto Husek, professor de direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

A extrema direita fora da França e da Inglaterra, mas dentro de outros países e cidades!

 

Não é um modo de ver o mundo; é um modo de não ver o mundo. Não enxergar as pessoas, não enxergar a fome, não enxergar as possibilidades de crescimento social, não enxergar a democracia.

Não se diz que a esquerda tem razão total, mas não se diz que quem a tem é direita, como afirmou um poeta, “Direita e esquerda não são mais questões centrais”.

Quando o poder está nas mãos de fanáticos, quer sejam da esquerda ou da direita, outra será a medida para análise, que não pode fiar-se em subterfúgios retóricos (silogismos abreviados, isto é, sem todas as premissas; falácias, analogias falhas – com comparações indevidas e não reais, apelos éticos ou religiosos que impressionam o público desavisado).

Em pleno século XXI estamos atrelados às bruxas! A impensável campanha de destruição que alguns líderes atuais engendram em países vizinhos, matando crianças, velhos, doentes em hospitais, alunos em escolas, famílias, todos como se pertencessem ao grupo de soldados inimigos armados e prontos para atacar (premissa equivocada, religiosa e apelativa), é a insensatez levada a extremos. A psicose do poder está espalhada no mundo atual, quando pensávamos, que isso era ignorância antiga e já passada! E pior! Há os que – influenciadores na mídia - apoiam ou se calam, como se tudo fosse normal. Talvez seja normal! Os loucos acham tudo normal!

A vida está repleta de celulares, vídeos, amigos imaginários (mil amigos na internet!), que tornam o ser humano, desde a tenra idade, escravo de sua própria e individualista imaginação, mas que aceita, de forma clara ou encoberta, o pertencimento a uma determinada “tribo”, em geral, de componentes extremistas que não se justificam, salvo pela violência da ação e da palavra, e só necessitam de aplauso e apoio.

Milton Santos, geógrafo, esclareceu: “antigamente as grandes nações mandavam seus exércitos para conquistar territórios, a isso deu-se o nome de colonização; hoje, mandam as multinacionais para a conquista de mercados, a isso deu-se o nome de globalização.”

Acho que regredimos, ainda mais, dessa percepção do geógrafo, porque somamos a conquista dos territórios, com a conquista dos mercados, aquela conquista – a dos territórios - patrocinada pelo mercado, esta última – a dos mercados - alimentada pelos territórios conquistados.

Roubar, fazer gestos pornográficos, brandir a mão, com armas brancas ou de fogo – de forma desafiadora, é a suprema conquista do convencimento de uma sociedade doente, que não mais vive de sua consciência, senão do depósito de cascalhos e monturos recolhidos e enterrados no fundo escuro da inconsciência coletiva e individual.

Somos uma sociedade doente. Alguém duvida?

Perigosamente as pessoas estão voltadas para os seus próprios umbigos, pelo menos nas grandes cidades: só interessa o que for benéfico aqui e agora. O passado não existe, o futuro é impensável. Restaria a satisfação do momento. Acaso, se amanhã vamos ou não acordar, vamos ou não viver, vamos ou não construir, vamos ou não pensar, não importa: quero o que quero já. O descompromisso é a marca.

Somos uma sociedade doente. Alguém duvida?

 

o que amanhã não sabe,

O ontem não soube.

Nada que não seja hoje

Jamais houve.” (versos de Paulo Leminski)

 

Hoje, não tenho palavras,

ontem elas estavam em ebulição,

amanhã estarão natimortas,

na própria concepção. (meus versos)

 

sábado, junho 29, 2024

Receita para uma vida infeliz: O Combo da indigestão

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

Há um partido político que vem à televisão para dizer que: o seu candidato à presidência da República é o “.....”, e que se ele não puder candidatar-se, o próprio “.....”vai escolher o candidato à presidência, e, também, ele mesmo “.....”vai escolher o candidato a vice-presidente, pergunta-se: É assim que deve ser uma agremiação política?

Enfim, há que se perguntar, o que é um partido político?

Imagino que seja constituído de ideias, de uma filosofia, de um ideário, de conceitos sobre o poder, sobre a administração pública, sobre a economia e sobre as questões sociais.

Uadi Lammêgo Bulos diz que “é uma associação de pessoas unidas por uma ideologia ou interesses comuns, que, organizadas estavelmente, influenciam a opinião popular e a orientação política do país”. Os partidos políticos se destinam a assegurar, segundo os princípios do regime democrático (grifos nossos), a autenticidade do sistema representativo e a defesa dos direitos fundamentais.

Partidos existem, liberais, democráticos e radicais, socialistas e comunistas, católicos e democráticos-cristãos, e outros; mas serão radicais ou democráticos ou comunistas, na forma de conceber um governo para a sociedade, e não deveriam ser constituídos, para exaltar uma única figura de líder, posto que isso terminaria, pura e simplesmente, em culto de uma personalidade – o grande pai, o grande mito, o grande deus! -, o que foge à ideologia, à cultura, à democracia, à filosofia social, e faz com que os extremos se toquem: os da chamada direita e os da chamada esquerda, na figura de um único ser, que chamaremos, para todos os efeitos, de ditador ou aquele que tem vocação para a ditadura. O ditador não tem partido, não tem filosofia, não tem ideologia, não tem preocupação administrativa, não tem preocupação social. O ditador só tem preocupação com ele mesmo.

O rei poderia estar nu, e não se perceber assim, e nós – atropelados pelo massacre das propagandas – também não o perceberíamos.

O espelho não nos mostra a verdadeira imagem. Dominados pelo inconsciente, individual e coletivo, nos envolvemos em uma fraude, e somos sombras, do que poderíamos ser.

Não nos parece correto qualquer partido – seja ele qual for - professar vassalagem explícita a uma pessoa, a que todos se subordinariam, em pensamento, palavras e obras.

Em algumas campanhas eleitorais, não se fala - porque não é importante - em democracia, em instituições, em voto livre do povo, em educação, em aprimorar o pensamento, em respeito às diferenças em aperfeiçoamento do diálogo: o que realmente interessa é só a manutenção do poder – o que sem dúvida, é um  legítimo objetivo de  qualquer partido político, em um Estado Democrático de Direito -  mas não nas mãos de um só, de uma só cabeça, de um só interesse encarnado em figuras mitológicas, da esquerda ou da direita.

Um partido político pressupõe participação política de cidadãos atentos à evolução da coisa pública, capazes de escolher entre alternativas apresentadas pelo ideário político-administrativo, embora, na realidade atual, o interesse político fique circunscrito a poucas pessoas, ávidas do poder e do ganho econômico-financeiro que ele possa trazer.  

Que mundo vivemos! Vamos recordar: escolas cívico-militares, privatização das praias, armas para todos (num Estado que abdica do seu dever de administrar o que é básico – segurança, saúde, educação - e deixa nas mãos de interesses particulares – o bem-estar social), divisão de dinheiro dos ganhos dos servidores para os titulares do gabinete de órgãos públicos, censura a livros que buscam, didaticamente, ensinar que não há diferenças entre raças, desprestígio daqueles que ganham pouco e que trabalham muito, como o professor, criminalização do aborto, feminicídio como consequência da insubordinação ao desejo contrariado do parceiro. E no mundo internacional, alianças preocupantes, como a de Putin e Kim Jong-un, ditador da Coreia do Norte, para defesa mútua e troca de armas, e outras (que a lista é grande!).

Os partidos políticos descaracterizados e desprevenidos, servem de roupagem para os psicóticos do poder.

O ser humano acredita mais no que ouve e mais no que vê na mídia tecnológica, do que constata com os seus próprios e orgânicos mecanismos sensoriais e seu próprio raciocínio, isto é, pensar por conta própria, duvidando de tudo o que falam e fazem os influenciadores do momento.

 

Se o sim do poder

    é o não do povo,

     pobre do povo

      que diz sim

ao poder de novo.”

“Se o não do poder

    é o sim do povo,

     morra o povo

      que diz sim

ao poder de novo.”

“Seja vivo, seja morto,

  o poder é sempre

         o corvo

sobre o sim e sobre o não

        do povo

    que diz sim

ao poder de novo.” (Mário Chamie – O sim do poder, in Horizonte de Esgrimas)

terça-feira, junho 04, 2024

Nada do que escrevo pode ter sentido (admito meu fracasso em convencer)...

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional de PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

 

Não vamos ser amargos, ou talvez o sejamos, se é que ainda todos nós possamos exercer a liberdade de escrever! Também, o que esperar de tempos políticos tão difíceis?!

Mas, se não me engano foi Fernando Pessoa que escreveu algo impactante: “Sucede, porém, que a estupidez humana é grande e a bondade humana não é notável.

Como explicar o nascimento da direita radical e neonazista no mundo atual, ou de qualquer coisa parecida, radical, vestida de mera opinião democraticamente posta, protegida sob o manto de uma seita, de uma religião ou de uma razão superior ou mesmo de eleições regulares? Talvez a frase acima explique esse fato!

Há tantas lideranças escuras! Verdadeiros buracos negros que atraem e chupam tudo o que está à sua volta. Absorvem toda luz e jorram ideias macabras, contrárias à sociedade, ao progresso e ao bem-estar dos indivíduos, e que são acolhidas e aplaudidas!

Trump está aí; Kim Jong-un está aí, Bashar al-Assad está aí, Benjamin Netanyahu está aí, Nicolás Maduro está aí, Putim está aí, e tantos outros, que só querem a guerra e a conquista! A atitude desses líderes se justifica pela história, pelo passado, pela religião, pela ideologia? Nada justifica a barbárie e a falta de bom senso dos atos praticados na atualidade, em nome do governo, do Estado, da raça, ou seja, lá do que for. Porque o ímpeto de manter o poder e de atacar os inimigos, repete épocas, em que alguns familiares desses líderes, talvez tenham sofrido, ou que grupo sociais minoritários tenham padecido nas mãos de sanguinários: “olho por olho, dente por dente”

É doentio, psicótico, injustificável sobre o ponto de vista do progresso e do bem-estar social. E, as nações modernas e soberanas têm que escolher algum lado! Qual lado? No caso de Israel não dá para escolher o Ramás – organização terrorista -, mas é possível escolher Netanyahu? Tais possibilidades não significam a escolha do povo judeu ou do povo palestino; este não é e não pode ser um real conflito. Os povos respectivos, que têm todo direito de existir e de serem respeitados, estão além das atitudes dos líderes atuais. O sonho do planeta irmanado, em diversas culturas e possibilidades, sempre foi somente um sonho. Pena que não tenhamos a grandeza de escapar da história negra da humanidade e fazer algo diferente!

E o que dizer dos propósitos da política interna de alguns países e do nosso próprio País?

- Vivam as armas?

- Construir escolas “Cívico-militares”, comandadas por militares e não por professores vocacionados ao ensino. É isso? Qual o papel dos militares: determinar ordens aos alunos, programarem como devem agir e obedecer, fiscalizarem os livros de ensino, para não incentivar raciocínios contrários ao que se entende por moral e bons costumes, em determinada época de domínio. Tornar cada criança capacitada em fazer exercícios marciais? É isso? Se é isso, estaríamos regredindo inexoravelmente como sociedade e como Estado.

Deviam construir, cada vez mais, “Escolas Cívico-civis”, que englobariam a defesa do Estado pelos órgãos institucionalizados para isso, mas sob o raciocínio da ótica das instituições organizadas pelo Estado-Democrático de Direito, em que todos falam e exercem o voto e podem ser votados, e em que a ignorância é afastada pelo ensino amplo, sem censura, e sem a consideração de classes mais aquinhoadas e de classes menos aquinhoadas (ninguém nasce para ser pobre, para ser burro e para sofrer; isto é, falácia dos dominadores) e em que a oportunidade apareça para todos, e em que a água potável, a comida, o lazer e o progresso, sejam as únicas sendas administrativas a serem perseguidas. Tudo em respeito à Constituição Federal e aos princípios maiores da República, em tempos democráticos.

Entendemos que a filosofia militar, em benefício do Estado, advém de uma base cívica da sociedade.  Escolas voltadas para a construção da cidadania, do voto democrático, da Literatura, da Filosofia, da Diplomacia, do pensamento crítico, do diálogo, da aceitação do outro, da alternância do poder e da defesa de nossas fronteiras.

É uma ideia estranha essa da “Escola Cívico-militar”, do jeito que está sendo divulgada, mais estranho ainda é ter pessoas que simplesmente a aplaudam, sem discutir os fundamentos e os propósitos

Mas não é só. Querem privatizar as praias! O que dizer de tão absurda hipótese? Tais privatizações favoreceriam a quem? O pobre, cada vez mais pobre, não ia poder mais usufruir do sol, da areia e do mar? A Marinha perderia o seu poder de fiscalizar as praias, que são por natureza públicas, e defender o Estado de invasores alienígenas? Por que passar um bem público para as mãos de particulares? Neste ponto, há de prevalecer a instituição militar, que não pode – na defesa da sociedade e do Estado estar paralisada por interesses privados!

Acham certo que os aparelhos que controlam a atividade policial, nos uniformes, sejam desligados pelo próprio policial, quando este bem entender, para não sofrer a fiscalização de seus atos no exercício da função. Isto é correto? Há a falsa ideia que se deve combater o crime e privilegiar a ação policial, estando este livre para ultrapassar os limites da lei. Deve-se prender o bandido e reagir quando for necessário – o que pode redundar na morte -, mas não se pode dar carta branca para matar. Claro, vão dizer que não é esta a ideia, então, o que justifica a possibilidade de agir sob os muros?

Nada que possa escapar à supervisão da sociedade e das instituições, e, principalmente do Judiciário, pode ser bom.

 

                                    “O essencial é saber ver

                                      E nem pensar quando se vê

                                      E nem ver quando se pensa” (Fernando Pessoa)

terça-feira, maio 14, 2024

O Tempo

 


Por Carlos Roberto Husek, professor da PUC/SP de Direito Internacional e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

 

Segundo Plotino, filósofo grego, existem três tempos, e os três são o presente. Um o presente atual, o momento que falo, que mal transcorrido um segundo, já é passado, ao qual damos o nome de memória; o outro, o presente do futuro, o que imaginamos que virá a ser. Na verdade, só existe o passado, que se faz presente a cada átimo de segundo, e só existe o futuro, o sonho. O presente é quimérico, embora devêssemos nele nos concentrar e fazer valer, para melhor usufruir a vida.

 

Lembro de uns versinhos anônimos:

“O tempo não me dá tempo

De bem o tempo fruir,

E nesta falta de tempo,

Nem vejo o tempo fugir.

 

Tenho cá a minha própria frase: O meu presente é o passado revivido e o meu futuro é o presente imaginado.

É tempo de recomeçar, de fluir, e depois, terminar, que morrer é só um tempo futuro, que sempre acontece no presente, e permanece na memória dos que ficam, sempre no agora, incrustrado nas células, que a seu tempo presente, a faz concretamente manifesta.

Não sei o porquê escrevo isso!

Talvez o tempo das chuvas, o tempo das águas do Rio Grande do Sul, o tempo dos desastres, que já era passado na memória dos gaúchos e se transporta para o futuro na memória do desastre presente.

E o governo? Só vive no presente oco de realizações passadas, e oco de possibilidades futuras: um governo sem memória, esse que aí está, e talvez, sem futuro.

As águas vieram do rio, da lagoa, do mar, do vento e varreram tudo, que não foi administrado a tempo. Só restou o olhar baço do Caramelo, vinte e quatro horas seguidas, petrificado, em cima do telhado, olhando sem entender o cerco líquido que o impedia de trotar e que o impulsionava à morte.

“Everymore” diria o Corvo negro de Poe, sobre a cabeça branca de Palas Atenas, na escuridão da biblioteca.

 

               Segunda vez neste momento,

                Sorriu-me triste o pensamento;

Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo;

                 E mergulhando no veludo

         Da poltrona que eu mesmo ali trouxera,

         Achar procuro a lúgubre quimera,

        A alma, o sentido, o pávido segredo

               Daquelas sílabas fatais,

       Entender o que quis dizer a ave do medo

            Grasnando a frase: ´Nunca mais.` 

(O Corvo de Edgard Allan Poe em tradução de Machado de Assis)

 

Morrer, dormir. Dormir? Sonhar, quem sabe?

                                                                       Shakespeare

Foi tudo passado. Esperamos!

sexta-feira, maio 03, 2024

1º de Maio

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

A falácia do empreendedorismo, como meio de proporcionar trabalho para o maior número de pessoas é difícil de ser desfeita, em uma sociedade eminentemente voltada para o capital, para as grandes empresas, para a manutenção do poder pelos favorecidos; um nicho de pessoas que se alimentam exclusivamente da força econômica e por ela alimentam a posição social que ocupam.

Empreender não é um mal em si, ao contrário, é um bem, desde que haja instrumentos e capacidade para tanto, a começar pela alimentação e pelo estudo.

Na sociedade brasileira, majoritariamente pobre e/ou paupérrima, de poucos centros de excelência cultural e econômica, empreender, sem os instrumentos necessários de vida social plena, é traçar de forma desarrazoada o caminho das relações sociais.

É hipocrisia, mais do que isso, é o uso indevido da palavra e do discurso, para envolver os jejunos de conhecimento e dominá-los. Pior arma não há do que a fala dos bens aquinhoados pela sorte aos miseráveis, que o ouvem na esperança de uma luz para as suas vidas.

O problema não é o dinheiro e a sua circulação, mas os que manipulam as regras sociais e econômicas, para assediar, envolver e seduzir, os que não podem jogar em igualdade de condições o certame que a sociedade moderna propõe, porque lhes faltam os requisitos básicos de vida orgânica e psíquica, e de informação e experiência, e ficam inconscientes no limbo da comunidade: somos uma sociedade de marginalizados, dominados por pretensos bem feitores.

No discurso do domínio, algumas ideias concentram uma força destruidora:

“O emprego é um mal”;

“O contrato de trabalho, com garantias sociais prejudicam as empresas e a obtenção de lucros”;

“A flexibilização das leis trabalhistas é imperiosa necessidade”;

 “Os que querem melhorar a distribuição de renda, de alimentos e de educação são contrários ao verdadeiro progresso econômico”;

“Só um regime de força, sem eleições, pode salvar o Brasil”;

“As áreas da Educação, da Saúde e quem sabe, até dos presídios, não podem ficar nas mãos do Poder Público, porquanto o particular é sempre melhor administrador.”;

“Somente o mercado pode regular as necessidades sociais.”

“Ter uma Justiça social, como a do Trabalho é uma excrecência no mundo da tecnologia e do capital”.

E, outras. E são tantas e tão variadas, que fica difícil qualquer análise, sem os obstáculos do preconceito ideológico.

O diálogo e a exposição de ideias são fundamentais para a construção de uma sociedade democrática. Temos eu a diversidade cultural o meio mais eficaz de socialização e de aprendizado.

Os radicais – desculpem a expressão quase radical – tendem a ser ignorantes: com eles não se discute; ou se abaixa a cabeça ou se vence pela força, porque as razões moram na musculatura e nas armas, e não no cérebro ou no espírito.

O trabalho com proteção aos mais frágeis deve garantir o mínimo existencial, sem exageros protetivos, e sem exageros econômicos.

O Auto pernambucano, ainda é o retrato de um País desigual:

 

Muito bom dia, senhora,

que nessa janela está;

sabe dizer se é possível

algum trabalho encontrar?

 

- O que fazia o compadre

na sua terra de lá?

 

- Fui sempre lavrador,

lavrador de terra má.

 

- Até a calva da pedra

sinto-me capaz de arar.

 

- Ali ninguém aprendeu

outro ofício, ou aprenderá;

mas o sol, de sol a sol,

bem se aprende a suportar.

 

- Sabe benditos rezar?

sabe cantar excelências,

defuntos encomendar?

 

sabe tirar ladainhas,

sabe mortos enterrar?

 

- Pois se o compadre soubesse

rezar ou mesmo cantar,

trabalhávamos a meias,

que a freguesia bem dá.

 

- Como aqui a morte é tanta,

só é possível trabalhar

nessas profissões que fazem

da morte ofício ou bazar.

(João Cabral de melo Neto - trechos de Morte e Vida Severina)

 

Contra um céu de chumbo

Aquelas árvores desesperadamente verdes!

     (Mário Quintana – Véspera de Tempestade)

  

No Dia do Trabalho vamos enterrar os mortos e abraçar as árvores desesperadamente verdes...

quinta-feira, abril 18, 2024

A sinédoque sociopolítica do nosso tempo e os vendilhões do Templo

 


(aqui, uma explicação: o presente texto é de simples ironia, sem qualquer cor religiosa, embora a expressão “vendilhões do templo” e a figura da “sinédoque” – que em termos simplório é a troca do todo pela parte, uma espécie de metonímia, também serve para a nossa análise

 

por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado 

 

 

Apesar do título, vamos a uma metáfora, bem exemplificada por Mia Couto:

A guerra é uma cobra que usa nossos próprios dentes para nos morder. Seu veneno circulava agora em todos os rios de nossa alma. De dia já não saímos, de noite não sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos.

 

E uns versos de Thiago de Mello em os Estatutos do homem:

 

Fica decretado que todos os dias da semana,

Inclusive as terças-feiras mais cinzentas,

Têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

 

A humanidade está em um momento crucial de interpretação errônea dos fatos, dos atos e das pessoas. Parece que regredimos socialmente, ou então, estamos patinando no caminhar da história, repetindo eventos, apenas com a mudança de personagens e, por vezes, com a mudança dos palcos em que as ações se desenvolvem.

Século XXI! E continuamos a pisar nas pedras e areias da época de Cristo, e a crucificá-lo, ainda que os vendilhões do templo venham a ser expulsos, por aqueles poucos que em suas comunidades, em seus pequenos grupos de amigos, tomam a atitude de se posicionarem contra os acontecimentos.[1]

O Templo, dizem os exegetas, é o nosso próprio corpo, e nos dias de hoje pode ser considerado, também, o globo terrestre. Os vendilhões estão espalhados, encapuçados, exercem diversas profissões, e, principalmente, estão à frente dos poderes do Estado e das organizações criadas pelo homem.

Quem expulsará os vendilhões do Templo?

Julga-se o povo pelo seu líder: os judeus por Netanyahu, os palestinos pelo chefe dos grupos terroristas, os coreanos do norte por Kim Jong-un; os russos pelas ações de Putin; os iraquianos pelo Aiatolá que lá se encontre, em um ir e vir do todo pela coisa, do grupo pelo homem, da ideia pela ação.

Quem expulsará os vendilhões do Templo?

Pode-se fazer críticas às ações de um governo, sem que isto represente censura ou condenação ao seu povo ou reatualização dos atos desumanos de uma guerra; esta hipótese pode ocorrer, com todos os líderes supramencionados, sem que isso retrate a alma das pessoas que vivem em seus respectivos territórios.

Personificar um povo pela ação desumana, desastrosa, confusa, sanguinária daquele que detém a representação do Estado, é incentivar a incompreensão e a guerra, como, efetivamente querem seus expositores.

Quem expulsará os vendilhões do Templo?

 Aceitar e receber as críticas sobre as ações de vindita e de perseguição, é admitir que o líder daquele Estado, possa não estar totalmente certo nas suas avaliações políticas. Quem sabe as estratégias diplomáticas e de poder possam ser analisadas e qualificadas de forma diversa, e assim, mudar rumo da história!  Sabe-se, no entanto, que tal raciocínio é de difícil concretização, tendo em vista motivações históricas, geopolíticas, econômicas, religiosas e de domínio.

As dificuldades são muitas e muitas as variáveis do xadrez internacional; o povo, por vezes, age sem pensar, pega em armas e bandeiras e proclama sua raiva contra aqueles que são apontados como inimigos, provavelmente, outro povo, que não sabe com clareza as motivações da guerra.

Atacar para defesa de um território é possível, mas não se pode admitir a ultrapassagem dos limites aceitos pela comunidade internacional, principalmente os limites referentes aos direitos humanos; afinal, a humanidade é uma só, e a ideia, nas mais avançadas doutrinas, é a de que tais direitos constituem o “ius cogens” internacional, independentemente da existência de tratados assinados e compromissados pelos Estados.

Perigoso provocar o contra-ataque – que também deve ser reprimido - de outros povos que se veem atingidos pela demonstração de poder e de força, daquele que possui armas e razões iniciais para uma contraofensiva ou para um novo ataque.

Quem expulsará os vendilhões do Templo?

Não haverá parada, a não ser pelo número de mortos, e eventualmente, pela rendição (talvez seja este o objetivo de alguns líderes).

 

Vai aqui um versinho despretensioso, de quem vê o mundo pelos olhos da ingenuidade e pelas razões do idealismo:

 

Na crônica da desesperança

na metáfora da escrita,

ilude-se esta criança

entre vocábulos constrita.

Razões existem para tudo,

Irrefletidas e pessoais,

daqui a pouco no globo mudo

só restaram animais!

 



[1] Evangelho de São João. Jesus expulsa os vendilhões do Templo (vendedores de bois, ovelhas, pombas, cambistas). Foi um gesto de raiva e de purificação, de afastamento das iniquidades, de limpeza.