sexta-feira, janeiro 21, 2022

Reverberações da Metrópole (portuguesa)

 


“A esquerda é burra?” e a direita gananciosa? E vice-versa!

Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Em um artigo bem posto e com percuciente análise, no jornal português “Público”, de 21.01.2022, Boaventura de Sousa Santos, sob o título “A esquerda é burra?” fez as seguintes ponderações em torno das eleições portuguesas de 30 de janeiro deste ano para o Parlamento, que ora em parte são transcritas:
Nos tempos em que o ex-Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso (F.H.C.) e eu éramos amigos, conversávamos com frequência. A conversa começava sempre na sociologia e terminava invariavelmente na política. Numa dessas conversas, no Palácio do Planalto em Brasília, porque, entretanto, o F.H.C. tinha sido eleito Presidente do Brasil, ele disse-me a certa altura: ´Sabe, Boaventura, a esquerda é burra`. Achei que no caso concreto ele estava errado, mas a frase ficou na minha memória e voltou a assaltar-me agora nestes tempos de campanha eleitoral.
Pergunto-me se a esquerda no seu conjunto não está a ser burra. É que a esquerda está a deixar que os termos do debate eleitoral sejam definidos pela direita, e isso é um péssimo sinal. Senão vejamos. Como tem havido estabilidade e a direita sabe que isso é importante para os portugueses nesta altura da pandemia, procura conotá-la negativamente, convertendo-a em marasmo, pântano (lembram-se de Trump e do Bolsonaro) e, se possível, recorrem ao sentido originário e negativo do nome que deram à proposta de estabilidade: a ´geringonça` (...)... Como a direita não pode negar o bom desempenho de Portugal no enfrentamento da pandemia, tenta negá-lo invocando casos pontuais que fatalmente acontecem com serviços em permanente estado de stress. (...)... Como a direita não pode inventar altos números de desemprego ou baixos salários (no que tem razão) e compara Portugal com os países do Leste europeu, mas ninguém na esquerda lhe lembra (sobretudo o PCP), que enquanto os países do Leste, tinham ao entrar na UE, a mão-de-obra mais qualificada da Europa e habituada a salários comunistas (muito baixos enquanto salários diretos), Portugal só ao fim de 25 anos depois de entrar na UE começa a aproximar-se dos níveis de qualificação europeus.
Como a direita tem dificuldades em estigmatizar a natural simpatia do primeiro-ministro, inventa que ele está cansado por tanto tempo de governo. Ninguém na esquerda (nem sequer o PS) lhe lembra ainda há pouco idolatravam Angela Merkel e nunca a acharam cansada, apesar de ela ter estado 16 anos no Governo. Como é arriscado desconhecer o interesse dos portugueses em ter sua companhia aérea, invoca casos isolados (ainda que lamentáveis porque mostram que a gestão capitalista desconhece outras razões que não o lucro) e ninguém na esquerda lhe lembra que, além de Lisboa, não há apenas o Porto, há também Praia, Bissau, Luanda, Maputo e muitas cidades no Brasil.
Finalmente, direita, sabendo-se fragmentada, tenta articular-se e, como acontece usualmente em política, começa pelo consenso negativo...(...) Como a direita não tem os escrúpulos indenitários e programáticos da esquerda, vai-se treinando no consenso negativo, surfando a onda. Não me surpreenderia se depois das eleições surgisse uma ´geringonça` de direita.”
Trocando em miúdos e em alguns aspectos “a contrário senso”, a análise se aplica ao Brasil, observando algumas dificuldades a mais, como as notícias falsas, a compra de votos, a corrupção do dinheiro e, principalmente, a dos princípios, o que torna o nosso cenário bem mais complexo, porquanto a direita também tem uma certa burrice e a esquerda tem laivos insuspeitos de poder absoluto.
Tanto a direita como a esquerda no Brasil querem a perpetuação do poder, ainda que para isso seja necessário ludibriar e corromper sob o fundamento de que os meios justificam os fins.
Estamos necessitando de um desapego pelo poder, da crença sobre a nobreza da função pública e de homens públicos voltados para o Estado, como pessoa jurídica apta a perseguir e obter o bem do povo. Maior consciência e dedicação a melhorar a vida das diversas classes sociais, com força centralizadora nos mais pobres. É pedir muito?


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