quarta-feira, junho 01, 2022

A catarata psicótica

 


 

Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


A psicose branca é aquela que não tem manifestação clínica de fácil identificação, por vezes passa por um estado depressivo, ou uma evolução psicótica limite, um funcionamento mental vazio, com ataque de pulsões destrutivas, embotando a consciência, não a despertando para a realidade. Às vezes me pergunto, se alguns dirigentes do mundo atual, aqui no Brasil e no mundo, não sofrem disso? Aquilo que qualquer pessoa do povo, normalmente consideraria absurdo, contrário à realidade, desequilibrado, sem amparo na regularidade e percepção da vida cotidiana, parece não configurar as ações e atitudes dos que foram eleitos pelo povo para exercer um cargo na administração pública. Qual será o segredo desse mistério psicológico? Será que a política atrairia pessoas limítrofes, que não conseguem viver o dia a dia das relações privadas, e seria um meio propício para desenvolvimento de síndromes, bichos psicológicos, despertando monstros internos de afirmação do poder?

A política não deveria ser a “nobre arte” dos melhores da sociedade que se dispunham a desenvolver, por uma tendência natural de pensar no outro, a pensar na comunidade? Teríamos nós, pobres eleitores, que escolher para votar aqueles que não vão incendiar a administração entre o bando de psicóticos que buscam ocupar cargos públicos?

Por que é impossível seguir o curso normal do rio; deixar as águas correrem, apenas tirando as eventuais sujeiras, obstáculos, pedras, folhas e apenas acompanhando o desenvolver do caminho? Por que é tão difícil esperar, ouvir, dialogar, planejar, contar com experiências do passado, construir, acrescentar? Por que há necessidade de destruir o que foi feito, refazer muros, impor as próprias ideias, cercar-se de fanáticos e não de pensadores? Tudo isso é psicose política ou é minha psicose particular?

Fiz, há poucas semanas uma operação de catarata – desculpem, nunca falo de mim, porque entendo não ser interessante a ninguém – mas, a catarata limpa os olhos de uma nuvenzinha, que vai com o tempo tomando conta do globo ocular e, em tese, a pessoa passa a enxergar melhor. Será? Antes via o mundo um pouco embaçado, e agora, vejo uma catarata no mundo, que se embaça por si só. Não há clareza nas atitudes, não há clareza nas falas, não há clareza nas possíveis consequências. Quem pode implantar uma lente nova na vida da cidade, uma incisão na córnea das relações sociais, para fazê-la melhor? Estamos vivendo – há tempos que estamos, – escuros, obscuros, plúmbeos, nebulosos, psicóticos, cataráticos -; e não há salvação? 

Tempos difíceis! Tempos de eleição! É como se fossemos todos médicos, prontos para cirurgia social: salvar a sociedade da visão turva, embaçada, repleta de pontinhos negativos, com doenças novas como as “fake News”, com justificativas absurdas arrimadas em maior armamento e menor educação. A sociedade é um paciente muito doente, de uma doença nova chamada de “catarata psicótica”, que tem por agentes, políticos que se servem da democracia para espalhar a inflamação dessa novel cegueira, e que atinge a todos, pouco importando o cargo que ocupam, o estudo que tiveram, os ideais que eventualmente professaram na juventude! 

Todavia, votar é o único caminho de técnica cirúrgica. Vem a calhar um soneto de desespero e conformismo de Camões:
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo mundo é composto de mudanças,
Tomando sempre novas qualidades,
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
E do bem (se algum houve...) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto,
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.”


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