quarta-feira, janeiro 25, 2023

 


A “Limpeza da Chaminé”

 

Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

O pensamento voa e é liberto dentro de seu próprio espaço, dentro de sua própria cela. Daí justificarem-se os atos. Crer em uma revolução ou em um golpe, é crer nas próprias razões, cujo espaço não vai além da ponta do próprio nariz do crente.

A loucura está encastelada nas dobras do cérebro, como um verme que se nutre da imaginação, e contamina outros cérebros, a ponto de todos se entenderem sãos!

Em pleno Século XXI vamos à procura dessa doença civilizatória: o desequilíbrio mental ou psicose paranóide. Tantas cabeças nelas habitaram e continuam a habitar! Atingem artistas, escritores, poetas, governantes; aqueles três primeiros as transformam em seus efeitos e fazem pensar ou sentir; os últimos, os governantes, espalham o mal de tal forma e com tal força, como células cancerígenas, atingindo os centros do poder, desde os menores poderosos (o porteiro de um edifício público, o guarda da esquina), até o Presidente da República; e não há meios de cura: passa geração e vem geração, e todos estão inoculados, com a miopia do poder, alimentada pela doença mental.

Lembro de Lou Salomé[1], psicanalista que buscou remédio para os males de seu amigo Nietzche[2], com o Dr. Breur[3]: O suicídio poderia ser o único caminho, porquanto a incompreensão social penetrava nas células e átomos do filósofo, que não via solução para a incompreensão e para a injustiça.[4]

Somos todos um pouco Nietzche, e a falta de lógica do mundo nos atemoriza e nos faz padecer e pensar em suicídio social, isto é, desaparecer para o mundo, sair do palco das relações sociais, como Gretas Garbos[5], sem que nos salve a hipnose e o mesmerismo[6], talvez uma boa conversa, um bom diálogo; mas com quem trocar ideias para que se faça a “limpeza de chaminé”; tirar as ideias e os sentimentos de desespero e vitimizadores, para reverter as perspectivas, ainda mais, quando são informadas por ações coletivas?

Haveria um psicanalista de grupos e de multidões, que pudesse evitar o aparecimento de Hitler? Os hitleristas não morrem, apenas adormecem, ou desmaiam, e, possivelmente acordam quando a ocasião se fizer propícia.

Breur ou médicos equivalentes sociais (não há medicina psiquiátrica social que limpe a chaminé coletiva?), mas não teriam quaisquer possibilidades de sucesso, diante de um Goebbels[7] ou propagandista inoculado de “fake News” favoráveis às psicoses delirantes. Estamos vivendo o fenômeno da multiplicação dos “Goebbels”. Fenômeno biológico? A humanidade está necessitada de uma Lou Salomé, que busque fazer a ponte necessária entre o paciente social, o impaciente dominador e os homens e mulheres de boa vontade.

Atolados na massa informe do inconsciente, nos movemos de forma automática, informados mais pelas impressões do que pela análise e pelo raciocínio, e o que vem do fundo da alma (sem referências religiosas para esta expressão) assoma o dia a dia das nossas relações, e nos encaixamos em propósitos indecifráveis, levados por palavras de ordem, sem base na realidade visível. E, com isso, construímos a vida, na certeza de que o que vemos e sentimos é o que realmente há no horizonte.

Fica o aviso: não estamos curados. As doenças adormeceram em nós e se encapsularam. Que cada um faça a “limpeza de sua própria chaminé”



[1] Lou Adreas Salomé, psicanalista, filósofa, poetiza, ensaísta russa, seguidora de Freud e amada, dizem, de Nietzche.

[2] Friedrich Wihelm Nietzche, filósofo prussiano (Alemanha), escreveu várias obras, a exemplo de “Assim falou Zaratustra”, “Deus está Morto”, “O Anticristo”, e outras.

[3] Josef Breur, psicanalista austríaco, criador do método catártico, utilizado por Freud, a partir do qual as patologias psíquicas da histeria poderiam ser tratadas.

[4] Do livro “Quando Nietzche Chorou”, de Irvin D. Yalom, tradução de Ivo Korytowski, Editora Harper Collins, Rio de Janeiro, 2017.

[5] Greta Lovisa Gustafsson Garbo, atriz sueca, naturalizada norte-americana, que apesar de estar no auge da fama afastou-se da vida pública, levando vida reclusa.

[6] Franz Anton Mesmer, médico alemão que criou o conceito de magnetismo animal, utilizando também da hipnose para o tratamento e cura de doenças em seres humanos.

[7] Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista.

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