terça-feira, janeiro 20, 2015

À Espera do Direito

    

 crédito da imagem: site uol

Apenas por amor ao debate, vamos contrariar um pouco o articulista e todos que estão consternados com a morte do brasileiro na Indonésia. Antes, nunca é demais estabelecer um parâmetro de pensamento a que nos filiamos: somos contra a pena de morte.

    Todavia, o que aconteceu na Indonésia foi a afirmação de um sistema jurídico e de uma política soberana. Cabia ao governo brasileiro fazer o que fez, pedir clemência (uma, duas, três vezes) e quantas necessárias, mas só. Não é possível transformar em uma questão de Estado, e portanto, internacional, chamando o embaixador brasileiro com possível rompimento das relações diplomáticas, o fato da Indonésia resolver cumprir as suas próprias leis. Em termos internacionais, a Indonésia apenas fez cumprir o seu sistema jurídico (legalidade). Quantas e quantas vezes o Brasil, na sua história, não determinou a morte de opositores ao governo, sem respaldo legal? Entretanto, também aqui não é possível confundir. O brasileiro Archer não se opôs ao governo da Indonésia, nem representava qualquer facção política ou ideológica, não era um ativista político nem tinha preocupações humanitárias, Não. Entrou com 13 quilos de cocaína, em uma prancha, no território de um país soberano que combate as drogas. O máximo que poderíamos fazer é uma crítica ao sistema do país soberano, mas não entender que a execução de suas próprias leis internas, por eles aprovadas legalmente, com apoio da população e com promessas de cumprimento por parte do governo eleito, ofenda o Brasil. O chamamento do embaixador brasileiro para esclarecimentos é possível; o eventual rompimento diplomático por este fato, não. 

    Lembramos que nos EUA alguns estados norte-americanos contém pena de morte, bem como outros países, e não nos ocorre um protesto contra tal situação e o abalo de relações diplomáticas ( a menos que haja um brasileiro envolvido!?).

    Devemos lutar, como princípio, contra a existência de morte legalizadas pelo Estado, na área internacional, na vida internacional, o que não implica em rompimentos diplomáticos com os países que a praticam, salvo se este (o rompimento) for efetivamente uma política de Estado, constitucionalizada, que nos impeça de ter relações com quaisquer países que acolham a pena de morte (não importa a importância ideológica,  econômica, militar e política) do país e não importando se existem brasileiros envolvidos ou não. Como se vê, vai ficar difícil, no mundo atual, mantermos uma relação diplomática pragmática e que vise, de forma específica, os interesses maiores do Estado e de seu povo.
É uma pena que existam países que mantenham a pena de morte como forma de combater o crime (isto acho eu, que sou humanista, mas há muita gente boa que entende de forma contrária), mas há necessidade de separar o que é política de Estado, nos termos da Constituição, e crítica indevida com consequências funestas para o relacionamento internacional, de um para outro Estado, de forma fisiológica. É assim que temos agido na área internacional, nos últimos tempos. A Indonésia é um país soberano que está cumprindo o seu sistema interno, ponto. E mais, o brasileiro que carregou drogas para aquele país, não estava certo ( ou estava?). Lamentamos que tenha havido a execução, entretanto o governo brasileiro deve, como fez, fazer os apelos internacionais necessários para proteger um seu nacional, mas não pode entender que a Indonésia, ao cumprir as suas leis, ofenda o Brasil ou abale as suas relações internacionais com o nosso país, mesmo porque, bem ou mal ( talvez, de modo errado, em nossa opinião) ela, Indonésia, está combatendo a propagação de drogas, que levam no entender de seus legisladores, os jovens a marginalização, o país à bancarrota, à destruição das famílias e da própria sociedade. 

    Também não vale justificar um eventual rompimento das relações diplomáticas, dizendo que o sistema da Indonésia é contraditório, porque existe muita corrupção dentro do Estado, e as drogas circulam até como moeda de compra para determinados efeitos (entrevista em jornal de um amigo de Archer). Ora, este é um problema interno, deles, e não nos cabe afirmar a justiça ou a injustiça da condenação pela contradições internas de um determinado sistema jurídico, para os efeitos de uma determinação política maior, salvo se ocorrer em uma análise clara, objetiva e específica com uma manifestação do Estado, sem tornar isso o fulcro de uma escaramuça internacional.

    Podemos impor nossa vontade à soberania da Indonésia? Somos claros e objetivos em relação aos cubanos e seu sistema jurídico, ao Irã, ao da Argentina, ao da Venezuela, enfim, aos que consideramos amigos, embora, em muitos deles, para não dizer na totalidade dos mencionados Estados, os valores maiores da liberdade e da dignidade humana, presentes na Constituição brasileira, (direitos fundamentais) são diariamente desrespeitados (não sei se presentes nas leis fundamentais de tais Estados)? É de se perguntar; se um infausto acontecimento, igual da Indonésia, acontecesse nestes países com um brasileiro, também chamaríamos o embaixador  brasileiro e tenderíamos a romper nossas relações diplomáticas?

    Enfim, é necessário raciocinar: se o Brasil vier a romper relações diplomáticas com a Indonésia, estará agindo corretamente? Todavia, tal questão só cabe aqui, nesta discussão acadêmica, porque o Brasil, por enquanto, não tomou tal atitude.
Muitos poderão afirmar que o Brasil é soberano para romper relações diplomáticas, e terão razão (embora, entenda que a motivação está equivocada). De igual modo, digo, a Indonésia é soberana para fazer cumprir suas leis (embora, não concorde com o sistema jurídico daquele país).

    Regredimos...Vivemos num mundo de paixões tribais. As conquistas da civilização (ou o que consideramos civilização), sistema jurídico, soberania, fronteiras, combate ao crime - que deve ser internacional - dignidade da pessoa humana, liberdade de imprensa - caso Charlie (pela violência física, praticada dentro do Estado francês, contra manifestação cultural, esta, permitida pelo sistema jurídico francês: não discuto razões religiosas)- razões sociais como fundamento de atuação do Estado, estão sendo engolidas pelo fanatismo, pela irmandade ideológica e religiosa e outras, irracionais manifestações, de indivíduos, de grupos de indivíduos e, por vezes, do próprio Estado. Acredito que o Direito, aprimorado pelas aquisições históricas, pelos embates contra força, baseado nas razões maiores dos seres humanos, é o único caminho. Não há como esquecer uma frase antiga e sempre bem posta: o direito de um vai até onde começa o direito de outro.


Carlos Roberto Husek 

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