Henrique
Araújo Torreira de Mattos.
Coordenador e Professor no curso de
pós-graduação
latu sensu em Direito Internacional da
Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
(COGEAE) e
Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito
Internacional
Público e Privado). Professor de Direito
Empresarial na
ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).
A doutrina traz dois conceitos sobre a
sociedade internacional, sendo feita uma distinção entre alguns doutrinadores
entre sociedade internacional e sociedade civil global. Dessa forma, as
opiniões dividem-se entre Pierre-Marie Dupuy e Marie-Claude Smouts que afirmam
que tal entidade realmente existe e faz parte do cenário internacional, havendo
uma grande dificuldade de indentificá-la como sujeito em função da dificuldade
em conceituá-la. Smouts, por outro
lado, apesar de também concordar com a impossibilidade de sua definição,
utiliza tal fato como fundamento para provar que a sociedade não existe,
tratando-se apenas de uma ideologia, uma ficção gerada desde tempos antigos e
conclui no sentido de tentar dar um significado como uma forma de participação
política motivada pela vontade de democratizar os mecanismos internacionais de
tomada de decisão.
Nota-se que havendo esta dicotomia
gerada ao redor da figura do Estado, a sociedade internacional funciona como
uma quebra do vínculo que existe com este, mas sem desconsiderá-lo, tendo em
vista a sua junção jurídica de imposição normativa em concomitância com seu
poder de polícia exercido em determinado território. A sociedade internacional
seria, portanto, algo mais amplo que transcende as fronteiras do Estado sem
desconsiderá-lo por completo, uma vez que este também faz parte daquela.
Em suma, tal contrariedade advém da
evolução de conceitos, vez que o Estado sempre foi utilizado como uma forma de
personificação do indivíduo no ambiente internacional, já que ele não era
considerado sujeito de direitos ativos ou passivos, conceito este que vem sendo
atualizado, ainda de maneira modesta, apesar do indivíduo não poder firmar
tratados internacionais, por exemplo, mas pelo fato de que hoje o indivíduo, na
sua própria condição de pessoa humana e sem ser representado por qualquer
Estado ou organização pode pedir seus direitos ou sofrer consequências
jurídicas diretamente, como ocorre na Corte Interamericana de Direitos Humanos
e no Tribunal Penal Internacional. Não obstante, que tal fragilidade ainda
exista, o indivíduo já demonstra que é capaz de articular-se
internacionalmente.
Na visão de Paul Wapner, a sociedade
civil global é tudo que se encontra entre as esferas pública e individual, ou
seja, o que há abaixo do Estado e acima do indivíduo e a diferencia da sociedade
internacional pela independência de seus atores para com os Estados e por sua
composição, que é formada pelos agentes da sociedade civil interna que se auto proclamaram
sociedade civil global.
Dessa forma, a sociedade civil global constitui-se
de entes autônomos em busca de um espaço capaz de expressar seus ideais de
maneira a contrapor a força dos Estados. Marcel Merle infere sobre a
necessidade de se estabelecer um estatuto jurídico para a sociedade global,
visando à organização de sua atuação.
A dificuldade de definir a natureza
jurídica da sociedade civil global decorre justamente do fato desta possuir uma
natureza jurídica nacional, apesar de desenvolver uma atividade transnacional.
Os Estados, de modo geral, não querem delegar a sua soberania neste sentido.
Apesar de muito se destacar as ONGs que
sem sombra de dúvida desenvolvem um trabalho enorme internacionalmente, através
da identificação de problemas e questões que devem ser tratadas, visando a
assistência internacional e ajuda mútua, a sociedade internacional não é
formada apenas por elas, mas sim pelos demais atores internacionais, como
Estados, Organizações Internacionais, as coletividades, a Santa Sé, as empresas
transnacionais e o homem. Importante, ressaltar ainda que muitas empresas
transnacionais desenvolvem trabalhos assistencialistas através de ONGs.
Como visto, é fato que a sociedade
civil global advém de uma movimentação da sociedade civil interna através do
homem, por meio de instituições, seja ela uma empresa transnacional ou ONG.
O paradoxo existente entre a atuação da
sociedade civil global e o Estado, é constatado pelo fato de que a primeira
almeja atuar e desenvolver projeto de utilidade pública, que em primeira
instância seria de competência do Estado, que em função de sua incompetência e
ineficiência não consegue atingir os resultados desejados. Apesar dessa visão,
já que o Estado é constituído por afinidades entre seus súditos, justamente
para a representação dos interesses da sociedade interna, a sociedade civil
global vem sendo admitida por estes por ser impulsionada pelo cidadão e entes
privados em escala local ou global.
Existem alguns exemplos de sua atuação
que podemos citar, tais como o reconhecimento transnacional através da União
Europeia e da parceria desenvolvida nos trabalhos realizados pela ONU. Os dois
casos citados referem-se à atuação conjunta entre organizações internacionais,
que são atores internacionais formados pela união entre Estados, de acordo com
um tratado, com a sociedade civil, seja por ONGs ou empresas transnacionais
diretamente.
A ONU, por exemplo, possui uma lista de
ONGs cadastradas que a ajudam na identificação de problemas mundiais, na
elaboração de estudos para solucioná-los e na movimentação da sociedade
internacional para implementar projetos. Obviamente, a sua solução é muito
difícil, tendo em vista a sua complexidade, entretanto é importante destacar
que pelo menos existem iniciativas desta natureza visando a melhoria das
relações internacionais.
Bibliografia:
SMOUTS,
"Le concept de société civile internationale: identification et
genèse".Colóquio do Centro de Direito Internacional da Universidade de
Paris X, França, 2 e 3 de março de 2001.;
CHARTOUNI-DUBARRY, F.; AL RACHID, L. Droit et mondialisation.
Politique étrangère, 4/99, p. 941-946. Environmental activism and world civic
politics. Albany, N.Y.: State University of New York Press, 1996.
ROSENAU, J. Governance in the Twenty-First Century.
Global Governance 1, 13, 1995.
SCHEURER, C. The waning of the sovereign State:
towards a new paradigm of international law? European
Journal of International Law, v. 4, n. 4, p. 447, 1993. No colóquio do Centro
de Direito Internacional da Universidade de Paris X, França, 2 e 3 de março de
2001. "L'émergence de la société civile internationale.
Vers la privatisation du droit international?”
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