quinta-feira, fevereiro 11, 2021

A sociedade civil global e sua natureza

 


Henrique Araújo Torreira de Mattos.

Coordenador e Professor no curso de pós-graduação

 latu sensu em Direito Internacional da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (COGEAE) e

Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito Internacional

Público e Privado). Professor de Direito Empresarial na

 ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).

 

A doutrina traz dois conceitos sobre a sociedade internacional, sendo feita uma distinção entre alguns doutrinadores entre sociedade internacional e sociedade civil global. Dessa forma, as opiniões dividem-se entre Pierre-Marie Dupuy e Marie-Claude Smouts que afirmam que tal entidade realmente existe e faz parte do cenário internacional, havendo uma grande dificuldade de indentificá-la como sujeito em função da dificuldade em conceituá-la. Smouts, por outro lado, apesar de também concordar com a impossibilidade de sua definição, utiliza tal fato como fundamento para provar que a sociedade não existe, tratando-se apenas de uma ideologia, uma ficção gerada desde tempos antigos e conclui no sentido de tentar dar um significado como uma forma de participação política motivada pela vontade de democratizar os mecanismos internacionais de tomada de decisão.

Nota-se que havendo esta dicotomia gerada ao redor da figura do Estado, a sociedade internacional funciona como uma quebra do vínculo que existe com este, mas sem desconsiderá-lo, tendo em vista a sua junção jurídica de imposição normativa em concomitância com seu poder de polícia exercido em determinado território. A sociedade internacional seria, portanto, algo mais amplo que transcende as fronteiras do Estado sem desconsiderá-lo por completo, uma vez que este também faz parte daquela.

Em suma, tal contrariedade advém da evolução de conceitos, vez que o Estado sempre foi utilizado como uma forma de personificação do indivíduo no ambiente internacional, já que ele não era considerado sujeito de direitos ativos ou passivos, conceito este que vem sendo atualizado, ainda de maneira modesta, apesar do indivíduo não poder firmar tratados internacionais, por exemplo, mas pelo fato de que hoje o indivíduo, na sua própria condição de pessoa humana e sem ser representado por qualquer Estado ou organização pode pedir seus direitos ou sofrer consequências jurídicas diretamente, como ocorre na Corte Interamericana de Direitos Humanos e no Tribunal Penal Internacional. Não obstante, que tal fragilidade ainda exista, o indivíduo já demonstra que é capaz de articular-se internacionalmente.

Na visão de Paul Wapner, a sociedade civil global é tudo que se encontra entre as esferas pública e individual, ou seja, o que há abaixo do Estado e acima do indivíduo e a diferencia da sociedade internacional pela independência de seus atores para com os Estados e por sua composição, que é formada pelos agentes da sociedade civil interna que se auto proclamaram sociedade civil global.

Dessa forma, a sociedade civil global constitui-se de entes autônomos em busca de um espaço capaz de expressar seus ideais de maneira a contrapor a força dos Estados. Marcel Merle infere sobre a necessidade de se estabelecer um estatuto jurídico para a sociedade global, visando à organização de sua atuação.

A dificuldade de definir a natureza jurídica da sociedade civil global decorre justamente do fato desta possuir uma natureza jurídica nacional, apesar de desenvolver uma atividade transnacional. Os Estados, de modo geral, não querem delegar a sua soberania neste sentido.

Apesar de muito se destacar as ONGs que sem sombra de dúvida desenvolvem um trabalho enorme internacionalmente, através da identificação de problemas e questões que devem ser tratadas, visando a assistência internacional e ajuda mútua, a sociedade internacional não é formada apenas por elas, mas sim pelos demais atores internacionais, como Estados, Organizações Internacionais, as coletividades, a Santa Sé, as empresas transnacionais e o homem. Importante, ressaltar ainda que muitas empresas transnacionais desenvolvem trabalhos assistencialistas através de ONGs.

Como visto, é fato que a sociedade civil global advém de uma movimentação da sociedade civil interna através do homem, por meio de instituições, seja ela uma empresa transnacional ou ONG.

O paradoxo existente entre a atuação da sociedade civil global e o Estado, é constatado pelo fato de que a primeira almeja atuar e desenvolver projeto de utilidade pública, que em primeira instância seria de competência do Estado, que em função de sua incompetência e ineficiência não consegue atingir os resultados desejados. Apesar dessa visão, já que o Estado é constituído por afinidades entre seus súditos, justamente para a representação dos interesses da sociedade interna, a sociedade civil global vem sendo admitida por estes por ser impulsionada pelo cidadão e entes privados em escala local ou global.

Existem alguns exemplos de sua atuação que podemos citar, tais como o reconhecimento transnacional através da União Europeia e da parceria desenvolvida nos trabalhos realizados pela ONU. Os dois casos citados referem-se à atuação conjunta entre organizações internacionais, que são atores internacionais formados pela união entre Estados, de acordo com um tratado, com a sociedade civil, seja por ONGs ou empresas transnacionais diretamente.

A ONU, por exemplo, possui uma lista de ONGs cadastradas que a ajudam na identificação de problemas mundiais, na elaboração de estudos para solucioná-los e na movimentação da sociedade internacional para implementar projetos. Obviamente, a sua solução é muito difícil, tendo em vista a sua complexidade, entretanto é importante destacar que pelo menos existem iniciativas desta natureza visando a melhoria das relações internacionais.     

 

Bibliografia:

SMOUTS, "Le concept de société civile internationale: identification et genèse".Colóquio do Centro de Direito Internacional da Universidade de Paris X, França, 2 e 3 de março de 2001.;

CHARTOUNI-DUBARRY, F.; AL RACHID, L. Droit et mondialisation. Politique étrangère, 4/99, p. 941-946. Environmental activism and world civic politics. Albany, N.Y.: State University of New York Press, 1996.

ROSENAU, J. Governance in the Twenty-First Century. Global Governance 1, 13, 1995.

SCHEURER, C. The waning of the sovereign State: towards a new paradigm of international law? European Journal of International Law, v. 4, n. 4, p. 447, 1993. No colóquio do Centro de Direito Internacional da Universidade de Paris X, França, 2 e 3 de março de 2001. "L'émergence de la société civile internationale. Vers la privatisation du droit international?”


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