Carlos Roberto Husek
Professor de Direito internacional da PUC/SP e co-coordenador
da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado
“Não é a vida o que eu queria
Nem o mundo o que sonhei.
Vida de paz e alegria
Num mundo de uma só lei.
Mas me ensinaram, e guardei,
Que após um dia há outro dia.
E rindo como o poeta,
Que o riso é minha saúde,
Fiz da alegria uma meta,
Fiz da esperança virtude.”[1]
Disse Dráuzio Varella: “vamos supor que eu, genocida,
quisesse matar o país inteiro, o que faria? Promoveria aglomerações, com
palavras de ordem, sem uso de máscara; divulgaria o “´kit´ COVID”, composto de
cloroquina, zinco, ivermectina (verificar a farmacêutica MERCK), e vitamina D,
em doses cavalares”, e, complemento, riria da doença, apostaria numa possível
imunidade de rebanho, diria que não passa de uma gripezinha e quem tem vida de
atleta não pega. Todos esses componentes do “KID COVID” estão sendo desautorizados
pela ciência e pelos fatos[2]:
Aglomerações, são o caminho da morte (mesmo com máscaras), lembrando que o coronavírus
está se transformando - há outra cepa no ar - (por que será que as pessoas
resistem em acreditar? Mistério psicológico que deve ter alguma explicação
psicanalítica ligada à pulsão de morte – Freud – ao inconsciente coletivo –
Jung, ou a uma crença de sobrevida posta nas mãos de deuses pagãos, de grupos
que seguem de forma cega um guru que poderá, se tudo der errado, se imolar em
praça pública).
Não uso de máscaras, tem o significado de: sou protegido pela minha crença,
espíritos me protegem, posso de peito aberto enfrentar a multidão que o vírus
passará a largo e se desviara do meu corpo fechado (benção), sou mais eu, e
faço pouco para a pandemia que só existe na cabeça de comunistas arrivistas
chucros, golpistas que querem derrubar o nosso herói, que veio para salvar o
povo da corrupção.
Vamos raciocinar: 1. ainda que fosse verdade que alguém possa
ter alguma proteção divina, extra, e fosse o escolhido para sobreviver, não se
pode afastar a hipótese de que o vírus instalado dentro de uma pessoa, e que
embora não a atinja, atinge a outras que com ela convivam, e que não usufruam
das mesmas qualidades pessoais e mágicas– KIT COVID, vida de atleta, proteção
divina – e que, por isso, poderão vir a morrer; 2. além do mais, quem é contra
à falta de medidas eficazes e científicas, não é só por isso comunista ou
pretensioso revolucionário que quer derrubar o governo. Pensar diferente não
torna o diferente inimigo; 3. Por outro lado, a corrupção, convenhamos, não é
apanágio somente de governos do passado, porquanto a corrupção tem sempre
existência em todos os níveis. Os jornais noticiam.
4. São coisas diversas, que não podem ser misturadas:
a) combate à doença pandêmica, ouvindo os especialistas, a
OMC, os testes de laboratório, as razões de racionalidade e equilíbrio;
b) escolha consciente de motivações políticas e ideológicas
que no entender de cada um seriam melhores para o país, ouvindo sempre a parte
contrária e buscando o diálogo como forma de apreender a realidade da visão
humana;
c) é necessário pensar, as razões podem não ser nem de direita
nem de esquerda, nem de centro tradicional, porque temos inteligência
suficiente para atapetarmos caminhos diversos para o bem de uma determinada
comunidade.
5. Também, não existem heróis, a não ser nas fábulas
greco-romanas, irlandesas, norte-americanas, africanas e outras, que criam os
super-homens que gostaríamos de ver voando e combatendo o crime e deixando o
mundo melhor - tal argumento serve contra a direita e contra a esquerda -,
mitos, esfinges, coroados de louros, armados (nem pensar) ou não, somente
desviam o verdadeiro progresso do espírito e da humanidade.
6. Em relação às armas, bem como ao ensino voltado para uma
única filosofia ou nicho religioso, não é absurdo dizer, talvez seja pior que
pandemia, porque condena toda uma geração a não pensar (eunucos cerebrais) e a
seguir cegamente palavras de ordem.
“Kit COVID”, é a alquimia moderna, mistura de fórmulas, líquidos,
elementos, que surgem repentinamente, sem teste algum, de um terreiro de ideias
fantástica, alucinadas, com aplicações de folhagens, danças em torno de uma
fogueira, rezas e passes, como se juntássemos olho de cobra, asas de morcego,
mel, alface triturado, vinagre, vinho branco, efusão de folhas de mandioca e
uma pitada de sal – tudo enfumaçado – e disséssemos: Eis o milagre, sussurrado
pelo deus-sol! Obrigando todos a tomar, com a promessa de afastar para sempre a
doença, e de um espaço no Paraíso. Mandinga, bruxaria, feitiço, sortilégio. E
parte do povo acredita!
Rir da doença, imunidade de rebanho. Aí, a perdição
é total. Como é possível alguém rir da doença e da morte (e daí?). Mesmo a
morte do inimigo, nos obriga, a nós, civilizados, a fazer de conta que choramos
a triste sorte, daquele que nos atormentava a vida (é uma atitude mentirosa,
mas que serve para manter um mínimo de civilidade). Talvez, seja possível imaginar-se
a aplicação de descobertas científicas antigas, que se consubstanciam na
sobrevivência do mais forte (Darwin), como: Vamos deixar morrer os mais fracos,
que não resistirem à pandemia. Ou talvez
venha à mente a concepção hitleriana da raça pura, livre de cromossomas frágeis
que se infectam por nada. A quem realmente interessa tudo isso?
Quem tem vida de atleta não pega. Mas de que comprovação histórico-científica esta frase
foi tirada? Dos Livro dos Vedas? De uma constatação de que o eixo da Terra está
se deslocando em trezentos e sessenta graus e tal deslocação atingirá, com
doenças e mortes, a todos aqueles que não possuírem um organismo privilegiado?
Ou, por ser a Terra plana e o que se passa no outro lado desse prato que paira
no cosmo, e os não crentes dessa verdade serão atingidos pela infiltração mortal
do vírus, porque a Terra por ser plana não tem dia nem noite, nem sofre de
intempéries, nem muda de estação, navega plácida sob a proteção dos Maiores,
que a achataram para que ela escapasse das intempéries do vácuo eterno. Crer,
somente por crer, eis o mistério!
É desanimador.......
[1]
Lago, Mário. Na Rolança do Tempo. Civilização Brasileira, 1976.
[2]
Notícia dada pelo jornal O Estado de São Paulo, 29.03.2021: “Uso de KIT pode
estar ligado a hemorragias e a insuficiência renal. (...) Além dos casos de
hepatite medicamentosa associada ao uso de drogas do Kid Covid, médicos relatam
outros efeitos colaterais que vêm aparecendo em pacientes sem doenças crônicas,
mas que haviam utilizado os medicamentos. Médico nefrologista do Hospital das
Clínicas da USP, Valmir Crestani Filho relata ter atendido pacientes com
hemorragia e insuficiência renal ligadas direta ou indiretamente ao uso de
medicamentos ineficazes contra a Covid.” Outra notícia no mesmo jornal e no
mesmo dia: “Ele disse que queria o remédio do Bolsonaro. (filha de uma das
vítimas). Mesmo sem sintomas nem teste positivo, ele recebeu o Kit covid (na
Prevent Senior). Tinha azitromicina, cloroquina, vitaminas, corticoide. Ele
tomou por cinco dias. Eu sabia que esses remédios não têm eficácia comprovada,
mas como meu pai era muito teimoso, por questões políticas, nem adiantou eu
falar (...) No dia 19 ele teve duas paradas cardíacas e foi intubado. Três dias
depois, morreu.”
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