quinta-feira, setembro 08, 2022

Passado, presente e futuro na razão nossa e africana

 



Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional na PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado



O que se constitui na personalidade individual e na personalidade de um povo é a sua história, as suas experiências, o seu modo de ver o mundo, que vai passando de geração a geração, e faz aquela base, aquela argamassa, de onde se edificam novas histórias, novas conquistas, novas experiências. Assim progredimos.

A vida não é um caminho linear, sequencial, contínuo, são idas e vindas, esferas concêntricas, espirais, que nos impele à frente, fruto de nossos ensaios. É assim que os dias passam, com a característica de que nada é absolutamente passado, envelhecido, ultrapassado, pois que o presente é uma composição das coisas que se foram, com algum passo a mais. Uma espécie de receita de bolo antiga, a que se acrescentam novos condimentos, mas que na sua base tem o mesmo padrão e os mesmos fundamentais elementos.

Não se constrói algo novo do nada. Esta é a beleza e o cerne do progresso. A sabedoria antiga é o fermento da nova sabedoria, que se constituirá no fermento do que virá, e assim por diante, de modo a não nos afastarmos nunca do que já era para o que vai se tornar.

Essa ideia serve para todos os povos e para todas as épocas. Em relação à África, nossa forja, Muryatan S. Barbosa, deixa clara essa perspectiva de eventual progresso no pensamento africano contemporâneo, que sofre pela herança maldita do domínio exercido, principalmente pelas potências europeias. Todavia, não há como esquecer e desfazer a história, para reconstruir uma história nova. O nosso passado, tanto na vida individual como na coletiva e na vida das sociedades em geral, faz parte indivisível e intrínseco, do caminho a ser trilhado.
 
No caso da África, esse pensamento está dolorosamente sendo construído, porque a herança é muito forte, mas, de alguma forma, o mesmo acontece – com outros ingredientes – no Brasil e na América.
Algumas pessoas veem o passado apenas como tempo de sua juventude que, como indivíduos e comunidades, superamos e deixamos para trás em nossa marcha rumo a uma maior maturidade no progresso e desenvolvimento. De fato, é melhor ver o passado como os nossos antepassados fizeram, como nossa origem que define a essência de nosso ser, que pode ser modificada sob o impacto de várias influências, mas que permanece parte de nosso ser e que não se pode superar ou deixar para trás.[1]

Em seu livro Muryatan, deixa claro: “No mundo contemporâneo, as gerações tendem sempre a ver como modernas e únicas. Seria uma característica recente da humanidade? Talvez tenha sido assim desde os tempos imemoriais. Mas é certo que a aceleração histórica provocada pela Revolução Industrial aprofundou tal percepção. Quando essa impressão comum se transfere para o mundo das ideias, o que se vê é a proliferação de ´novas` teorias e interpretações. É a busca pelo ´novo` a qualquer custo que força originalidades e omite heranças intelectuais. Como se esse ´novo` não carregasse, consciente ou inconscientemente, sua própria carga do passado.[2]

Não temos como progredir e/ou fazer cumprir, a exemplo, os princípios constitucionais, se não reconhecermos que na composição de nossa sociedade, os pretos africanos, dela fazem parte intrínseca. Somente o sistema de quotas – embora um passo – não adianta para que se construa uma civilização no sul dos trópicos, porque continuamos a destilar os preconceitos antigos - apesar da miscigenação de brancos portugueses, pretos e índios – em todos os setores sociais.
 
É necessário integrar e não separar – apesar das quotas -, amalgamar e construir, aceitar a riqueza da diversidade cultural, andar lado a lado, e não simplesmente permitir que se façam alguns caminhos paralelos, em face de um chamariz político e social, do que é tido como politicamente correto.
O mero teatro deve acabar. Menos palavras de ordem para a mídia, menos gestos políticos teatrais, menos discursos e mais a ação efetiva de ensino, cultura, integração, sem esquecer o passado, que é a base efetiva do futuro.

O Brasil parece estar longe, ainda, do esperado progresso: o gigante continua adormecido!
 

[1] Jacob Ajayi, ( historiador nigeriano) “Tradition and Development, 1990, in Toyin Falola (Org.) Tradition and Change in África. Trenton: Africa World Press, 2000 – in A Razão Africana, de Muryatan S. Barbosa, Todvia, 2020, São Paulo, p. 13.
[2] Ibidem, p.13.


Nenhum comentário:

Postar um comentário