quinta-feira, outubro 20, 2022

Raízes e dicotomias políticas e sociológicas



 

Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

As raízes são importantes, alimentam e demarcam o território. Precisamos de raízes e de estabilidade institucional. Somos pobres de raízes; nossa árvore institucional é aérea, alimenta-se do ar, do sol, da chuva e não da terra, e ficamos assim, ao longo do tempo e da história, à mercê dos ventos, ora sol demasiado - a estiagem, a seca; ora muita chuva que a tudo derruba, enche os rios, carrega pedras, gado, postes, gente, arria pontes; ora o frio inclemente, que quebra as folhas, congela as águas, encoruja as pessoas, que só se protegem - olhos, nariz e boca, com panos e malhas, e não olham, não ouvem, não sentem, fechadas para a vida. Estamos sem raízes na vida pública: cada um que chega, vem sem compromisso com o povo, sem obediência à Constituição, sem qualquer amor à pátria (tão “demodê”!), sem respeito a figuras maiores do passado ou do presente. Xinga-se o papa, chamando-o de vagabundo, despreza-se Paulo Freire, qualificando-o simplesmente de comunista. Faz-se pouco caso dos males individuais dos homens, porque não são atletas e não são homens, são maricas. Olha-se para as mulheres como objeto de consumo sexual e para os pretos e índios como inferiores. Adoram armas e exibição de músculos, desde que pertencentes às elites. Estes são os que se expõem aos aplausos, como gurus, mitos, deuses, e desfilam o tempo todo, e falam o tempo todo, e conclamam o tempo todo para que venham apreciar a sua própria beleza; narcisos que se enxergam na bacia de água que preencheram com o vômito de suas intenções. Estão cegos e cegam os demais.

A falta de amparos institucionais, alucina, enlouquece, desvaria, embota, deslumbra, ilude. Somos pobres de raízes.

Nós seres humanos necessitamos de luz e de ar para progredir; de raízes, só queremos instituições criadas para a fortaleza do Estado, alimentadas pela Constituição e pela ordem jurídica dela decorrente, e a partir daí a liberdade é de todos.

Não existem grupos privilegiados, pela religião, pela raça, pela ideologia; nem o mágico retumbar de tiros e de bombas podem calar os que querem justiça e paz; nem as continências desmedidas; nem a distribuição de benesses àqueles achegados ao poder, nem as medalhas postas nos peitos murchos de coração e de humanidade, nem os eventuais bustos, nem as ostentações objeto de admiração e aplauso, porque somos muitos, escondidos, é verdade, tristes, é verdade, temerosos, é verdade, sem representatividade e sem voz, é verdade, mas formamos uma base de gente a respirar a liberdade, e que não se deixa enganar pelo ruflar dos tambores.

 

...(Q)ue os bons são os da nossa raça e os maus são da outra; uma fórmula velha como a História. Se assim fosse a humanidade não se teria misturado tanto. Se assim fosse, na realidade existiriam raças, cientificamente provadas, o que sabemos não ser o caso do ponto de vista genético. Mas sociologicamente elas existem sim, como forma de demarcação de territórios de poder, influência e meios econômicos.” (Carlos Lopes, doutor pela Universidade de Paris, in Mia Couto: um convite à diferença, Humanitas, 2013).

 

Os donos do poder escondem a ignorância atrás da própria arrogância, e nós outros, aceitamos tudo como natural.

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