sexta-feira, outubro 28, 2022

Primatas, primos e outros bichos

 

Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

Nós somos parentes dos chipanzés que, ao contrário do que se acreditava, matam, embora nem sempre por sobrevivência ou por conquistas individuais de território e liderança em relação a uma fêmea, matam com requintes de crueldade e se unem em grupo para defender as próprias ideias , se possível, terminar com os inimigos:

ligações através dos machos significa os machos formando coligações agressivas uns com os outros, em apoio mútuo, com outros grupos – os Hatfield contra os MacCoy, os Montecchio contra os Capuleto, os palestinos contra os israelenses, os norte-americanos contra os vietcongues, os tutsis contra os hunos. Pelo mundo afora, dos Balcãs aos ianomâmis da Venezuela, dos pgmeus da África Central à disnastia Tang da China, dos aborígines australianos aos reinos havaianos, os homens aparentados entre si sistematicamente lutam em defesa de seu grupo.[1]

Wrangham e Peterson descrevem: “um a um, seis machos da comunidade de Kahama desapareceram, até que em meados de 1977, o único defensor solitário era um adolescente chamado Sniff, com cerca de 17 anos. Sniff, que nos anos 60 tinha brincado, ainda criança, com os machos de Kasekela, foi apanhado em 11 de novembro. Seis machos de kesekela, gritando e latindo de excitação, esmurraram, agarraram e morderam sua vítima furiosamente, ferindo-o na boca, testa, nariz e costas e quebrando-lhe uma perna. Goblin golpeou a vítima repetidamente no nariz. Sherry, um adolescente apenas um ou dois anos mais moço do que Sniff, esmurrou Santan, agarrou Sniff pelo pescoço e bebeu o sangue que lhe escorria pela cara. Depois Sherry juntou-se a Satan e os dois machos, aos gritos, puxaram o jovem Sniff colina abaixo. Sniff foi visto um dia depois, mutilado, quase incapaz de se mover. Depois disso não mais foi visto, e foi dado como morto[2]

Assim, não parecem absurdas as manifestações de ódio, de loucura, de vingança, de grupos radicais. São primitivas, advindas dos chimpazés, nossos primos. Todavia, se é assim, estaremos condenados a comermos uns aos outros, para conquistas desejadas: brancos contra pretos, cristãos contra mulçumanos, amarelos contra vermelhos, ditadores contra democratas?

A evolução humana não deveria paralisar esse estado permanente de luta, de enraivecimento, de incompreensão, de animalidade? Afinal, somos todos animais!

Qual seria a saída? Instituições, regras, princípios, Direito. A inteligência a serviço da sociedade; a cooperação, o respeito às ideias contrárias, o respeito às diferenças. A civilização vai alcançando alto grau de convivência, à medida que estabelece um “modus vivendi” que ultrapassa a sua condição biológica primitiva.

Viemos do macaco mas para onde vamos? Para o macaco, novamente?

Até os chimpazés aprenderam e progrediram e passaram isto no DNA para as futuras raças, chegando no ser humano, por caminhos tortuosos e, de certa forma, aleatórios:

Imagine que você está numa área de chimpanzés na África Ocidental, por exemplo, andando por uma floresta quente e sombria, e ouve o som de um martelar. Você vai em direção dele, talvez pensando que está perto de um vilarejo africano. Forçando a passagem, por um emaranhado de arbustos, você finalmente chega a uma área relativamente aberta e vê chimpanzés selvagens pacientemente trabalhando sob uma grande árvore que produz coquinhos. Eles estão utilizando martelo de pedra, martelando num coquinho duro até parti-lo... (...) Uma jovem está tentando, mas ainda não pegou direito o jeito... (...) A mãe toma-o de sua filha, vira-o do outro lado e demonstra a ela como se faz. Alguns minutos depois, a filha pega a pedra de volta e tenta do mesmo jeito da mãe...[3]

 

Somos o macaco com algum aprendizado de convivência e dentro de nós o inconsciente das eras anteriores da formação humana nos impulsiona para a guerra, para a conquista, para a morte, para o domínio sobre o outro, para o desejo de estarmos acima de muitos que nos reverenciam.

Ao que parece esse ser primitivo nos domina; amiúde, vemos incongruências, desinteligências, ações não compreensíveis, que nos parecem profundamente animalescas e em desacordo com todo aprendizado cultural e civilizatório. Mas, é isso.

O estudo diuturno, o trabalho incansável, o descobrimento prolongado na busca das próprias origens, a inquirição obstinada das próprias razões (“Conhece-te a ti mesmo”), é que nos distanciarão, cada vez, mais do animal que nos constitui.

A política ainda é um campo de chimpanzés.



[1]Wrangham, Richard e Peterson, Dale in O Macho Demoniáco – as origens da agressividade humana, Objetiva, tradução de M.H.C. Côrtes, 1998, p. 38/39

[2] Ibidem,p. 30.

[3] Ibiden, p. 19.

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