terça-feira, outubro 04, 2022

Direita radical e Esquerda radical, nunca mais

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado



Necessitamos progredir e fugirmos das visões estreitas daqueles que querem o poder pelo poder, e só pensam na sociedade como elemento de manobra para os desígnios de ganância e domínio.

Não importa a visão mais à esquerda ou mais à direita – são visões do mundo, do que é ou não prioritário para o desenvolvimento de uma sociedade -, o que importa é conservar uma pauta básica relativa aos seres humanos.

A esquerda e a direita, quando fogem da visão social mais ampla, tendem a se encontrar no mesmo patamar de poder absoluto, porque concluem, neurótica e cegamente, que só o mando de um líder, de um comandante, de um salvador, poderia levar o povo ao paraíso, e com isso podemos continuar amargando um compasso de espera por gerações e gerações, sem saber como os nossos filhos e netos terão oportunidade de progredir, florescer, avançar, crescer para uma vida mais digna, livre, consciente, equilibrada. Entretanto, como almejar isso, dentro de discursos de ódio aos contrários, de apreço às armas, de desconsideração às mulheres, de afastamento marginal dos diferentes, de racismo, de abandono da liberdade individual e coletiva, de decidir caminhos de construção generosos, que pudessem abraçar a todos e admitir a divergência de opiniões?

Dizem que é o pêndulo social que dita as normas de uma geração, ora para a esquerda ora para a direita. Hoje estaríamos no domínio do conservadorismo e da direita radical.

Os idealistas, diante de opções extremistas, perguntariam: seria possível harmonizar conceitos? Acho que não, porque, em princípio, quem está no poder tende sempre ao radicalismo: eliminar o “inimigo”. Além do mais, o “extremismo” diz tudo: ou se é de um lado ou se é de outro. Na verdade, ambos estão do mesmo lado: o lado do fanatismo estrutural, religioso, filosófico, político, ideológico. Todavia, ainda acho a esquerda moderada – o centro esquerda – mais generoso.

A velha concepção dos dedos das mãos, ainda tem a sua lógica: nos cinco dedos de ambas as mãos, há dedos que se aproximam mais de um e de outro lado, e que por isso, sem deixar de pertencerem à esquerda ou à direita, habitam lugares mais próximos e comuns. De qualquer modo, é preciso ter uma escolha. Não há meio termo; e temo que a direita seja menos magnânima.

A escolha do caminho das armas, das simbologias do poder, das mesuras, das distinções e das medalhas – que existem em ambos os lados, nos seus extremos – me parece mais cultivada, de início, na visão da direita, pelo menos aqui “pelos prados da América do Sul”: marchas, “motociatas”, emblemas, jargões, bandeiras, hinos, armamentos, estátuas, bustos, fardas, palavras de ordem, milícias, favorecimento de grupos, cultivo dos músculos a favor da causa, e não da inteligência estratégica, que deve ficar centralizada nas mãos de poucos – tudo isso dá medo, para os querem ver o céu mais azul, o horizonte mais claro, os terrenos mais planos, as pessoas mais felizes.

Sonhar com um mundo melhor é ingenuidade, mas é necessário.

A verdade é que nos inculcam a ideia e o sentimento de inferioridade cidadã (todos somos cidadãos de segunda classe).  Para os que vivem, em geral, da política como profissão, as pessoas comuns, não profissionais da política, são incapazes de raciocínio social e político. Erro, fantasia, ignorância ou presunção.

Nos servimos de Erich Fromm: “...quer-nos parecer que muitas das questões básicas da vida individual e social são muito simples, tão simples de fato que se deveria esperar que todos as entendessem. Fazê-las parecer tão incrivelmente complicadas que só um “especialista” possa compreendê-las, e ele só em seu próprio campo limitado, tende de fato – muitas vezes deliberadamente - a desanimar as pessoas que confiarem na sua própria capacidade para pensar nos problemas que são realmente importantes...(...) O resultado desta espécie de influência é duplo: um é o ceticismo e cinismo face a tudo que é dito ou impresso, enquanto outro é a crença infantil em tudo o que é afirmado por uma fonte autorizada. Esta combinação de cinismo e ingenuidade é assaz típica do indivíduo moderno. Sua consequência essencial é desanimá-lo de pensar e decidir por si mesmo.[1]

Por que temos de acreditar nos fanáticos, intolerantes, inflexíveis? Todos os lados (os dois que mencionamos e outros derivados) têm os seus, mas podemos pensar, e no mínimo – lugar comum de se dizer – seguir o caminho menos ruim.

Não fujo dos meus medos: não quero armas, não quero milícias, não quero confronto entre as instituições, não quero desrespeito ao Judiciário, não quero troca de favores mesquinhos e subalternos entre o Executivo e Legislativo, não quero desrespeito à Constituição Federal, não quero governo de apadrinhados, não quero desconsideração com as mulheres e com raças diferentes, não quero afirmações grotescas de desrespeito á religião, não quero descrédito do sistema jurídico. Quero um futuro presidente subordinado à Lei Maior, subordinado ao Estado Democrático de Direito e com visão de estadista, que pense no povo.

Depois de serem eleitas pessoas que se vangloriam, simplesmente, em obedecer ao poder de mando, e se dobram às injunções dominadoras dos ricos e poderosos, em detrimento de qualquer raciocínio na área da saúde, na área do meio ambiente, na área da educação, apesar da incompetência comprovada por técnicos e até por organismos internacionais, fico com a sensação de tempos muito difíceis.

A única esperança é pensar.

Vamos pensar...



[1] Fromm, Erich. O medo à liberdade. Zahar Editores, 14ª. edição, p.199. 

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