sexta-feira, novembro 18, 2022

O fazer diplomático – atividade óbvia?

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP- Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

A diplomacia é uma atividade de várias facetas e vários atores, nem todos com formação específica –Diplomacia– mas, provavelmente, com o mesmo espírito: diálogo, conversa, negociação, ganhar e perder, aproximação, superação de obstáculos, reconhecimento de espaços ocupados por outros saberes e outras visões do mundo. Daí ser possível diplomacia sem diplomatas em determinadas situações, mas informados pelo “fazer diplomático” (aqui a expressão tomada não na sua estreiteza puramente técnica e sim como fundamento das relações humanas e de Estados com estrangeiros e com outras nações): empresários em negociação com outros empresários, governantes com outros governantes, mas sempre com o objetivo de tornar um pouco melhor a “coisa pública”, favorecendo o maior número de pessoas e racionalizando a governabilidade.

Quando um governante assume o poder, além das funções administrativas, nas áreas da Economia, da Justiça, do Trabalho, do Comércio, da Educação, da Cultura, da Indústria, da Segurança, e outras, também assume a representação do Estado além das fronteiras. Para tanto, facilita a sua atuação, os princípios postos na Constituição Federal, inseridos no seu artigo 4º: independência nacional (I); prevalência dos direitos humanos (II); autodeterminação dos povos (III); não intervenção (IV); igualdade entre Estados (V); defesa da paz (VI); solução pacífica dos conflitos (VII); repúdio ao racismo e ao terrorismo (VIII); cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (IX); concessão de asilo político (X) e; integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações (par. único). Não é tão difícil assim! Basta seguir a Constituição Federal, que é nossa Lei Maior. Este é o terreno fértil onde se desenvolverá o que for plantado, com possiblidade de ser um vistoso jardim, o patamar, a argamassa para erguer o edifício da pátria e dizer ao mundo quem é este Estado, comandado por eventuais novos governantes. Claro que o Estado é permanente e seus governos, provisórios, mas estes, no tempo de mandato em que exercem as funções de governo, imprimem ao Estado a face que ele representa para o mundo. A nossa Constituição Federal revela para sempre a base desta face, cujas intervenções devem ser meramente cosméticas, para realçar suas linhas, salvo atos revolucionários que a modifiquem, o que, a seguir seus ditames, não é permitido.

Não se pense, contudo, que o governante esteja engessado pela Constituição; não está, porque cabe a ele, no caso do Brasil, dentro dos parâmetros constitucionais, formular a política externa que, embora não se confunda com a Diplomacia, dela faz parte e a ela se direciona, a exemplo, como formular ações prioritárias em relação à economia, ao Mercosul ou à África, etc.

Guimarães Reis explicita: “Vista com perspectiva e neutralidade, a política externa pode ser comparada a uma plataforma de lançamento ou mesmo um palanque de comício: algo assumido e apregoado, até para ter validade pública. Nesta matéria, o Governo que se inaugura –em geral nos discursos de posse– não tarda em dizer a que veio, ainda que para acrescentar simples variações do que antes fazia. Adicionalmente a política externa pode ser objeto de um programa especial, de uma estratégia, ou mesmo de uma ´doutrina`, até o limite de um artigo de fé.[1]

A diplomacia, ao seguir os impulsos da política externa –repita-se, sempre atrelada aos princípios constitucionais–, como ensina o diplomata já acima mencionado, é uma obra em aberto, em construção. O sucesso do governante, nesta tarefa, depende de seu conhecimento, de sua sensibilidade, de sua inteligência: “Em contraste com o que estamos caracterizando como política externa, a diplomacia é –por natureza– uma ´opera aperta`. É uma obra em aberto porque, em seu âmago, é um processo ´in fieri`, isto é, uma permanente evolução, o que não obsta a consistência. Idealmente, a diplomacia prefere deixar que o real fale por si, sem prejulgar de sua inesgotável liberdade... (...). Acontece que o mundo não se dá em percepção instantânea– tem de ser interpretado, inclusive em seus signos. Nesse sentido, a diplomacia é também uma hermenêutica. Mas, é uma hermenêutica focada na situação, como já assinalamos, porque a diplomacia lida com o momento, o particular, o atual, o urgente. Ela ´vai às coisas`, tem de buscar incessantemente a ´verdade efetiva`, para usar uma expressão de Maquiavel.[2]

Desse modo, temos a Constituição Federal como base para as ações do Governo, a política externa, como a administração do que pretende priorizar na sua política externa e a diplomacia como meio pacífico e inteligente de interpretar a realidade, em busca de afirmação e de progresso de um determinado povo, construindo os relacionamentos de acordo com as prioridades governamentais.

A tarefa é complexa. Governar é mais do que saber, é sentir. É trabalho, é humildade, é grandeza de espírito, é vocação e a Diplomacia é a ferramenta, interna e internacional, de que o Governo se serve para as ações mais delicadas. Neste último aspecto deve-se servir dos instrumentos técnicos e dos órgãos de relações externas, sob o comando do Ministério das Relações Exteriores.

Não se pode entender Governo de sucesso sem diplomacia.



[1] Reis, Fernando Guimarães. Caçadores de Nuvens – em busca da Diplomacia, Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília, 2011, p.190. (Diplomata de carreira, foi embaixador no Japão)

[2] Ibidem, p. 192.

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