Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
O Bolsonaro chorou, o Tite chorou, o Neymar chorou, o Lula
chorou, o capitão Thiago Silva chorou, o povo chorou... é por isso que choveu
como nunca; ruas alagadas, casas destroçadas, pessoas ilhadas. O Brasil chorou
e chora, por tudo e por nada.
Estamos na “Era das Carpideiras”, no velório do cadáver da
nossa emancipação colonial. Fomos abandonados ao sul do Equador pelos pais
lusitanos, que tiraram nossa coberta, nos descobriram e jogaram sobre nós o
estigma do nanismo. Desde então, assumimos a nossa posição no mundo, como donos
de um vasto território, de índios, florestas, e depois donos de engenho, e
depois pretos escravos, e depois de elites dominantes, e depois de favelados e
marginalizados, e depois de quintal de outros mais abastados, e depois de
sambas e pagodes, e depois de carnavais e praias, e depois de papagaios
falantes, e depois de milicianos e de guetos, atemorizados e atemorizantes.
Nós, os bem-sucedidos, não podemos aguentar os outros,
drogados e alienados, que buscam roubar nossa paz e, aliás, só nasceram para este
desiderato: nos atormentar. E, diante dessa realidade –os bons e os maus– só
desejamos uma polícia forte que nos proteja dos direitos humanos que outros
reivindicam.
É inacreditável como os índios, pretos, favelados, meninos de
rua, famintos, desempregados, drogados, não se conscientizaram do lugar que
lhes cabe na civilização colonizada: de meros servidores. Servidores do
capital, servidores dos que passam as drogas, servidores dos que vendem as
armas!
Há um grupo dominante –nasceram para dominar– e há grupo
dominado, que nasceu para servir.
Pode-se lhes dar estudo, mas abririam os seus olhos para as
possibilidades de eventuais posições de comando.
Pode-se se lhes dar armas –“povo armado é povo liberto”– mas
isso traria o perigo de quererem lutar por eventuais conquistas.
Pode-se lhes dar comida, água potável e luz elétrica, mas
isso faria com que quisessem dividir uma fatia do bolo dos benefícios do
progresso e os tiraria da natureza para a qual foram criados, de servir e,
eventualmente, ficarem com as sobras.
O progresso de igualdade social e cidadania seria,
convenhamos, um desastre para a nossa civilização colonizadora.
O melhor será ficarem onde estão: no limbo.
O melhor será continuarmos chorando. Os “nossos maiores”
choram, choram, choram, porque a conquista deles é sempre pessoal, nunca coletiva.
Temos sede de mitos e salvadores, de palavras de ordem, de
grandes exemplos de homens fortes e de comando, de estátuas e de medalhas, de
altares e de velas. Pensar, dividir, cooperar, só entre os “iguais”: bandido
com bandido, miliciano com miliciano, rico com rico, religioso com religioso,
sem nunca ultrapassar as fronteiras das nossas tribos. Resultado: continuamos
matando e morrendo e chorando.
Cada governo que sobe ocupa os mesmos espaços de dominação e
busca implantar a sua filosofia, que pode ser contrária ao governo que sai e
impõe rumos completamente diferentes. É um revezamento periódico: um constrói
sobre os escombros deixados, outro destrói e promove novos escombros. E, com
isso, fazemos a festa da posse –choro e samba- e lamentamos o final do governo
em choro convulsivo.
Não construímos pontes: apertar as mãos, cumprimentar e
cooperar para que o mínimo institucional permaneça como caminho; passar o
bastão, cantando o hino nacional e hasteando a bandeira; desejar ao que assume,
boa sorte e se pôr à disposição, é impróprio, e impensável para um Brasil que
não sabe perder e receber as lições de permanecer e construir.
A paixão nos informar e embota o raciocínio. Vivemos o
presente. O passado não deixa rastro, o futuro não existe. Cada líder faz as
suas próprias lutas (chora e ri), e nada transmite para as gerações futuras.
Triste se não nos restar outra perspectiva, senão a fala de Machado
de Assis, pela boca de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma
criatura o legado de nossa miséria”.
Ainda somos um povo sem alma coletiva.
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