Carlos Roberto Husek
Professor de Direito Internacional da PUC/SP.
Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa. Membro da Academia
paulista de Direito. Desembargador da Justiça do Trabalho. Coordenador da
Especialização em Direito Internacional da PUC/SP COGEAE e Coordenador do Grupo
de Estudos Direito Transnacional – ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado.
2.Nacionalismo/Globalização
Não
vamos nos aprofundar nesta temática, porquanto não me parecem inconciliáveis, a
não ser - sempre o mesmo problema – se possuídas pelo espírito dos ardentes
travestidos de defensores de ideias libertadoras, mas que não passam de
engajados em grupos convictos de sua autoridade imperial ou, o que é menos
honroso, do objetivo em satisfazer os próprios e egoístico desejo de usufruir
com exclusivamente as benesses de uma posição de mando.
A
globalização é um fato material da economia e da tecnologia, que tornaram o
mundo muito menor, este mundo redondo e não plano, porquanto de plano nada tem,
nem geograficamente nem política, nem social, nem psicologicamente.
Não se
desconhece que também é produto de uma forma de vida – capitalista – que nos
tornou, a todos nós, dependentes, uns dos outros.
Na
verdade, não é assim tão simples, porque a globalização nos dias de hoje
tornou-se tão avassaladora, ou melhor tão incisiva, que já é reconhecido não
ser somente econômica, mas política, de costumes, da informação, das
necessidades e dos males, pois tudo ultrapassa as fronteiras do Estado e
interpenetra sem obstáculos. Matérias como direitos humanos, economia, meio
ambiente buscam uma regulamentação universal, sem afastar a soberania dos
Estados, antes conformando-a aos tempos modernos, e até buscando conceitos
antes impensáveis, como a relativização dessa soberania. Tudo se relativiza,
queiramos ou não. Tudo se torna flexível, diáfano e translúcido na sociedade
internacional, que necessitamos buscar outras formas de sustentação das razões
jurídicas do Estado e da atuação daqueles que estão no poder em cada espaço do
mundo. O Estado, só por si, não se mostra apto para lidar com essa realidade
globalizada, o palco de sua atividade é ao mesmo tempo restrito no seu próprio
território e ampliado em relação ao mundo, porque exerce papéis no palco
internacional, que antes não haviam sido escritos. Novos papéis, novo diálogo,
nova peça a ser encenada sem tempo de ensaio.
A
nacionalidade, por certo, também muda de face. Tradicionalmente tem sido
entendida como o vínculo do indivíduo com o Estado, que se baseia em critérios
de conexão com a comunidade em que vive, em contexto quase que exclusivamente
jurídico. Atribuída no momento do nascimento, por critérios políticos (ius
sanguinis; ius soli), não se vê, agora, assim tão solidamente estabelecida,
após o caso Nottebohm, para estabelecer um mero termo, de 1955, em que a Corte
Internacional de Justiça, embora afirmando o princípio do domínio reservado,
inerente a cada Estado, reconheceu a existência de um princípio autônomo de
Direito Internacional da nacionalidade: o princípio da efetividade.
Lembrando
com a Enciclopédia de Direito Internacional: Friedrich Nottebohm nasceu na
Alemanha, Hamburgo, em 1881, mudou-se para a Guatemala em 1905, onde
estabeleceu residência e o centro de suas atividades. Em 1939, um mês depois da
invasão da Polônia pela Alemanha, Nottebohm requereu e obteve a nacionalidade
de Lichtenstein. Em 1943, a polícia da Guatemala prendeu Nottebonhm e o
extraditou para os Estados Unidos, permanecendo preso até 1946, como inimigo
estrangeiro. Ao ser libertado buscou retomar à Guatemala e foi impedido,
dirigindo-se a Liechtenstein onde passou a residir. A CIJ foi acionada por Liechtenstein
para que declarasse o erro da Guatemala ao impedir a entrada de Nottebonhm e
reter seus bens sem ressarcimento, e assim, ter violado obrigações
internacionais, devendo pagar uma indenização. Neste caso, a nacionalidade acabou
sendo considerada como um laço jurídico fundamentado em um fato social de
ligação, uma solidariedade efetiva de existência, interesses e sentimentos,
juntamente com direitos e deveres recíprocos. A Corte entendeu que para ser
aceita a nacionalidade, deve ser efetiva e real, o que pode ser verificado por
fatores distintos, que podem variar (residência habitual, centro de interesses,
laços familiares, afeições familiares, e etc.) e aí, a Corte concluiu que à
época dos fatos Nottebonhm não estava ligado a Liechtenstein e havendo, isto
sim, uma conexão longa e íntima com a Guatemala, e assim, Liechtenstein não
teria direito, formalmente, de proteger Nottebonhm.
Este
caso ilustra bem o raciocínio sobre a nacionalidade, e que está mudando no
tempo. É de se perguntar se não falaria mais alto o princípio maior da proteção
ao ser humano, em um mundo que já navega pelas águas da “cidadania
internacional”.
É tempo
de buscarmos caminhos também nesta seara. Se a globalização é um fato e a
nacionalidade tem suas agruras perante as normas internacionais, que nem sempre
prestigiam o Estado quando em casos extremos, a díade entre globalização e
nacionalidade pode vir a ser repensada como termos opositores e que se excluem.
Referências:
BOBBIO,
Norberto, Direita e Esquerda – razões e significados de uma distinção política,
Editora Unesp, 3ª. ed.
LAFER,
Celso, A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira,
Editora Perspectiva S.A. 1941.
ROBEIRO,
Manuel de Almeida, COUTINHO, Francisco Pereira, CABRITA, Isabel, Enciclopédia
de Direito Internacional, Almedina, 2011.
SANT´ANA,
Afonso Romano, Epitáfio para o Século X X, Poesia.
SEITENFUS,
Ricardo, Para Uma Nova Política Externa Brasileira, Livraria do Advogado
Editora, 1994.
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