terça-feira, março 09, 2021

Alucinações fazem a história

 


Carlos Roberto Husek

Professor de Direito Internacional da PUC/SP e co-coordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Existem alguns líderes no mundo, como o da Venezuela, o da Coreia, o da Rússia, o dos Estados Unidos (Trump), este último não eleito, que são casos psicanalíticos, não esquecendo no passado recente, Hitler, o mais emblemático de todos.

Não se tem necessário diagnóstico médico especializado, porquanto as falas, os gestos, as atitudes são semelhantes, sempre cercados de uma multidão de adoradores que gritam, batem palmas para as expressões mais absurdas e para as imagens construídas nos discursos, inusitadas, por vezes primárias, grandiosas, pretensiosas, soberbas e outras que conquistam o ouvinte e aliciam simpatizantes.

São casos, penso, que merecem profunda reflexão, realista e séria, da personalidade que se analisa e da sociedade contemporânea: ânsia de poder, corrupção estrutural, domínio de tudo e de todos, falso conceito próprio positivo, mania de grandeza ou simples proteção dos apaziguados e manutenção de uma rede de interesses informada e comandada por alucinados escurecidos pela razão.

A sociedade seria, em si, doente, produzindo filhos doentes que alcançam o poder? Tal pergunta se faz natural à medida que se observa que aos desmandos de tais líderes, a sociedade não reage e os apoia até o abismo final, a exemplo da Alemanha nazista.

O indivíduo, quando em meio a um grupo transforma-se e, por vezes, conduz-se em obediência, cego e surdo à sua consciência, como gado, parte de um rebanho. Em sendo este o caso, caberia, por certo, alguma desculpa para este estado de coisas. Uma consequência esperada do espírito humano dominado e convencido por uma realidade grupal.

Entretanto, se a massa age correspondendo aos ditames de um desajustado, o que dizer daqueles que exercem uma parcela do poder na mesma sociedade, obtida por caminhos diversos; eleição, divisão de competências funcionais, constitucional e administrativa, e que agem sem pensar, autonomamente, preservando o líder, atapetando o seu caminho, não importando as consequências? Todos estariam sendo dirigidos pela mesma força motriz do domínio e do encantamento, sem qualquer sobra de equilíbrio e de bom senso? Aqui, talvez, a explicação é mais simples e direta; não se trata de uma questão mental, mas de resguardo dos próprios benefícios e privilégios.

A complexidade do tema necessita de estudo mais alentado, situado numa área de confluência entre a Psicanálise, a Psicologia, o Direito, a Sociologia e a Política. A única e simplória certeza que temos é que, de forma geral, os nomes mencionados no início deste artigo, têm iguais caracteres. Afora a liderança e o poder, que alguns podem naturalmente exercer, o que se tem plenamente aceito, há os que fazem questão que todos fiquem de joelhos, e é a estes que nos referimos ao invocar a Psicanálise. A doutrina aponta peculiaridades do indivíduo psicótico, a saber:

. desorganizações súbitas e sérias do ser psíquico;

. perturbação das faculdades relacionais;

. perda de contato com a realidade;

. neurose narcísica;

. psicose delirante;

. psicose crônica;

. falta de senso crítico para a desordem no próprio pensamento;

. pensamento dissociativo; um recolhimento a si mesmo;

. certa paranoia, caracterizada por um delírio sistemático;

. delírio de grandeza;

. predominância da própria interpretação das coisas; e,

. confusão alucinativa.[1]

Há, ainda, a chamada “psicose branca”, que não tem manifestação clínica identificável, o que talvez possa explique uma cegueira coletiva, uma certa – não sei se a expressão tem consistência – esquizofrenia de massa.

Enfim, dias modernos, em que o passado parece não ter sido coberto pela pátina do tempo. A história poderia tornar-se repetitiva, com infinitas representações em palcos diversos. Ficar na plateia como mero assistentes, sem raciocinar sobre a vida e os acontecimentos, não é por certo a melhor solução.



[1] Mijolla, de Alain. (Direção Geral) Dicionário Internacional da Psicanálise. Tradução Álvaro Cabral, Imago.


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