Henrique
Araújo Torreira de Mattos.
Coordenador
e Professor no curso de pós-graduação
latu
sensu em Direito Internacional da Pontifícia
Universidade
Católica de São Paulo (COGEAE) e
Colaborador
da ODIPP (Oficina de Direito Internacional
Público
e Privado). Professor de Direito Empresarial na
ESEG
(Escola Superior de Engenharia e Gestão).
Há um ano atrás
o mundo já via a pandemia do COVID19 com olhos atentos, apesar de haver lockdown apenas na China, local onde a
disseminação do vírus teve sua origem. Apesar disso, a Itália já vinha sofrendo
muito com a doença, inclusive com muitas mortes principalmente de idosos. Notícias
de outros países também apareciam dando conta de que a pandemia havia de fato
se instalado e que restrições sanitárias que o mundo não via há muitos anos
seriam instaladas, além da China.
Alguns dias se
passaram e o lockdown foi decretado
praticamente em toda a Europa com restrições de locomoção dentro do bloco para
impedir com mais fervor a disseminação da doença e do vírus. No Brasil poucos
casos haviam sido detectados e, apesar do receio de que as mesmas restrições
ocorressem por aqui, nossas experiências mais recentes como a gripe aviária e
H1N1, que também foram reflexos de crises sanitárias na China (sem considerar a
dengue e outras doenças que são questões mais domésticas brasileira), davam
conta naquele momento inicial, de que não sofreríamos os mesmos impactos em
função da distância e, por pensarmos que o Brasil não estava num grau de globalização para este
tipo de assunto, até a decretação da pandemia pela OMS. Enfim, o Brasil sofreu
com a pandemia em 2020 e continua a sofrer em 2021, assim como todos os outros.
Ao longo deste
ano vimos conflitos entre EUA e China em torno deste tema com acusações contra
a China de que teria sido o país responsável pela disseminação da pandemia por
não haver regras rígidas de controle sanitário. Algumas teorias sugeriam
inclusive que a China havia disseminado o vírus propositadamente, como uma
forma de iniciar uma guerra viral econômica, para beneficiar o seu comércio
internacional em função do impacto a gerar nas economias dos demais países e no
mundo. Tais pontos colocados surgiram como uma forma de objetivar a
responsabilidade internacional da China, perante o mundo, a ponto, quem sabe,
de obrigar a China a indenizar financeiramente o mundo, ou viabilizar de maneira
organizada global embargos econômicos contra a China, ou expulsá-las dos fóruns
internacionais, ou julgar criminalmente os governantes chineses, ou até mesmo,
todas estas sanções em conjunto, dentro da dinâmica que se conhece do sistema
internacional. Em princípio, esta seria a lista das sanções internacionais
contra a China, que se discutia durante a era Trump, pauta esta que foi
acolhida pelo Governo Bolsonaro no Brasil.
Em função do
tom adotado para a questão pelo Governo Brasileiro no campo internacional,
internamente, mantendo-se a coerência, o negacionismo, ou seja, a negação
quanto à existência da COVID19 como uma doença grave, tirou a ênfase do governo
ao coordenar o assunto, a ponto de não criar uma estratégia sanitária robusta
para evitar o contágio acelerado, como o isolamento, toques de recolher, uso de
máscara, e outras regras de circulação sob a perspectiva não farmacológica. Do
ponto de vista farmacológico, a estratégia errática também não foi diferente. O
governo apostou em medicamentos não aprovados pela ANVISA, ou por outros órgãos
mundiais, para o tratamento da doença e, acima de tudo, não se preocupou em
investir em uma estratégia vacinal forte, como muitos outros países
continentais do mundo estava fazendo, apesar de ter condições econômicas para
um momento de crise como este.
Países
relevantes como EUA e Inglaterra tinham esta mesma estratégia, mas se renderam
à realidade da doença e alteram o curso de sua política sanitária, de modo a
criar mecanismos mais robustos de defesa. Ao longo de 2020, negociaram vacinas
com os laboratórios produtores para conseguir chegar na frente para a
imunização de sua população. O Brasil não seguiu o mesmo caminho pela falta de
foco, fazendo com que negociasse apenas com um laboratório, uma aposta de
exclusividade, que hoje nos coloca no final da fila para uma imunização em
escala global.
A doença
evolui, novas cepas e, ainda mais poderosas surgem, fazendo que com o Brasil
hoje seja o país mais infectado do mundo e sem uma política sanitárias bem
definida a respeito, gerando uma preocupação para os demais países, pois coloca
o nosso país como um problema e um risco sanitário a nível global. Enquanto
outros países estão concentrados em medidas sanitárias para mitigar os efeitos
da doença, bem como diminuir a sua transmissibilidade, o Brasil sem promover um
senso de urgência, bem como um plano efetivo e robusto de combate sanitário.
Enfim, o Brasil
se tornou a China do início da pandemia que tanto o Governo Federal Brasileiro
criticou!!!! Beware of COVID!!!!!
Neste caso,
cabe agora avaliar como fica a responsabilidade internacional do Estado
Brasileiro em função da negligência, imprudência ou imperícia ao conduzir o
combate à pandemia internamente. Partimos assim, das premissas inicias abaixo:
1) O Brasil infringe a própria
Constituição Federal Brasileira (CF) ao não promover o acesso às saúde da
população nos termos do artigo 196 da CF “A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”;
2) No mesmo sentido descumpre a Declaração Universal do Direitos Humanos que em seu artigo 25 ensina que “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança o desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.”;
3) Voltando à CF, em função da posição de destaque que o Brasil possui no cenário global, a carta magna, mais uma vez é contrariada, ao cair no esquecimento, os princípios dispostos em seu artigo 4º ao estabelecer que: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: ... II - prevalência dos direitos humanos; ... V - igualdade entre os Estados; ... VI - defesa da paz; ... VII - solução pacífica dos conflitos; ... IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;”
Portanto, o Brasil se expõe negativamente quando o Governo nega a doença; afirma que resolverá assuntos com o EUA com o uso da pólvora; afronta a diplomacia internacional; não investe em vacina de maneira adequada, ou cria um ambiente de mitigação da trasmissibilidade da doença no âmbito de políticas públicas de saúde, incluindo planos de comunicação adequados; se fecha para a OMS e parceiros internacionais; não reorganiza a sua saúde pública de maneira eficiente para evitar falta de estrutura e insumos para a saúde e, ainda, ao não agir de maneira eficiente em prestar informações ou comunicar a população.
Diante deste
cenário, olhando sob a ótica da sociedade internacional, o Brasil se expõe
negativamente, proporcionando relação diplomáticas mais difíceis e
conflituosas, além de se expor perante jurisdições de cortes internacionais,
como a Corte Internacional de Justiça e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, por exemplo.
Bom,
se fomos competentes a nos igualar à China do início da pandemia sob a
perspectiva sanitária, com certeza ainda não nos igualamos sob a perspectiva da
economia.
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