Por Fabrício Felamingo
Na semana
passada, mencionamos que há meses preenchemos este espaço virtual com análises
sobre a situação limite pela qual o Brasil passa, tendo em vista a calamidade do
mais de meio milhão de mortos em razão do coronavírus. A pergunta então era como
foi possível que tenhamos chegado a este ponto, incluindo aí não apenas tantos
infectados e mortos mas também permitindo que a polarização política crescesse
ao atual estágio de ódio que alguns setores nutrem contra os mais diferentes
atores (políticos, imprensa, Poder Judiciário etc). E concluímos as linhas
defendendo que deveríamos exercitar nossa empatia e tentar mostrar a realidade
a tantos quantos possível, buscando evitar que as eleições do ano que vem
permitissem novamente a eleição do atual estado de desgoverno.
No entanto,
surge aí a questão sobre como debater política em tal clima de polarização,
beligerância e pouca (nenhuma?) inteligência emocional. E mais, ao debater, não
se estaria reforçando ou legitimando as teses esdrúxulas defendidas pelo
(des)governo atual? Um exemplo: é legítimo discutir o processo eleitoral,
visando formas de auditoria da votação e evitando fraudes. Mas, ao fazê-lo,
corre-se o risco de dar guarida à tese de fraudes nas eleições presidenciais, a
respeito das quais o atual mandatário alega ter provas e que as mostrará “se
quiser”, como se fosse de seu campo discricionário guardar evidências de crimes
e fraudes ocorridas.
Não debater,
por outro lado, confere e reafirma a pobreza do debate político atual, em que
memes de internet são utilizados como elementos argumentativos e vídeos curtos na
redes sociais são verdadeiras “aulas magnas” de política. Qualquer coisa com
mais do que 5 ou 10 linhas é “textão”, quando não “mimimi”, e o aprofundamento
nos temas praticamente não ocorre. Mais: não debater pode até evitar conferir
legitimidade às teses esdrúxulas (e que, não se duvide disso, têm sua
finalidade muito bem compreendida por quem as difunde originariamente, passando
pela tergiversação e indo até a má-fé) mas não demonstra respeito àqueles e
àquelas que, não sendo os emissores originários de tais teses, as retransmitem
por sincero acolhimento, tendo em vista a falta de conhecimento suficiente para
rebatê-las. Os 58 milhões de votos à chapa vencedora no 2º turno em 2018 não
correspondem a 58 milhões de cidadãos defensores de não vacinação, ou
cloroquina, ou voto impresso (não confundir com eleições auditáveis, coisas
distintas que são). E mesmo os que assim se posicionam, o fazem na maior parte
das vezes baseados em sua boa-fé individual, pela crença sincera da melhor
escolha.
Da mesma
forma, os 47 milhões de votos da chapa perdedora não foram conferidos por
eleitores desmemoriados do mensalão e afins mas, ao contrário, foram por muitos
digitados nas urnas apesar desse e de outros eventos que desabonam, e
muito, os governos anteriores. Mas os até então 28 anos de vida pública do
atual presidente já sinalizavam de forma bastante convincente para parcela
significativa desses 47 milhões de eleitores que mais do mesmo era,
infelizmente, menos pior do a “novidade” que se prometia do outro lado. Isso
estava visível aos demais 58 milhões de eleitores? Talvez estivesse acessível,
mas a falta de discussão política menos apaixonada e mais racional com certeza
foi determinante para o resultado atual. As inimagináveis mais de 520 mil
mortes até agora no mínimo mostram que ninguém jamais poderia supor o quão ruim
seriam as coisas e são um triste ponto de partida para que busquemos novas
formas de discussão.
Enfim, é pela
totalidade dos brasileiros, de um lado e outro, que devemos buscar o diálogo e
o bom debate, olvidando-se daqueles que se locupletam hoje no poder. Caso
contrário, corremos o risco da permanência do atual estado das coisas.
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