terça-feira, abril 26, 2022

Migalhas odipianas

 




por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


 
1.    Nos governos de força, sempre há o desprezo pelo Poder Judiciário, ou extinguindo esse poder ou substituindo os seus membros por juízes que poderiam julgar a favor do poder, quer da direita ou da esquerda, porquanto a manutenção do poder a qualquer preço não é apanágio exclusivo de nenhuma dessas vertentes; desse viés escapam os chamados “estadistas” (hoje raros), aqueles que se preocupam com o povo, com a sociedade, que sacrificam desejos pessoais em prol do cidadão, dos desvalidos, para tornar as relações entre o Estado e os que vivem em seu território mais certa, administrativamente correta e mais justa. Fica sempre no ar a pergunta: a quem interessa atacar o Judiciário?
 
2.    Também, não se há de querer fechar o Parlamento ou comprar os votos dos congressistas, ou alimentá-los nas suas reivindicações pessoais, fazendo-os desviar de suas funções. Claro está que não é papel de um Presidente da República demonstrar o melhor caminho aos políticos que só vivem para a política, sem qualquer projeto legislativo para o povo (raro seria que alguém que exerça o maior cargo da República fizesse isso, sem desejar a perpetuidade no poder). Todavia, as eleições e os eleitos deveriam ser os melhores, dentre os candidatos, para os cargos executivos e legislativos. Ideias ingênuas, eu sei, mas republicanas. Fica sempre no ar a pergunta: existem políticos (abrangendo os poderes legislativo e executivo) comprometidos com as reivindicações populares de vida, de alimentação, de meio ambiente, de segurança, de justiça?
 
 
3.    Também, não se pode entender que os civis sempre serão corruptos, e, eventualmente, outros, como religiosos, serão sempre honestos. Cada qual há de exercer o seu papel dentro dos limites constitucionais. Se os limites da Constituição Federal forem ultrapassados, mesmo sob argumentos pretensamente mais nobres, a corrupção manifestar-se-á; corrupção pelo dinheiro, pelos cargos, pelas benesses, por tudo que favoreça pessoalmente quem está no poder. Só há uma forma de governar honestamente: períodos curtos, revezamento do poder, eleições diretas, fiscalização dos contrários, apuração de responsabilidades, respeito aos poderes da República, em especial, respeito ao Judiciário
 
4.    Por que mudar as regras eleitorais das urnas eletrônicas, que já elegeram muitos parlamentares e muitos governadores, prefeitos e presidentes da República, com lisura, isenção, sem compra de votos, sem perda de urnas, sem influências maléficas, sem manuseio de mãos partidárias, pelo antigo sistema do papel, com maior gasto e com fiscalização deficiente? Seria mais fácil reivindicar erros e desajustes se os votos fossem contrários a quem quer ficar no poder? Fica sempre no ar a pergunta: a quem interessa atacar um sistema que se submete à modernidade da tecnologia e busca fugir das falhas (ou da corrupção) humana?
 
5.    Quanto mais regras objetivas, fora das simpatias e das manipulações eleitorais, melhor. A quem interessa a compra de votos?
 
6.    Outro assunto: ganhou Macron na França. Le Pen seria um desastre. Por que seria um desastre? Porque buscaria –segundo os que analisam a política francesa– governar pela força, unir-se aos regimes de mando absoluto ou quase absoluto, sem dar voz aos contrários (difícil dar voz aos contrários – a democracia é um exercício permanente, contínuo e duro, de escuta e de fala, de diálogo, e de renúncia aos próprios desejos de domínio). E Macron? Bem, cada povo com o seu problema. Ele disse querer terminar com a carreira diplomática e, é certo, por nos postos chaves do exterior (embaixadas p. ex,) administradores comuns, amigos seus, seus partidários, do baixo ou do alto “clero” administrativo. Macron, quem diria, não escapa da cantoria do poder (estadistas são raros)! Será que os ditadores pensam de igual modo? Células de si próprio espalhadas pelo mundo para um domínio, em princípio, interno, sem contestação, para quem sabe uma eterna reeleição? Pode-se dominar pelas armas; pode-se dominar por outros meios (o que, aliás, é mais inteligente). Se a moda pega...  
 
7.   
E a Educação? É também interessante notar que nos países em que não há democracia, a Educação não é importante, não é fundamental, bem como a cultura, que é sempre menosprezada, e ambas servem, dentro de suas medidas, apenas e tão somente para a manutenção do poder. No que tange à Educação, há a política direcionada a uma espécie de lavagem cerebral, modificando os livros de História, isto é, a própria História, buscando por nos postos chaves da Educação cabeças que mexem com as escolas, com os livros, com os professores independentes, com os intelectuais, e como num tabuleiro, vão favorecendo àqueles que buscam dar vida, cor a ações dos seus interesses (vide Putin, Maduro, Kin Joo, Assad e outros). Quanto à Cultura, a situação ainda é pior, uma vez que quase desaparece total e completamente; os teatros fecham, os escritos se apagam, as músicas são alienantes, as artes plásticas são pinturas fotográficas dos dominadores, as poesias apreciadas e premiadas são cantorias de feitos dos ditadores. Se houver exceção a tais manifestações, hão de ser devidamente afastadas, “queimadas” em praça pública, se possível, junto com seus autores, e sob a aclamação e aplauso do povo, já devidamente “educado”. As livrarias cerram suas portas e os artistas são vistos como párias da sociedade. Para tais governos, a produção e liberação de armas é fundamental. Fica sempre no ar, a pergunta: A quem interessa desprezar a educação e a cultura?


Nenhum comentário:

Postar um comentário