quarta-feira, abril 20, 2022

Nossa vida de retirantes

 


Por Carlos Roberto Husek

Prof. De Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.


O Brasil continua igual, enquanto os políticos só pensam no poder, nas suas bases eleitorais, no dinheiro do fundo partidário e no das emendas, que só têm o objetivo de resolver problemas atinentes a interesses específicos, e não, de áreas gerais do interesse do país ou da região, como a saúde, a educação, a segurança, o meio ambiente. 

O que buscam os parlamentares, seus partidos e líderes, abocanhando o maior valor possível do dinheiro público é, tão somente, o favorecimento de suas bases eleitorais. Além de tudo, o orçamento é direcionado para os redutos apoiadores do governo (infelizmente todos os governos foram assim; não só este), como o caso recente de aquisição de computadores para uma escola do nordeste, que nem água potável tem, a benefício do parlamentar da localidade. E, com isso, continuamos no terceiro (quarto) mundo: pobres, ignorantes, maltrapilhos, esfomeados, sem emprego, uma vida que é da grande maioria dos brasileiros, bem retratada por João Cabral de Melo Neto (1955), principalmente quando essa vida se finda, em Morte e Vida Severina:

“-Essa cova em que está,
   com palmos medida,
   é a conta menor
   que tiraste em vida.
  - É de bom tamanho,
    nem largo nem fundo,
    é a parte que te cabe
    deste latifúndio.
- Não é cova grande,
   é cova medida,
   é a terra que querias
   ver dividida.
- É uma cova grande
  para teu pouco defunto,
  mas estará mais ancho
 que estavas no mundo.
- É uma cova grande
  para teu defunto parco,
  porém mais que no mundo
  te sentirás largo.
- É uma cova grande
  para tua carne pouca,
  mas a terra dada
  não se abre a boca.”

A única terra que se obtém é aquela dada pela morte, porque em vida, não se adquire, absolutamente nada. Onde se encontra o capitalismo e o socialismo/comunismo, modernamente postos, quanto aos direitos fundamentais? Desconectados, descasados, divorciados, esquecidos do ser humano, porquanto na Rússia de Putin, e países simpatizantes, e nos países periféricos do capitalismo, quiçá nos EUA, com seus guetos, o ser humano é esquecido.

No Brasil, este esquecimento se traduz bem na vida severina.
Ao severino do dia a dia (nós todos, de forma geral, em especial do brasileiro paupérrimo, a maioria), resta encontrar uma vida digna, um trabalho digno. De novo, lembramos o poeta, que após narrar a peregrinação severina, procurando o que fazer, tendo em vista a sua específica competência, como lavrador de terra má, arador de calva da pedra, de roça incipiente, de plantas de rapina, de pastoreador de urtigas, confessa à mulher que encontra no caminho, e que lhe pergunta:

    “- Mas isso então será tudo
         em que sabe trabalhar?
         vamos, diga, retirante,
         outras coisas saberá!
    “- Deseja mesmo saber
         o que eu fazia por lá?
        comer quando havia o quê
        e, havendo ou não, trabalhar.”

É isso que ainda nos espera? Somos retirantes de nossas próprias terras, cegos e surdos, votando por votar em nomes que não nos dizem nada, salvo a comunicação das propagandas enganosas. É um ciclo. Sai governo entra governo, sai partido político entra partido político, sai ideologia entra ideologia, sai um líder, entra outra líder, e continuamos nossa vida severina, carpindo a impossibilidade de nos tornarmos conscientes e planejadores da nossa própria vida, quer individual, quer coletiva.


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