sexta-feira, agosto 12, 2022

“Somos todos culpados”

 

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direto Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


“Quem, letrado, não tem culpa neste País de analfabetos? Quem, rico, está isento de responsabilidades neste País da miséria? Quem, saciado e farto, é inocente neste nosso País da fome? Somos todos culpados...(...) A característica mais nítida da sociedade brasileira é a desigualdade social que se expressa no altíssimo grau de irresponsabilidade social das elites e na distância que separa os ricos dos pobres, com imensa barreira de indiferença dos poderosos e de pavor dos oprimidos...(...) Nada que interessa vitalmente ao povo preocupa de fato a elite brasileira. 

A quantidade e a qualidade da alimentação popular não podia ser mais escassa e pior. A qualidade de nossas escolas, a que o povo tem acesso, é tão ruim, que elas produzem de fato mais analfabetos do que alfabetizados. Os serviços de saúde de que a população dispõe são tão precários que epidemias e doenças já vencidas no passado voltam a grassar, como ocorre com a tuberculose, a lepra, a malária e inumeráveis outras. A solução brasileira para a moradia popular, na realidade das coisas, é a favela ou o mocambo...(...) A triste verdade é que vivemos em estado de calamidade, indiferentes a ele porque a fome, o desemprego e a enfermidade não atingem os grupos privilegiados. 

O sequestro, de um rapaz rico mobiliza mais os meios de comunicação e o Parlamento do que o assassinato de mil crianças, o saqueio da Amazônia, ou o suicídio dos índios. E ninguém se escandaliza, nem sequer se comove com esses dramas.”[1]

Mudou alguma coisa?

Por quanto tempo vamos esconder a cabeça nos travesseiros?

E agora, mais uma vez, e sempre volta ao cenário nacional, a possibilidade de um ataque ao Estado Democrático de Direito.

A Carta aberta aos brasileiros, lida nesta data em todos os lugares do País, e até fora das fronteiras nacionais, é o grito que está no DNA de todos nós, que nos dedicamos ao Direito: ou fazemos prevalecer a Democracia ou estaremos condenados a idas e vindas, como ondas do mar, sem qualquer progressão.

Contudo, a Carta em apoio à Democracia, é apenas a porta aberta para a consecução de objetivos concretos, em relação à sociedade e ao ser humano que nela vive e se relaciona.
Não se pode mais admitir discursos que incentivam a liberdade de falar e praticar atos contra a Democracia.

Dizer que povo armado é povo livre é maior das mentiras já postas. Povo livre é o povo que estuda, discute, lê, observa, e se conscientiza das diversas posições doutrinárias, psicológicas, filosóficas, religiosas, e que não passa fome, e que tem trabalho, e que tem serviço de saúde.
Dar a possibilidade de adquirir livros é essencial, e não a possibilidade de adquirir armas.
Armas, somente para os que querem dominar pela força e subordinar cada vez mais, aqueles que por eles são classificados como inferiores.

Se o povo deve armar-se, há de se perguntar – já inquiri neste espaço em outro artigo – qual povo deve adquirir armas (comprem suas armas... Dizem os inconsequentes)? A resposta lógica seria, todos: homens, mulheres, transsexuais, bissexuais, gays, brancos, pretos, índios, os que vivem nas cidades, os que vivem nas favelas, os que vivem debaixo das pontes. Seria uma hecatombe! OU só poderiam adquirir armas os grupos eleitos, no mínimo os economicamente eleitos. O chamado bandido, não é bandido porque tem armas. É bandido porque, em geral, está, ele e sua família, à margem da sociedade. Combate-se o crime com um policiamento forte e com ações preventivas, nos campos da Educação, da Saúde e do Trabalho. A polícia age no momento do problema; o Governo deve agir antes dos momentos de desarranjo e desacerto sociais. Somente assim, o trabalho policial terá efetividade.

Diminuiriam os problemas marginais (assaltos, roubos, estupros), se o Governo pensasse em governar.
Diminuiria a forme e o desemprego se as verbas governamentais fossem destinadas, não ao “orçamento secreto” (bilhões), mas às escolas; não às armas, mas aos livros.

Armar, matar, armar, matar, armar...É só nisso que pensam os inconsequentes?

Temos, um ordenamento jurídico; temos uma Constituição; temos Códigos nos diversos campos da atividade humana; temos um Poder Judiciário: temos um Poder Legislativo; e, temos um Poder Executivo, que não está acima dos outros poderes.

Temos vida, e vamos conservá-la e aprimorá-la.
 

[1] Ibidem, p.33/35.


Um comentário:

  1. Professor, parabéns pela profunda reflexão. De fato, estamos perdidos.

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