segunda-feira, maio 24, 2021

CINCO AVIÕES

 


Por Fabrício Felamingo


Os números não enganam, creem as pessoas. Assim, as afirmações que são acompanhadas de estatísticas em geral são tomadas como mais corretas ou verdadeiras. Num país em que por mais de um ano estamos na situação de termos tantos mortos quanto se cinco aviões caíssem todos os dias ao chão, com todos os passageiros morrendo, ainda há os que defendem que temos mais de 14 milhões de pessoas “recuperadas” da COVID-19, como se o número fosse correto e não uma mera subtração de número de mortes em relação aos infectados, como se isso fosse suficiente para aferir a eficácia de alguma política pública (!?). Sem contar as sequelas que a doença deixa, nada há a se celebrar na existência de milhões e milhões de infectados por uma doença em que bastam máscara e assepsia básica para que o risco de contaminação se reduza enormemente. O isolamento, naturalmente, seria o ideal, mas a falta de exemplo das autoridades máximas impede que a maioria das pessoas se sinta constrangida em não restringir ao mínimo necessário suas interações sociais.

Como é possível estarmos nessa situação? O que é necessário que aconteça para que as autoridades mudem de opinião? Penso nisso e me vem à cabeça uma frase de Eduardo Gianetti, no seu “O mercado das crenças: filosofia econômica e mudança social”: A crença de que a verdade foi encontrada é uma fonte inigualável de autoconfiança e motivação”. Se a verdade já foi encontrada, não há mais que ser alcançada. Em outras palavras, como diria Lord Keynes[1], citado na mesma obra por Gianetti:

“Homens práticos, que se julgam absolutamente isentos de influências intelectuais, em geral são escravos de algum economista defunto. Os malucos no poder, que ouvem vozes no ar, destilam seus desvarios de algum escriba acadêmico de alguns anos atrás. (...) (N)o campo da filosofia econômica ou política, poucos se deixam influenciar por novas teorias após a idade de 25 ou trinta anos, de modo que as ideias que administradores públicos, políticos e mesmo agitadores aplicam aos acontecimentos atuais dificilmente serão as mais recentes. Porém, cedo ou tarde, são as ideias e não os grupos de interesse que representam perigo, para o bem ou para o mal”.

Temos hoje um mandatário cujas ideias e (pré)conceitos claramente são os apreendidos quando de sua formação, na década de 70, durante o regime militar. Dirige a nação com tais ideias e aparentemente pouco faz para arejá-las ou atualizá-las. No entorno, cerca-se de quem as confirme. Na pior das hipóteses, atua de maneira premeditada (para quais fins, ficamos a imaginar). Na melhor, luta contra moinhos como se dragões fossem, mas sem a pureza de um Dom Quixote, deixando pois de enfrentar os reais problemas da nação, por não enxergá-los. Crê-se portador das verdades, abominando os que delas não compartilham. Foge de um imaginário golpe político à Jânio Quadros, ameaçando com outro, e entende que assim governa.

Hoje caíram mais 5 aviões. Todos a bordo morreram.



[1] Keynes, J.M. The general theory of employment, interest and money. Londres, 1973. Obra citada por Eduardo Gianetti em “O mercado das crenças: filosofia econômica e mudança social”. Cia. das Letras, 2003.


2 comentários:

  1. Artigo muito bom! Citação do Keynes, que eu desconhecia, encaixou perfeitamente à situação!

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  2. Artigo muito bom! Citação do Keynes, que eu desconhecia, encaixou perfeitamente à situação!

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