quarta-feira, junho 02, 2021

Direito Transnormativo

 



Por Henrique A. Torreira de Mattos


A Teoria da Trasnormatividade parte da premissa de que no mundo em que vivemos, onde existe uma interação sobremaneira do ponto de vista das relações econômicas, sociais e culturais, proporciona uma discussão entre governos, seja no âmbito local, nacional, regional ou global, de modo que as normas internacionais deixam de ser discutidas internacionalmente pura e simplesmente, sendo discutidas em diversos foros independentemente de fronteiras.[1]

Na década de 1950, Philip Jessup[2] abordava o tema com muita propriedade. Para ele as relações transnacionais entre os seres humanos produziam consequências transnacionais, não cabendo a justificativa da aplicação do Direito através das doutrinas monista e dualista. No seu entender, em situações como esta a transnormatividade ocorre entre a relação existente dos dois Direitos Internos, direcionados pelo Direito Internacional.

Neste âmbito, o Direito Internacional origina-se da relação entre dois Direitos Internos e não os cria, definição que na época era contrária ao pensamento corrente que de certa forma via no Direito Internacional uma via direcionadora do Direito Interno (escolas monista e dualista).

Neste ponto, sua teoria era contrária ao monismo e ao dualismo por dois fatores. O primeiro, se baseava na relação entre seres humanos, que de certa forma configurava o mesmo princípio formador do Direito Interno. O outro fator, em função de analisar a questão da perspectiva interna para a internacional.

Para Philippe Braillard[3], em estudo realizado sobre a sociedade transnacional, este  a definiu como um sistema de interação, num domínio particular, entre atores sociais pertencentes a sistemas nacionais diferentes, visualizando que no interior de cada sistema nacional, as interações são decididas por elites não-governamentais e continuadas diretamente pelas forças sociais, econômicas e políticas nas sociedades de que fazem parte.

Diante desta explicação pode ser inferido que entre o Direito Internacional e o Direito Interno existe uma relação baseada em três pilares (internacional, global e interno) que caracterizam uma relação transnormativa.

O primeiro pilar acima citado, o internacional, representa uma tendência Estatal normativa internacional que visa a criação de determinada norma. O segundo, ou seja, o pilar global, representa o foro de discussão da sociedade civil internacional com exceção dos Estados, e por fim, o pilar local, representa a sociedade civil interna que promove a manutenção da conduta discutida nos foros internacionais.

Atualmente, a Teoria da Transnormatividade vem criando situações onde a transposição de um direito por outro, proporciona efeitos mais ágeis para amparar a globalização. Em muitas situações a cópia do direito alienígena, visando uma adequação interna para se preparar ao mundo global é importante e com certeza fomentou, e ainda fomenta, uma maior interação entre os Estados.

Um ponto importante a ser analisado é se, esta rápida adaptação transnormativa, seria sustentável, tendo em vista a distinção cultural, social e legislativa além fronteiras. Em outras palavras, antes da aplicação de uma norma transnacional deve haver um debate interno grande, a ponto de definir se a aplicabilidade desta norma alienígena é viável ou não, e é compatível ou não aos parâmetros internos. 

Para Wagner Menezes:

“Essa relação transnormativa se caracteriza por vários fatores de alocação de uma nova realidade internacional que, através de seus instrumentos normativos produzidos no plano internacional, dissolvem as fronteiras e possibilitam uma interpenetração de normas jurídicas entre o local e o global em um mesmo espaço de soberania e competência normativa. Elementos de fundamentação da construção normativa, como as fontes do direito, incluindo as soft law; o direito comunitário e seus mecanismos específicos para regulamentação intra-bloco; as regras de direitos humanos que passam de uma simples resolução e adotam cada vez o caráter de um ius cogens, um direito imperativo que deve ser respeitado e observado por todos os povos; as organizações internacionais, seus foros e sua atividade pseudo-Iegislativa; a transnacionalização da ordem econômica que envolve um número maior de temas e opera entre fronteiras, não só através do seu principal objeto, que é o capital, mas também por sujeitos operacionais, como as empresas transnacionais.”[4]

Diante das considerações acima, o que se nota é que a Teoria da Transnormatividade recebe críticas, pois pode colocar em risco o conceito clássico de soberania, uma vez que o Estado não possui mais, necessariamente, o poder criador da norma internacional do ponto de vista analisado pelas doutrinas monista e dualista. Ao contrário, o Estado passa a ser receptor de normas estrangeiras, que muitas vezes podem ter sido criadas por um outro Estado, organizações internacionais ou pela própria sociedade civil internacional.

Outro ponto a ser considerado, é o fato de que tais normas não necessariamente subordinam-se a hierarquias internas do Estado para produzirem seus efeitos, ou seja, não se trata de um ius cogens.

Nota-se, portanto, que além das barreiras geográficas, as normas ultrapassam também barreiras jurídicas, filosóficas e sociológicas, sendo criado um espaço global normativo.[5]

 

Bibliografia:

 

HELD, David; MCGREW, Anthony. “Prós e contras da globalização”. Tradução Vera Ribeiro. Editora Zahar, 2001;

JESSUP, Philip C. “Direito transnacional”. Tradução Carlos Ramires Pinheiro da Silva. Editora Fundo de Cultura, 1956;

BRAILLARD, Philíppe. “Teoria das relações intemacionais”. Tradução J. J. Pereira Gomes e A. Silva Dias. Fundação Calouste Gulbenkian, 1990;

MENEZES, Wagner. “Ordem Global e Transnormatividade”. Editora Unijui. 2005;

IANNI, Octávio. “A era do globalismo”. Editora Civilização Brasileira, 1996.



[1] HELD, David; MCGREW, Anthony. “Prós e contras da globalização”. Tradução Vera Ribeiro. Editora Zahar, 2001. Pág. 88.

[2] JESSUP, Philip C. “Direito transnacional”. Tradução Carlos Ramires Pinheiro da Silva. Editora Fundo de Cultura, 1956. Pág. 124.

[3] BRAILLARD, Philíppe. “Teoria das relações intemacionais”. Tradução J. J. Pereira Gomes e A. Silva Dias. Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. p. 275.

[4] MENEZES, Wagner. “Ordem Global e Transnormatividade”. Editora Unijui. 2005. Pág. 204.

[5] IANNI, Octávio. “A era do globalismo”. Editora Civilização Brasileira, 1996. Pág.178.


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