Por Fabrício Felamingo
Os números não
enganam, creem as pessoas. Assim, as afirmações que são acompanhadas de
estatísticas em geral são tomadas como mais corretas ou verdadeiras. Num país
em que por mais de um ano estamos na situação de termos tantos mortos quanto se
cinco aviões caíssem todos os dias ao chão, com todos os passageiros morrendo,
ainda há os que defendem que temos mais de 14 milhões de pessoas “recuperadas”
da COVID-19, como se o número fosse correto e não uma mera subtração de número
de mortes em relação aos infectados, como se isso fosse suficiente para aferir
a eficácia de alguma política pública (!?). Sem contar as sequelas que a doença
deixa, nada há a se celebrar na existência de milhões e milhões de infectados
por uma doença em que bastam máscara e assepsia básica para que o risco de
contaminação se reduza enormemente. O isolamento, naturalmente, seria o ideal,
mas a falta de exemplo das autoridades máximas impede que a maioria das pessoas
se sinta constrangida em não restringir ao mínimo necessário suas interações
sociais.
Como é
possível estarmos nessa situação? O que é necessário que aconteça para que as
autoridades mudem de opinião? Penso nisso e me vem à cabeça uma frase de
Eduardo Gianetti, no seu “O mercado das crenças: filosofia econômica e
mudança social”: “A crença de que a verdade foi encontrada é uma
fonte inigualável de autoconfiança e motivação”. Se a verdade já foi
encontrada, não há mais que ser alcançada. Em outras palavras, como diria Lord
Keynes[1],
citado na mesma obra por Gianetti:
“Homens práticos,
que se julgam absolutamente isentos de influências intelectuais, em geral são
escravos de algum economista defunto. Os malucos no poder, que ouvem vozes no
ar, destilam seus desvarios de algum escriba acadêmico de alguns anos atrás.
(...) (N)o campo da filosofia econômica ou política, poucos se deixam
influenciar por novas teorias após a idade de 25 ou trinta anos, de modo que as
ideias que administradores públicos, políticos e mesmo agitadores aplicam aos
acontecimentos atuais dificilmente serão as mais recentes. Porém, cedo ou
tarde, são as ideias e não os grupos de interesse que representam perigo, para
o bem ou para o mal”.
Temos hoje um
mandatário cujas ideias e (pré)conceitos claramente são os apreendidos quando
de sua formação, na década de 70, durante o regime militar. Dirige a nação com
tais ideias e aparentemente pouco faz para arejá-las ou atualizá-las. No
entorno, cerca-se de quem as confirme. Na pior das hipóteses, atua de maneira
premeditada (para quais fins, ficamos a imaginar). Na melhor, luta contra
moinhos como se dragões fossem, mas sem a pureza de um Dom Quixote, deixando pois
de enfrentar os reais problemas da nação, por não enxergá-los. Crê-se portador
das verdades, abominando os que delas não compartilham. Foge de um imaginário
golpe político à Jânio Quadros, ameaçando com outro, e entende que assim
governa.
Hoje caíram
mais 5 aviões. Todos a bordo morreram.
[1] Keynes, J.M. The general theory
of employment, interest and money. Londres, 1973. Obra citada por
Eduardo Gianetti em “O mercado das crenças: filosofia econômica e mudança
social”. Cia. das Letras, 2003.
Artigo muito bom! Citação do Keynes, que eu desconhecia, encaixou perfeitamente à situação!
ResponderExcluirArtigo muito bom! Citação do Keynes, que eu desconhecia, encaixou perfeitamente à situação!
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