
quarta-feira, fevereiro 23, 2022
Algo em comum?!
terça-feira, fevereiro 01, 2022
Reverberações da Metrópole 2 (portuguesa)
Carlos Roberto Husek –
Professor de Direito internacional e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de
Direito Internacional Público e Privado
A eleição revelou que os portugueses valorizaram a forma pela qual o governo enfrentou a pandemia, bem como deu força ao Serviço Nacional de Saúde. Falou-se muito nos dias anteriores à eleição em uma “geringonça” política, uma espécie de mecanismo que uniria aqueles que são da esquerda (não há uma só esquerda) e os que são de direita (não há uma só direita), e alguns que poderiam passar de um para outro lugar, observando a imprensa que havia dúvida sobre o funcionamento de tais esquemas, uma vez que não haveria maioria absoluta, sem falar em uma esquerda radical e em uma direita radical.
As eleições portuguesas demonstraram que o povo, na sua sabedoria, não quer radicalismos, o que faz lembrar versos de um poeta brasileiro (Afonso Romano Santana, salvo engano), que disse: “a direita e a esquerda não são mais questões centrais”. E, efetivamente, não são. Claro está que sempre haverá uma tendência – cada um deve escolher o que achar melhor – que justificaria uma forma de administração, priorizando empresas, priorizando o povo, priorizando a saúde, priorizando a segurança, priorizando as questões de gênero, priorizando a escola, dependendo de uma visão básica à esquerda ou à direita. Em Portugal, a tendência socialista saiu vencedora, porquanto há um pensamento fundamental voltado – em tese – para os mais desafortunados. Mais do que isso, porquanto a vitória do Partido Socialista foi absoluta, o que afastou qualquer possível “geringonça”.
É verdade que o voto não é obrigatório: teve 9.298.390 eleitores inscritos; 5.389.705 eleitores votantes, com 42,04% de abstenções. Contudo, apesar disso, o que conta é o quadro real para todos os efeitos e que 41,68% foram para o Partido Socialista. Ainda assim, preocupa – preocupação que podemos ter no Brasil – que a terceira força nesta eleição, que foi do CHEGA, 7,15%, elegeu doze deputados e representa um contingente racista e xenófobo, quando na eleição anterior havia feito apenas um deputado, o que não deixa de ser preocupante. O que poderá impedir o crescimento de tal nicho antidemocrático será uma administração séria que melhore, cada vez mais, a vida dos portugueses. O eleito a fará?
Tal análise, serve, dentro de alguns parâmetros, e em parte, para a situação da política brasileira, em que a direita radical não consegue atrair a maioria dos eleitores, embora tenha como um dos vetores, aquele que na atualidade exerce o poder, e nem sequer busca fazer uma “geringonça”, porquanto se recusa a qualquer diálogo; e a esquerda que apesar de seu crescimento, na figura de um ex-presidente, mantém um pensamento fechado às mudanças, e dela não se espera também diálogos mais profundos com outras forças políticas. O que nos diferencia é que não temos um partido que busque caminhos comuns. Não digo, com isso, que a vitória esmagadora de António Costa é, em si, um bem para Portugal, mas não deixa de ser, na forma em que foi construída, a possibilidade mais equilibrada para a sociedade portuguesa, que escolheu manter o que estava dando certo, sem grandes mudanças. António Costa afirmou que ganhar de forma absoluta não é governar de forma absoluta e nem exercer o poder de forma absoluta. Sábias palavras, que poderiam servir de inspiração para os nossos possíveis pretendentes ao governo.
A verdade é que os portugueses apostaram no que já conhecem, e imaginam um governo que conduza Portugal de modo calmo e equilibrado, sem entrar em conflito com outros países e sem casamento com ideologias radicais.
Também ganhar uma eleição pela imposição do medo daquilo que virá não parece ser o caminho escolhido pelos políticos vencedores das eleições portuguesas. Mais correto analisar pelo governo que oferecem (democrático, respeitoso da Constituição do país e das instituições, propenso ao diálogo e a ouvir as opiniões contrárias e a propor soluções que levem em conta as reais necessidades do povo); isto pareceria ser o ideal, e o caminho pelo qual nós no Brasil deveríamos trilhar. Não se olvide que há os que querem manter o poder a todo custo, perseguir adversários, espalhar notícias falsas, e, mesmo os que buscam um poder total por muito tempo, ou por quase todo tempo possível (enquanto se viver!), mas estes são os radicais da direita ou da esquerda, e com tais tipos não devemos contar.
Acreditamos que a maioria do povo – quando bem instruída, não manietada, e com oportunidade de estudo - seguirá o caminho do Estado Democrático de Direito. Portugal tem lá os seus erros, mas pode nos ensinar alguns caminhos. Vamos ficar alertas!
sexta-feira, janeiro 21, 2022
Reverberações da Metrópole (portuguesa)
“A esquerda é burra?” e a direita gananciosa? E
vice-versa!
Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
Em um artigo bem posto e com percuciente análise, no jornal português “Público”, de 21.01.2022, Boaventura de Sousa Santos, sob o título “A esquerda é burra?” fez as seguintes ponderações em torno das eleições portuguesas de 30 de janeiro deste ano para o Parlamento, que ora em parte são transcritas:
“Nos tempos em que o ex-Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso (F.H.C.) e eu éramos amigos, conversávamos com frequência. A conversa começava sempre na sociologia e terminava invariavelmente na política. Numa dessas conversas, no Palácio do Planalto em Brasília, porque, entretanto, o F.H.C. tinha sido eleito Presidente do Brasil, ele disse-me a certa altura: ´Sabe, Boaventura, a esquerda é burra`. Achei que no caso concreto ele estava errado, mas a frase ficou na minha memória e voltou a assaltar-me agora nestes tempos de campanha eleitoral.
Como a direita tem dificuldades em estigmatizar a natural simpatia do primeiro-ministro, inventa que ele está cansado por tanto tempo de governo. Ninguém na esquerda (nem sequer o PS) lhe lembra ainda há pouco idolatravam Angela Merkel e nunca a acharam cansada, apesar de ela ter estado 16 anos no Governo. Como é arriscado desconhecer o interesse dos portugueses em ter sua companhia aérea, invoca casos isolados (ainda que lamentáveis porque mostram que a gestão capitalista desconhece outras razões que não o lucro) e ninguém na esquerda lhe lembra que, além de Lisboa, não há apenas o Porto, há também Praia, Bissau, Luanda, Maputo e muitas cidades no Brasil.
Finalmente, direita, sabendo-se fragmentada, tenta articular-se e, como acontece usualmente em política, começa pelo consenso negativo...(...) Como a direita não tem os escrúpulos indenitários e programáticos da esquerda, vai-se treinando no consenso negativo, surfando a onda. Não me surpreenderia se depois das eleições surgisse uma ´geringonça` de direita.”
Trocando em miúdos e em alguns aspectos “a contrário senso”, a análise se aplica ao Brasil, observando algumas dificuldades a mais, como as notícias falsas, a compra de votos, a corrupção do dinheiro e, principalmente, a dos princípios, o que torna o nosso cenário bem mais complexo, porquanto a direita também tem uma certa burrice e a esquerda tem laivos insuspeitos de poder absoluto.
Tanto a direita como a esquerda no Brasil querem a perpetuação do poder, ainda que para isso seja necessário ludibriar e corromper sob o fundamento de que os meios justificam os fins.
Estamos necessitando de um desapego pelo poder, da crença sobre a nobreza da função pública e de homens públicos voltados para o Estado, como pessoa jurídica apta a perseguir e obter o bem do povo. Maior consciência e dedicação a melhorar a vida das diversas classes sociais, com força centralizadora nos mais pobres. É pedir muito?
sexta-feira, janeiro 14, 2022
Em busca do sentido da vida
Carlos
Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/Sp e um dos
coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Público e Privado
Não se tem noção na atualidade, apesar dos relatos da guerra, o que os judeus verdadeiramente passaram, o que pode ser estendido mais recentemente aos iugoslavos (croatas, montenegrinos, sérvios e outros), que também viveram em campos de concentração, lá pelos anos de 1990.
Em outras palavras, o ser humano parece não melhorar e continua enfiado na sua própria caverna de convicções arraigadas, religiosas, ideológicas, filosóficas, como se recebesse tábuas de salvação para uma pequena parte da humanidade, aquela que professa iguais princípios e a mesma irracional fé.
Assim dizemos, porque o mundo continua à deriva, principalmente nos dias de hoje, em que os nazistas, quase nunca com esse nome, começam a dominar a política e os meios de comunicação.
Não será difícil concluir pela possibilidade de termos eventos que repitam as mesmas situações descritas no referido livro, se cada país e seu respectivo povo não atentarem para os caminhos traçados nas comunicações oficiais e oficiosas, principalmente pelo que está posto nas entrelinhas, nas palavras fantasiosas, nas frases de efeito que gritam pela liberdade individual no intuito de favorecerem os próprios desígnios de domínio coletivista.
Não é de estranhar que os que estudaram Direito e chegaram nos postos maiores da República possam justificar perseguições políticas e cooperar para enviar para as cadeias (masmorras modernas) os contrários ao regime instalado no poder.
Não é de estranhar que os que estudaram Medicina possam justificar medidas de saúde contrárias à maioria do povo, porque toda ciência fica a reboque das motivações do domínio político e de interesses econômicos escusos.
Não é de estranhar que a Diplomacia, apesar de oferecer estudos aprofundados de relacionamento entre as nações e de técnicas de aproximação dos contrários e de boa convivência, também possibilite que alguns poucos, mas que alcançam as posições de poder, fundamentem ações diversas que contradizem “in totum” o que aprenderam nos bancos da academia.
Não é de estranhar que os que se dedicam à Educação esqueçam a pedagogia e a psicologia educacional e disseminem visões estúpidas e diversificadas do próprio ser humano, concretizando as diferenças e exaltando opiniões de domínio de uma raça, de uma ideologia, de uma religião, de um sexo, e auxiliem em tais propósitos.
Não é de estranhar que os que dominam as ciências econômicas e deveriam se preocupar com a melhoria da vida, todavia, em nome de um bem genérico do povo, seus administrados, aceitem encher as “burras” do governo, com desvio do dinheiro público, e busquem a compra de votos e do favorecimento de classes específicas de trabalhadores e de órgãos pertencentes a Administração direta ou indireta, para a manutenção do grupo no poder.
Não é de estranhar que os que devem voltar seus olhos e seu raciocínio para a defesa do meio ambiente façam o possível para destruí-lo, em desproveito dos seres humanos que respiram, comem e vivem da preservação das florestas, da água e do ar.
Nada disso é de estranhar, se pensarmos que a humanidade pouco ou quase nada progrediu, em termos sociais, embora tecnologicamente tenha avançado nos laboratórios e nas máquinas.
Frankl descreve fatos que não se justificam aos olhos do mais simples dos seres humanos, e por óbvio, não se justificam (ou não deveriam ter qualquer justificativa) aos olhos daquele que dominam um campo do saber.
“Enquanto ainda esperamos pelo chuveiro, experimentamos integralmente a nudez: agora nada mais temos senão o nosso corpo nua e crua[1]... (...) Assim como a maioria de seus companheiros, o prisioneiro está ´vestido` de farrapos tais, que a seu lado um espantalho teria ares de elegância. Entre as barracas, no campo de concentração, tanto mais se entra em contato com a lama. É justamente o recém-internado que costuma ser destacado para grupos de trabalho nos quais terá que se ocupar com a limpeza das latrinas, eliminação de excrementos etc. Quando esses são transportados sobre o terreno acidentado, geralmente não escapamos de levar uns respingos do líquido abjeto; qualquer gesto que revele uma tentativa de limpar o rosto, com certeza provocará uma bordoada do capo, que se irrita com a excessiva sensibilidade do trabalhador.”[2] ... (...) “...ao ver um menino de uns doze anos, para o qual não mais havia calçados no campo e que por isso fora obrigado a ficar por horas a fio de pés descalços na neve, prestando serviços externos durante o dia. Os dedos dos pés do menino estão crestados de frio e o médico do ambulatório arranca com a pinça os tocos necróticos e enegrecidos de suas articulações”[3]...(...)...um acaba de morrer...(...) Fico observando como um companheiro depois do outro se aproxima do cadáver ainda quente; um lhe surrupia o resto de batatas encardidas do almoço; outro verifica que os tamancos do cadáver ainda estão um pouco melhores que os seus próprios; um terceiro tira o paletó do morto; outro, afinal, ainda fica contente por surrupiar um barbante de verdade – imagine. Fico olhando apático. Finalmente dou-me um empurrão e me animo a convencer o ´enfermeiro` a levar o corpo para fora do barracão (um balcão de chão batido). Quando ele resolveu fazê-lo, pega o cadáver pelas pernas, roçando-o em direção ao estreito corredor entre as duas fileiras de tábuas à esquerda e à direita, sobre as quais estão deitados os cinquenta enfermos acometidos de febre, para então arrastá-lo pelo chão acidentado até chegar à porta do barracão. Dali sobe dois degraus para fora, em direção ao ar livre – o que já é um problema para nós, debilitados pela fome crônica. Sem o auxílio das mãos, sem nos puxarmos para cima segurando nos postes, todos nós, que já estamos há meses no campo, há muito não conseguimos mais levantar o próprio peso do corpo somente com a força das pernas, para vencer dois degraus de vinte centímetros. Agora o homem chega até lá com o cadáver. Com muito esforço ele se alça primeiro, depois o morto: primeiro as pernas, depois o tronco, finalmente o crânio, que dá lúgubres pancadas nos degraus. Logo em seguida é trazido o barril com a sopa, que é distribuída e avidamente servida. O meu lugar fica em frente à porta do outro lado da barraca, próximo da única janelinha, um pouco acima do solo. Minhas mãos geladas aconchegam-se à vasilha quente da sopa. Enquanto sorvo o seu conteúdo sofregamente, por acaso dou uma espiada para fora da janela. Lá está o cadáver recém-tirado do barracão, a fitar a janela de olhos esbugalhados. Há apenas duas horas eu estava conversando com esse companheiro.”[4]
O ser humano envolvido na política e no poder, por vezes, perde-se como pessoa, e o ser humano que sofre as consequências de estar no grupo dos perdedores também perde a qualidade de ser humano. O que passam a representar? Nada.
As árvores, os pássaros, os animais em geral parecem usufruir de algo a mais.
Não podemos chegar nisso de novo. É preciso pensar, pensar, pensar e não nos envolvermos em palavras de ordem. Muito equilíbrio e muita calma e o que precisamos, ou viraremos cadáveres putrefeitos ao lado da sopa servida ou, o que é pior, trogloditas insensíveis a determinar castigos para os que não seguem as ordens do poder, bem como a escolher os que devem morrer.
O mundo pode não ser para os fracos, mas também, não é para os idiotas.
[1] P.29
[2] P.36/37.
[3] P.36
[4] P.37/38
segunda-feira, dezembro 27, 2021
Pedro Paulo Manus
quinta-feira, dezembro 23, 2021
Expectativa
Carlos Roberto Husek
A experiência pode ser representada como faróis de um carro voltados para trás. Parece de nada servir, porque a humanidade passa pelos mesmos problemas a cada ano e em cada ano os supera, em eterna repetição. (relembrando Pedro Nava)[1]
Natal, e logo depois o Ano Novo. Marcações do tempo, que
passa como atos de uma peça de teatro particular, na vida de cada um e na vida
de cada país. Dia após dia, mês após mês, ano após ano, e vamos passando com nossas
agruras, com nossos problemas, com nossos fracassos, com as nossas eventuais
vitórias. O que aprendemos? Talvez, somente a eterna repetição, não nos mesmos
moldes mas, efetivamente, parecidos. A História, e as histórias, dizem, é
cíclica, dá voltas e faz girar a roda dos acontecimentos, fazendo com que se
reproduzam, embora mudem os personagens, reencarnações similares dos antigos
que pensávamos mortos e ultrapassados.
Ouvimos os mesmos diálogos, os mesmos discursos, os mesmos
gestos, com uma ou outra pequena modificação, talvez a roupa, o cabelo, a falta
de bigodes e de chapéus e de fardas, com medalhas e decorações, e cavalos e
bandeiras, e tanques de guerra em desfile pelas ruas.
Abrem-se as cortinas do palco e sobre o tablado há uma
movimentação já conhecida; esquadrinhado em riscos transparentes, pode-se ver
com certa antecipação o que sobre ele se desenrolará. Inacreditável como somos
previsíveis!
2022 vem como vieram os anteriores e a esperança que se
renova, renova-se sempre todo ano: quem sabe, não se apresentará no cenário uma
novel figura, de diferente colorido, de palavras mágicas, de ideias concretas,
de brilho nos olhos!
Esperemos.
Esperemos que o Ministro da Educação se preocupe com a
alfabetização e a cultura das gerações em suas várias faixas, sem fazer mesuras
ao Presidente de plantão, sacrificando ideais culturais maiores e de progresso civilizatório.
Esperemos que o Ministro da Saúde busque a saúde da população
mais pobre e o estabelecimento de vacinas preventivas e a preservação da vida,
antes de tudo.
Esperemos que o Ministro das Relações Exteriores possa
orientar o governo central no estabelecimento de pontes, de diálogos, de
negociações, com todos os países do mundo e evitar fazer a divisão entre
esquerda e direita, amigos e inimigos, e outras cisões, na esteira luminosa do
Barão do Rio Branco.
Esperemos que o Ministro da Economia não sacrifique os
ditames, regras e princípios de sua área, em prol de interesses específicos de
manutenção do poder, cooperando para compra de pessoas que pertençam ao grupo
de apoio para futuras eleições presidenciais.
Esperemos que as instituições nacionais e internacionais
funcionem em bases mínimas voltadas para a coletividade e que as diferenças
raciais, religiosas, filosóficas e ideológicas sejam, efetivamente, diminuídas.
Quem, afinal, escreveu essa peça interminável de ruins e
canastrões atores? Ou é um “moto contínuo”, automático, que nos faz rodopiar e
rodopiar, sem que o raciocínio, privilégio do animal humano, aclare os fatos e
faça a espiral dos fenômenos sociais traçar uma curva um pouco maior e,
finalmente, andar, prosperar, afastar-se da mesmice, consagrando a evolução?
Será que, ainda, faremos um papel de espectadores passivos,
girando pela eternidade a roda dos absurdos?
Um Feliz Ano a todos!
terça-feira, dezembro 07, 2021
Sobre o livro “Razão Africana” - uma análise comparativa
Carlos Roberto Husek
Prof. de Direito Internacional da PUC/SP
Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito
Internacional Público e Privado
No livro “A Razão Africana – breve história do pensamento africano contemporâneo”, Editora Todavia, de Muryatan S. Barbosa (historiador sueco), há um primeiro capítulo sobre “A personalidade africana” (p.13 a 68), em cuja primeira parte, até a p.28, descreve coisas interessantes, cuja sinopse de suas principais ideias damos agora, com alguma referência comparativa com o Brasil. Nossa pretensão é a de estimular o leitor da nossa Oficina para pensar no tema. Aceitamos, de bom grado, futuras contribuições.
“No mundo contemporâneo as gerações tendem sempre a se ver
como modernas e únicas...(...) Quando essa impressão comum se transfere para o
mundo das ideias, o que se vê é a proliferação de ´novas` teorias e
interpretações. É a busca pelo ´novo` a qualquer custo que força originalidades
e omite heranças intelectuais. Como se esse ´novo` não carregasse, consciente
ou inconscientemente, sua própria carga do passado...(...) O pensamento
africano contemporâneo nasce como uma resposta das elites intelectuais da
África e da diáspora africana ao desafio europeu expresso pelo colonialismo –
mas não somente isso. É também uma resposta à grande transformação do mundo
provocada pela consolidação da Revolução Industrial, que, criou novos modos de
produção, organização social, formas de pensamento e estilo de vida. É comum
colocarmos a Conferência de Berlim (1884-85) que dividiu a África entre
potências europeias, como o marco do nascimento de uma nova era na história da
África, a Era Colonial, quando esse desafio se apresenta para todo o continente
africano...(...) Todavia, vale lembrar que, em certas regiões da África, o
processo de roedura do continente – a espoliação de bens, a divisão
geo-política por parte das nações europeias – já havia se iniciado décadas
antes...(...) Por todo continente, desde o primeiro quarto do século XIX, a
presença crescente de europeus levava vários soberanos africanos a buscar
formas de se defender por meio de uma renovação e modernização interna....(...)
Em decorrência dessa progressiva influência dos europeus nas regiões litorâneas
africanas, aumentou consideravelmente à época o número de africanos
ocidentalizados – formados nas letras europeias e com educação cristã...(...) O
mesmo ocorreu em outras regiões costeiras. Já no século XV, filhos das elites
do Reino do Congo iam estudar em Portugal. Desde o século XVIII, africanos
livres do cativeiro conseguiam se formar intelectualmente na Europa, em geral,
com a assistência dos abolicionistas...(...) Em tal contexto, em meados do
século XIX, é possível observar dois fenômenos relevantes na formação do
pensamento africano. O primeiro deles é a importância cada vez maior da
diáspora africana. Em particular aquela estabelecida nos Estados Unidos. O segundo é a consolidação do missionarismo
cristão, da Europa e das Américas, para a África...(...)
Neste espaço, diz o autor consagraram-se alguns
afro-estudinidenses, dentre eles Edward Wilmont Blyden.
“...sua trajetória: embora fosse caribenho de origem
(Ilhas Virgens), Blyden passou a maior parte de sua vida na África, vivendo na
Libéria, em Serra Leoa e em Lagos (Nigéria). Foi para lá voluntariamente, tendo
sua passagem paga pela Sociedade Americana de Colonização...(...) tornou-se
missionário, professor, político, escritor, jornalista e diplomata...(...) Em geral, ele é tido tanto como um
dos ´pais` do pan-africanismo e um dos pioneiros do nacionalismo africano.
A partir daí o autor desenvolveu o pensamento e a atuação de
Blyden, como divulgador da existência de uma personalidade africana, de um
autogoverno e de uma unidade para a África, bem como de uma volta às origens de
todos aqueles que fizerem a diáspora africana, espalhando-se pelo mundo,
principalmente fixando-se nos Estados Unidos da América.
Embora não tenhamos a mesma concepção de que houvesse uma
necessidade de volta às origens, entendemos que há sim, uma unidade africana,
apesar dos diversos povos, países e grupos raciais lá existente, pelo
menos uma unidade da África negra, não pelo seu conteúdo racial, mas
sim, pelo conteúdo histórico, uma vez que a África negra forneceu, independentemente
dos seus Estados, os escravos para a Europa, e para as Américas. As línguas, as
crenças diversas, e filosofias próprias de cada grupo, e a gênese racial
diferenciada, não foram fatores de seleção, porquanto todos ultrapassaram as
fronteiras de sua terras para servirem aos brancos colonizadores.
É certo ainda que em várias cidades os negros se juntaram em
comunidades e mantém práticas religiosas e costumes da velha África, ainda que
não a conheçam, ante a natural multiplicação de gerações nascidas em outros
países. No entanto, pode ser que pelo sangue ou pelas células tenha havido a transmissão
de uma consciência dos tempos antigos, que permitiu a reprodução de uma
singular visão da vida, como, deve acontecer com todos os indivíduos de outros
povos; japoneses, italianos, tchecos, espanhóis, portugueses, que resolvem
migrar para outras terras. É só constatar como se repetem hábitos, costumes,
alimentação e uma particular forma de ver os acontecimentos.
Assim, não só com os descendentes de africanos que se
encontram em nosso país, mas também com todos aqueles que buscam escapar de
suas origens, por vontade própria ou por necessidade. Ocorre que com aqueles
que vieram da África, em especial da subsaariana, o que ficou incrustado é o
passado escravo e de sofrimento, em relação ao qual, as leis de inclusão e de
quota, ainda pouco fazem, porque é preciso mudar o ensino, mudar a mentalidade,
mudar a essência para a verdadeira integração.
Blyden foi um intelectual que construiu argumentos para um
nacionalismo africano, um renascimento de cultura e de propósitos, que pudesse
contrariar o poder colonial. Poder que abriu caminhos marítimos regados de
sangue e de tristeza; banhados pelo banjo das músicas e dos cantos que
certamente eram entoados pelos escravos, enquanto+ remavam para terras
distantes, apartados dos seus, do seu sol – que era único -, de suas matas, de
suas aldeias, de suas cidades, dos seus entes queridos. Não reconhecer que, de
algum modo isto ficou embutido, arraigado no inconsciente de cada descendente,
é fechar a compreensão para as descobertas da Psicanálise. Temos, dentro de
nós, os nossos antepassados com suas alegrias e agruras, sagas e desvelos, o
que não impede a integração em qualquer sociedade – ao contrário enriquece-a –
bastando que essa incorporação social deva ser efetiva, verdadeira assimilação.
Se tal aconteceu com diversas nacionalidades que vieram viver no Brasil, não
parece que, o mesmo se deu com os africanos, que tiveram história mais
aflitiva, para dizer o mínimo, e não conseguiram a verdadeira integração.
Não há necessidade de desfazer a diáspora, porquanto após tantos séculos, outra diáspora ocorreria e os descendentes de escravos, não são mais escravos e sim brasileiros e tomaram pelo nascimento a nacionalidade de outros países, como a dos Estados Unidos da América. Afinal, qual de nós é autóctone desta terra, exceção feita aos índios? Devemos todos estarmos – como em grande parte já acontece - absorvidos e incorporado; amarelos, brancos, negros. O passado deve ficar como sinalização do que não mais pode acontecer, ainda que de modo indireto ou de forma velada. Esta é o único modo de reconstruir o Brasil.
quarta-feira, novembro 17, 2021
Tristes Trópicos
(O nome é emprestado e tem conotação um pouco diversa a que
lhe deu o antropólogo Cláude Levi-Strauss, apenas para efeito do presente
artigo)
Carlos Roberto Husek
Prof. de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores
da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.
Analisando o Brasil atual, das “rachadinhas”, da compra de
votos dos parlamentares para benefício da manutenção do poder, o desmonte da
cultura e da escola, o pouco apreço pelo Judiciário e pelas instituições, em
geral, a pouca leitura da Constituição Federal, salvo para interpretação em
benefício próprio, o incentivo na compra de armas, o desprezo pelas diferenças
sexuais e raciais, a busca incessante do poder e do dinheiro para o domínio sem
contestação, com a utilização de notícias falsas por intermédio da comunicação
eletrônica, a distribuição de comendas e medalhas para os apaniguados e membros
da família, desprestigiando, por exemplo, a Ordem do Cruzeiro do Sul e a do
Barão do Rio Branco, enfim, a compra pela vaidade e pela moeda, a exigência de
que se dobre a coluna servilmente perante o “trono” presidencial e a busca de
aparelhar o Legislativo e, se possível, o Judiciário, com pessoas que servem
aos propósitos da ganância dominadora, fazem concretizar estes “tristes
Trópicos”. Emprestando a este título de Claude Levi-Strauss, uma dimensão maior
e atual do que hoje se passa.
“Tristes Trópicos”, que não conseguem plantar, colher e
meditar; que não consegue subjugar a forme, que não consegue fazer valer a
decência e a moral, nunca e em nenhum sentido, que produz homens da cultura
para defender privilégios e abocanhar parte do que se retira da sociedade,
deixando à mingua os desvalidos, favelados, subnutridos de alimento e de informação.
“Tristes Trópicos”,
que vivem em pleno século XXI, como na época dos baronatos e dos escravos.
“Tristes Trópicos” que compram a consciência de cada um, e se
possível do grupo e da coletividade, fazendo com que a ciência seja
desrespeitada até por alguns cientistas, que se vendem pela ideia ou por algum
favor político.
“Tristes Trópicos”, que escondem os pensadores, porque
pensaram em desacordo com a manutenção do poder, como no caso de Gilberto
Freire, posto à marginalidade, como pária social, sem medalhas ou comendas.
“Tristes Trópicos”, onde a Cultura é simples secretaria e é
conduzida por alguém de arma na cintura, como se revivesse o faroeste dos
filmes norte-americanos, e que a pasta da Educação interfere no conteúdo das
provas para fazer prevalecer a política panegírica de centralização do mando, e
que busca separar as crianças por seus eventuais defeitos, como a animar a
criação de uma “raça pura”.
“Tristes Trópicos”, tão tristes que parecem sucumbir aos
desmandos, à corrupção, aos interesses mesquinhos, ao apadrinhamento e não têm
força para que as flores do raciocínio, da intelectualidade, do equilíbrio, não
vicejem em meio à floresta de espinhos e que não permitem quaisquer raios de
sol. Estamos no escuro, dominados pelos fantasmas da ignorância. Triste América
Latina.
Triste Brasil, que nasceu em “berço esplêndido” e agora
dormita à beira do Atlântico. Não temos, afinal, homens capazes de
sensibilidade e de pensar no todo, no próximo, na sociedade? Não temos
estadistas, mas só extrativistas gananciosos, prontos para extrair e chupar
cada centímetro do homem e da terra.
Fernando Calderón e Manuel Catells retrataram os tempos
modernos: “Nas duas primeiras décadas do século XXI quase todos os países da
América Latina viveram uma sucessão de graves crises sociopolíticas que
abalaram a estabilidade do Estado, afetando o processo de desenvolvimento em
seu conjunto. Na raiz de praticamente todas as crises havia um fator desencadeante:
a corrupção. O que os golpes militares foram no século XX como fator
perturbador do Estado e da sociedade é no século XXI a corrupção sistêmica, que
caracteriza todos os regimes políticos e destrói o vínculo de confiança entre
cidadãos e Estado, fundamento psicológico e cultural que embasa a legitimidade
da democracia. Por isso a corrupção é grave – porque, quando a América Latina
parecia enfim ter alcançado o ideal de democracia liberal pelo qual tanto
sangue, suor e lágrimas haviam sido derramados, um novo espectro começa a
corroer a institucionalidade sobre a qual o cotidiano das pessoas repousa: a
corrupção do Estado.”
Por que a Democracia é tão difícil e inalcançável?
“Tristes Trópicos”.
sexta-feira, novembro 05, 2021
SUA MAJESTADE, O PRESIDENTE DO BRASIL
Por Fabrício Felamingo
Escreveu um
antigo cônsul britânico, que por aqui viveu durante 25 anos:
“Supõe-se
comumente que os brasileiros são bons oradores. Isso não é de todo verdadeiro.
Os brasileiros são interessantes conversadores e podem sempre usar sua
linguagem de modo pitoresco. Mas seus discursos convencionais são tropicais.
(...) São poetas dos quais não se pode esperar que adiram matematicamente à
verdade.”
“Os
brasileiros que, de modo geral, são inteligentes e, em muitos ramos do
conhecimento aplicado e da pesquisa, produziram nomes que estão ou mereciam
figurar em primeiro plano, sofrem de graves defeitos de visão em matéria
política. São capazes de deixar-se levar por simples rótulos ou fórmulas da
última novidade política, seja qual for a sua origem.”
“Os
brasileiros que viajam para o exterior parecem retirar, com algumas raras
exceções, muito pouco proveito político dessas excursões.”
“O futuro
de todas as nações está nas mãos da geração mais jovem. O jovem brasileiro
(...) tem de estar em guarda contra o superficialismo se desejar prestar algum
serviço ao seu país. Foi o caminho fácil do patriotismo superficial que levou a
geração mais velha do Brasil a evitar as verdadeiras questões políticas com as
quais se defrontou, depois que o Brasil se tornou uma república”.
Salvo pela
última frase, a análise feita acima aparentaria ter sido escrita nos dias
atuais. No entanto, data de 1934 e é feita por Ernest Hambloch[1]
no livro “Sua Majestade, o Presidente do Brasil: um estudo do Brasil
constitucional (1889-1934)”, editado pelo Senado Federal no ano de 2000.
É de certa
forma angustiante ver que tais observações do inglês sobre o Brasil não apenas
permanecem válidas, como atualmente estão escancaradas, sem qualquer
preocupação com verniz de disfarce. A recente viagem do Presidente do Brasil à
cúpula do G20 (e sua não ida à COP 26) mostram isso: linguagem
pitoresca, sem aderência à verdade, impondo rótulos políticos e patriotismo
superficial, numa viagem que de forma alguma trouxe proveito político ao
Brasil.
O Brasil
parece se repetir continuamente como farsa, sem ter deixado de lado, no
entanto, o drama na vida da população brasileira, com cada vez mais desemprego,
mais mortes decorrentes da pandemia, mais inflação e desesperança dos mais
jovens em relação ao seu próprio futuro. Nisso tudo, o drama permanece e se
agrava dia a dia; na política, a farsa seria cômica, não fosse trágica.
[1]
Ernest Hambloch (1886-1970) foi aprovado em primeiro lugar no concurso para o
serviço consular britânico. Esteve a serviço em países como França, Alemanha,
Itália, Sérvia, Suíça, Áustria e viveu no Brasil durante 25 anos, tendo
visitado todos os estados brasileiros à exceção de um. Foi autor de diversos
livros e correspondente do Times no Brasil. Nas palavras do imortal
acadêmico da ABL José Honório Rodrigues (1913-1987), autor do posfácio ao livro
aqui destacado, “(e)ssa obra abalou muito minhas condições presidenciais, e
me fez pensar seriamente nas vantagens concretas e históricas do
parlamentarismo no Brasil”.
terça-feira, outubro 26, 2021
Embaixadas brasileiras: agora moeda de troca política; barganha?
Carlos Roberto Husek
Professor de Direito internacional da PUC/SP
Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado
Sobre o Barão do Rio Branco disse Levi Carneiro: “A mais
alta das razões para que ainda o evoquemos é, porém, a de que, entre
brasileiros, nenhuma outra vida de homem público merece mais ser rememorada.
Por seu devotamento ao Brasil, por sua normalidade, por sua continuidade
lógica, por sua coerência, por sua beleza. Nenhuma improvisação aventurosa.
Nenhum milagre, ainda que ocorressem algumas circunstâncias felizes. Um esforço
continuado, tenacíssimo, de todas as horas, ininterrupto, por longos e longos
anos – afinal bem recompensado. Nenhum resquício de filhotismo, de parasitismo
doméstico.”[1]
Notícia: A Ordem Nacional de Rio Branco, é uma comenda que o
presidente atribui a personalidades, pelos serviços prestados ao país e/ou por
seus méritos excepcionais, e o Presidente da República – se a notícia não for
falsa – entregou a referida comenda, dentre outros, aos filhos Flávio e Eduardo
Bolsonaro. Que análise devemos fazer desse ato?
Vamos a outro assunto, intrinsecamente ligado a este:
Proposta de autoria do Senador Davi Alcolumbre permite que
parlamentar ocupe embaixada sem deixar mandato” Notícia do Jornal “O Estado de
S. Paulo” de 22.10.2021.
E certo, que o Presidente da República, ao ser eleito, no
caso do Brasil, planeja o seu governo e escolhe os seus ministros e
colaboradores, que têm como primeiro requisito ser de confiança do presidente
embora outros requisitos sejam necessários, como capacidade técnica, não ser
corrupto, conhecer a área que assume e, de preferência, ter caminhado a sua
vida profissional, de algum modo, na área a que foi indicado para ser ministro.
E, ainda que existam casos de algum sucesso de ministros
apartados de sua área de origem profissional, e de estudos, é fato que causaria
natural estranheza um médico na pasta da Justiça ou um pedagogo na pasta
economia ou, ainda, um psiquiatra na pasta da agricultura, mas tudo é possível
se o requisito não é técnico, e sim, político.
Aqueles que se saíram bem, sem que possuíssem os requisitos
técnicos necessários, provavelmente revelaram-se equilibrados e se cercaram de
pessoas conhecedoras dos respectivos campos. Para o bem ou para o mal, é certo que na
história da república os escolhidos para ocupar um cargo ministerial, em geral,
além da confiança do ocupante do cargo presidencial também se mostraram, na
maioria das vezes, habilitados para o exercício das funções.
Entretanto, apesar de legalmente possível, surpreendemo-nos
com eventuais indicações para missões diplomáticas permanentes, de pessoas fora
da carreira diplomática. Daí vieram indicados, pelo governo “da troca de
benefícios”, alguns nomes, como, por exemplo, Marcelo Crivella, bispo da Igreja
Universal, que felizmente não foi aprovado, ou mesmo de um dos filhos do
Presidente, e outros, nenhum deles ligado à carreira diplomática.
Agora, os fatos tendem a piorar, ainda mais, as bases
institucionais. Os donos do poder, e a barganha, a pechincha, a trapaça, o
ludíbrio, a tramoia, fontes inesgotáveis de preservação das próprias áreas de
influência e de domínio, sob a capa da legalidade, estão obscurecendo o horizonte de nossa combalida democracia.
A proposta de Emenda à Constituição (PEC) endossada por
líderes do governo Jair Bolsonaro e pela cúpula do Senado, amplia e concretiza
a indicação pelo Presidente da República de embaixadores, sem que, aqueles
venham a ser indicados, parlamentares favoráveis à política governamental,
necessitem deixar de lado o mandato parlamentar! Como é possível pensar em tal
ardil? Parece que a imaginação dos que não querem um país progressista, liberal,
democrático e apostam no reacionarismo totalitário, no afastamento do povo, na
centralização das decisões, nos nichos encastelados do poder, está mais uma vez
vencendo os princípios e as regras constitucionais.
Disse o proponente que “é uma afronta ao bom senso e à
razoabilidade que o parlamentar federal possa ocupar o cargo de ministro das
Relações Exteriores, sem perder o seu mandato, e não possa ocupar o cargo de
chefe de missão diplomática de caráter permanente.” No entanto, esqueceu-se
o senador que os ministros do presidente, como os secretários de um governo
estadual e como os secretários de governo municipal preenchem cargos de
confiança do chefe do Executivo, e este pode indicar quem bem entender – embora
entendamos que a indicação deveria ter o fator técnico, como fator
preponderante, para o bem do Estado (e não para o bem do governo).
Assim, continuamos a entender que o ministro das Relações
Exteriores, deva ser de confiança do Presidente, dentre tantos da carreira
diplomática, e não outro, completamente alheio a tal carreira. Todavia, este é
um outro ponto de discussão. Agora, o
que se pretende com a indigitada PEC, é muito pior, é que a indicação dos
embaixadores possa ser moeda de troca, dos favoráveis àquele que ocupar o
Palácio do Planalto, dando uma banana para toda Diplomacia.
Triste. Muito triste, se pensarmos que, aqueles que se
dedicam à Diplomacia, são obrigados a estudar os diversos campos da vida
internacional, conhecer de economia, direito internacional, política
internacional, linguagem diplomática, organizações econômicas internacionais,
organizações de direitos humanos, funcionamento da justiça internacional e devem
estar preparados para o trabalho burocrático e para o diálogo com os diversos
povos, aptos à comunicação em inglês, francês, espanhol (saber ler, escrever,
falar, interpretar) e outras que se ensinam no Instituto Rio Branco (chinês,
árabe, russo).
Além de tudo, também mostrarem-se afetos às técnicas de
negociação e possuírem razoável conhecimento da história da política externa,
das linhas do pensamento diplomático ao longo da história, dos filósofos
maiores (Kant, Platão, Aristóteles e outros) e de doutrinadores das relações
internacionais (Rosseau, Aron, Hedley Bull, Morgenthau) e dos meios de solução
pacífica dos conflitos (diplomáticos, jurisdicionais, políticos, coercitivos).
Então, o desastre de indicações meramente políticas, com a conservação da
cadeira no Parlamento, será bem maior.
Sem falarmos no aprendizado de noções de planejamento
diplomático, não só em eventos festivos, mas, sobretudo, nos eventos
internacionais que pedem uma posição do Brasil, como país soberano. A pura e
simples indicação política de um parlamentar, da base do governo, “comandando”
no exterior diplomatas de carreira, é calamitosa, catastrófica, e diz bem do
que hoje é o Brasil na comunidade internacional: um país que não tem grandes
preocupações em ser membro dessa comunidade, ou, mesmo em ter alguma voz ativa
que justifique a sua ambição de pertencer ao Conselho de Segurança da ONU, como
membro permanente.
A Convenção de Viena, de 1961, sobre relações diplomáticas,
com cinquenta e três artigos e apêndices é a bíblia em que rezam os países
civilizados, e deve ser conhecida e estudada. Todos os parlamentares, que
querem continuar usufruindo da condição de parlamentares, sem o menor apreço e
dedicação à chefia de uma missão permanente e das vivências diplomáticas, terão
efetiva condições de representar o Brasil?
Continuamos brincando de administrar o país, somente pela
conversa e pela busca dos interesses de alguns (familiares, amigos,
apaniguados) em detrimento do bem maior.
A Diplomacia deveria ser respeitada e não merece mais este
avanço sub-reptício de concentração do poder.
Aqueles que puderem elevem suas orações, porque no dia a dia,
parece não haver saída!
[1] Haickel. M.P. “O Livro na rua. N.2. Série Diplomacia ao alcance de todos, Biblioteca do Cidadão. Barão do Rio Branco.
terça-feira, setembro 28, 2021
Sustentabilidade (Parte III)
Por Henrique A. Torreira de
Mattos
Abrangência do
conceito de Desenvolvimento Sustentável
Dos
estudos realizados sobre a Sustentabilidade até o momento, apontamos o
Relatório Brundtland como o ponto de partida para todas as discussões e
conceitos sobre o tema, norteador do estabelecimento dos planos de ação que vem
sendo tomadas pela ONU e pela sociedade civil.
Em
suma, o conceito de desenvolvimento sustentável ali descrito, de uma maneira
bem simplista, implica em dizer que o modelo adotado, precisa ser viável para o
desenvolvimento atual, mas lembrando que deve ser visto como uma forma de garantir
as necessidades da sociedade atual e das gerações vindouras, conceito muito
próximo ao previsto na Constituição Federal Brasileira de 1988.[1]
Uma
outra conclusão prevista pelo relatório é justamente uma das questões também
abordadas como uma das metas do milênio da ONU, refletida na meta de
erradicação da pobreza, visando que o desenvolvimento atinja a todos os seres
humanos, quando todas as necessidades forem supridas. Importante para este
estudo é destacar o papel das empresas com a responsabilidade social originada
das metas do milênio. Tal reflexão é importante não apenas pelo fato de gerarem
riqueza, mas pelo seu papel social de distribuí-la com a sociedade gerando
novos empregos, mas também pelos trabalhos assistenciais às comunidades.
Segundo
Luiz Sérgio Philippi[2], neste contexto,
analisa-se a visão econômica de que deve atender demandas e não necessidades,
ou seja, quando existem demandas a serem supridas, isto quer dizer que existe
capacidade econômica para que esta aumente e promova o desenvolvimento
econômico. Havendo apenas necessidades, existe carência de desenvolvimento
econômico, pois não existe economia formada ou estruturada capaz de
possibilitar o desenvolvimento.
“Satisfazer as
necessidades e as aspirações humanas é o principal objetivo do desenvolvimento.
Nos países em desenvolvimento, as necessidades básicas de grande número de
pessoas – alimento, roupas, habitação, emprego – não estão sendo atendidas.
Além dessas necessidades básicas, as pessoas também aspiram legitimamente a uma
melhor qualidade de vida. Para que haja um desenvolvimento sustentável, é
preciso que todos tenham atendido as suas necessidades básicas e lhes sejam
proporcionadas oportunidades de concretizar suas aspirações a uma vida melhor.” [3]
O
Desenvolvimento Sustentável é, portanto, uma conjunção de fatores políticos,
econômicos, ambientais e sociais, em âmbito global, onde todos os agentes,
entendendo-se como agentes os Estados, as entidades privadas, ou melhor, toda a
sociedade internacional e a sociedade civil global, se movimentam para buscar
uma continuidade para as gerações futuras, visando manter padrões de dignidade
humana e sobrevivência (no âmbito social) e competitividade (no âmbito
econômico).
Do
ponto de vista prático, Naná Mininni-Medina exemplifica algumas das dimensões a
que se deve priorizar como:[4]
(i)
Agricultura sustentável: novos modelos de
desenvolvimento, através novas políticas de ocupação do solo, produção,
comercialização e crédito rural;
(ii)
Sustentabilidade nas cidades: adequação
dos espaços urbanos para o desenvolvimento das atividades, boas condições de
moradia, transporte e lazer dentre outras;
(iii)
Infra-estrutura sustentável: eficiência da
matriz energética brasileira, investimentos em novas tecnologias para geração
de energias limpas e alternativas;
(iv)
Redução de desigualdades: diminuição da
pobreza, acesso aos recursos, inclusão social, controle do consumo;
(v)
Ciência e tecnologia: maiores
investimentos em ciência e tecnologia, com aplicação na educação e pesquisa.
Como
visto acima, os pontos acima destacados por Mininni-Medina, são as questões
basilares a serem observadas para um crescimento sustentável brasileiro. Do
ponto de vista internacional, a inclusão de um Estado na vida internacional
depende também, de certa forma, que estes pilares sejam observados, entretanto,
do ponto de vista das relações internacionais, é notória a distância evolutiva
existente entre alguns Estados, motivo pelo qual, o desenvolvimento não é
equânime em todas as partes do globo.
Já
no entendimento de Osires Carvalho e Osório Viana, o desenvolvimento
sustentável deve ser observado através de três dimensões bem definidas, quais
sejam: crescimento econômico, equidade social e equilíbrio ecológico, indo ao
encontro ao Relatório Brundtland, pois confirma da mesma forma o triple-bottom
line de equilíbrio.[5]
Além
disso, confirma que outro ponto de extrema importância é o fato de que deve
haver a diminuição da pobreza, bem como a utilização de recursos renováveis.
Também descreve a importância do desenvolvimento tecnológico para o
desenvolvimento de tecnologias alternativas de menor impacto ambiental. Na
ceara econômica os autores afirmam que uma economia sustentável é aquela que
obtém sucesso no equilíbrio social e não através do lucro empresarial.
Neste
sentido, Maria Leonor Lopes Assad e
Jalcione Almeida entendem que há uma inequívoca sinalização, para
políticos, empresários, profissionais, ativistas e para a população em geral,
de que só haverá desenvolvimentos sólidos, permanentes e sustentáveis se os
três pilares puderem ser articulados, tornando-se interdependentes. Superar a
velha tradição do trabalho isolado, por segmentos, certamente não é tarefa das
mais fáceis. Afinal, enquanto proliferam especialistas em meio ambiente
formando um campo próprio de interesses, ecologistas de variados matizes
esforçaram-se por criar uma não muito nítida onda verde de proteção,
economistas continuaram ditando as cartas na política como se tudo dependesse
do PIB e da taxa de inflação e defensores do social permaneceram restritos a
suas especialidades (saúde, educação, nutrição, previdência, etc.). Avançamos
bastante nas áreas específicas, mas pouco fizemos para que elas se tornassem
mais solidárias. É frequente ver os especialistas acusando-se mutuamente,
quando deveriam concentrar seus esforços no encontro e no estímulo de ponto que
possam levar a um relacionamento crescente.[6]
[1] Artigo 225 da
Constituição Federal Brasileira, consolidada conforme emenda 57. Art. 225. Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
[2] PHILIPPI, Luiz Sérgio. A Construção do Desenvolvimento Sustentável. In.:
LEITE, Ana Lúcia Tostes de Aquino; MININNI-MEDINA, Naná. Educação Ambiental (Curso
básico à distância) Questões Ambientais – Conceitos, História, Problemas e
Alternativa. 2. ed, v. 5. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2001.
[3] PHILIPPI, Luiz Sérgio. A Construção do Desenvolvimento Sustentável. In.:
LEITE, Ana Lúcia Tostes de Aquino; MININNI-MEDINA, Naná. Educação Ambiental (Curso
básico à distância) Questões Ambientais – Conceitos, História, Problemas e
Alternativa. 2. ed, v. 5. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2001. p.304.
[4] MININNI-MEDINA, Naná. Educação Ambiental - Documentos e
Legislação da Educação Ambiental. 2. ed, v. 5. Brasília: Ministério do Meio
Ambiente, 2001.
[5] CARVALHO, Osires; VIANA, Osório. “Ecodesenvolvimento e equilíbrio
ecológico: algumas considerações sobre o Estado do Ceará”. Revista Econômica do Nordeste.
Fortaleza, v. 29, n. 2, abr./jun. 1998.
[6] ASSAD, Maria Leonor Lopes; ALMEIDA, Jalcione. “Agricultura e
sustentabilidade: contexto, desafios e cenários”. Ciência & Ambiente, n. 29, 2004.