segunda-feira, maio 18, 2015

A nau dos desgraçados

    



    Reeditamos em pleno século XXI (hoje com base em outras causas e finalidades) antigas práticas de jogar a bordo de embarcações os portadores de doenças incuráveis e que pudessem representar algum perigo para a comunidade e os loucos, sem possível tratamento.

    Segundo noticias, mais de 25 mil pessoas foram lançadas ao mar, em barcos precários, para fugir às perseguições políticas, étnicas e religiosas! Comerciantes do crime - traficantes de pessoas - facilitaram  a fuga de desesperados, de suas pátrias de origem, com promessas vazias ( em troca do pagamento de cerca de US$ 2.000 seriam conduzidos aos campos da Tailândia, para atravessar a fronteira rumo à Malásia) mas os abandonaram em meio de águas internacionais, uma vez que os países desejados não aceitaram tais migrantes e eles não têm como retornar aos seus países de origem.

    Há necessidade do sistema jurídico internacional (composto de organizações internacionais, convenções sobre direitos humanos, princípios e costumes internacionais) reagir de forma exemplar para combater dois problemas específicos: um, os Estados, que governados por desajustados, atuam de forma não condizente, sacrificando o próprio povo em cumprimento a um desiderato de domínio absoluto das próprias razões (razões dos governantes), que se arvoram como porta-vozes da vontade do Estado e, dois,  a ineficácia dos mecanismos de defesa dos direitos humanos, que embora escudados em vasta rede de tratados internacionais e contando com organismos voltados à consecução dos seus ideais, não consegue obter a afirmação de tais direitos.

    A vida internacional ainda reafirma, na sua realidade mais crua, as atividades dos Estados, que atuam, se unem e se perpetuam com o objetivo de satisfação de seus interesses econômicos e políticos; mas, se assim é a realidade da vida social no contexto da comunidade internacional, aos poucos aparece, aqui e acolá, a preocupação com o ser humano. Não há incorreção do sistema quando prestigia a soberania dos Estados, porque afirma um princípio de sempre, caro ao Direito Internacional, embora tal soberania tenha sofrido nos últimos tempos uma queda acentuada na sua concepção clássica. Desse modo, o prestígio de tal soberania, no entanto, deve levar em conta alguns aspectos, como: a concepção amenizada do sentido das fronteiras estatais, a economia dos Estados como vasos comunicantes, necessidade de relacionamento entre os Estados, independentemente das respectivas ideologias e formas de governo e as portas abertas de organismos internacionais para reclamações de seres humanos contra os países em que nasceram, em virtude de desmandos e desrespeitos a regras internacionais de proteção. Esta é a soberania como atualmente deve ser vista e exercida. A soberania do Estado deve ser exercida de forma a compor um mundo que não sobreviverá (em tempos de mudança das mínimas condições ambientais de manutenção da vida na Terra) sem a cooperação dos Estados. Cooperação é a palavra. Cooperação para quê? Não, para manter o domínio econômico, militar, político, dos  Estados  mais fortes sobre os mais frágeis. Não, para reavivar guerras religiosas. Não, para alimentar sonhos de domínio de governantes inescrupulosos. Não para sobrelevar interesses econômicos (caixa dos Governos para manutenção do poder) em detrimento do bem estar da população local. Cooperação para buscar um caminho de natural convivência, em que se respeitem a soberania e os interesses dos Estados e os direitos do ser humano. Na verdade, não há, ou não deveria haver divórcio entre tais direitos e os interesses políticos dos Estados, porque o Estado nada mais é do que uma ficção criada pelo próprio ser humano para a sua sobrevivência. 

    Nunca é demais recordar, um Estado é composto de povo, território e poder, bem como da capacidade de relacionar-se no mundo internacional. Desses elementos, sem dúvida, o principal, como base sobre o qual os demais se edificam é o povo: território sem povo, não é nada; poder sem povo, é poder nenhum; relacionamento internacional sem povo, é um relacionamento sem lastro. O povo, se organizado, se consistente, se possuidor de alguns laços de união (psicológica, social, jurídica) conquista o território, organiza o poder e se faz relacionar, em nome desse poder, com os demais Estados do mundo. A importância do povo (expressão equívoca e que melhor necessita ser estudada) está em ser a soma qualificada dos indivíduos. Direitos individuais, garantias individuais, direitos e garantias sociais, direitos humanos, direitos fundamentais, refletem expressões que notabilizam o ser humano como detentor de direitos em face de qualquer Estado, qualquer governo, qualquer ideologia. O Direito Internacional moderno não é mais - e não pode ser - o Direito dos Estados, mas o direito do ser humano, na sua coletividade, nas suas representações, nas organizações que cria, por si ou por outras organizações maiores. Sem embargo, de falar o óbvio - tão óbvio, que parece sem importância - as criações do Direito não terão muito sentido se não voltadas, direta ou indiretamente para os seres humanos. O Direito estatal é assim. O Direito Internacional assim é. Em um mundo sem fronteiras - reconheçamos, de início, que a importância que as fronteiras têm é meramente demarcatória para algumas finalidades político-jurídicas - o Direito Internacional necessita pensar melhor a finalidade de suas principais instituições.
    
    A nau dos desgraçados é a desgraça do mundo e o fracasso das instituições. A ONU, os organismos internacionais e os Estados soberanos necessitam dar respostas urgentes para essa situação, enquadrando os Estados descumpridores das regras internacionais ( a força do Direito, se necessária pelo exercício da força internacional desse mesmo Direito) e a proteção urgentíssima de seres humanos jogados ao mar, como subprodutos da humanidade.

    Deixar morrer de fome, sede e doenças, pessoas que não conseguem pisar em terra firme, por desmandos do poder dos Estados nacionais e pela interpretação errônea da soberania estatal, como garantia de uma política interna de governo, é simplesmente virar as costas para o que já foi construído, em termos de avanço social e jurídico pelo mundo. 
Enfim, os direitos humanos não podem ser a base apenas dos discursos e da elaboração de regras internacionais bem intencionadas: mas, o verdadeiro escopo do Direito moderno, estatal ou internacional. Lembremos, que a própria ONU foi criada, para que não mais "O povo das Nações Unidas" sofressem os horrores de uma futura da guerra. A expressão "povo" e não "Estado" no Preâmbulo da Carta, é significativa e impõe um novo rumo ao Direito Internacional.

    Será que todas as Declarações e Convenções negociadas, assinadas e ratificadas pelos Estados, a exemplo de:  "Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; Declaração Universal dos Direitos Humanos; Convenção e Repressão do Crime de Genocídio; Convenção sobre Asilo Territorial; Convenção sobre Asilo Diplomático; Pacto internacional dos Direitos civis e Políticos; Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento; Convenção sobre o Direito da Criança; Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional; Estatuto dos Refugiados; Convenção para Prevenir e Punir Atos de terrorismo. Configurado em Delitos contra as Pessoas e a Extorsão Conexa; Convenção sobre a Repressão e Punição ao Tráfico de Pessoas  e outras, não meros papéis que devem ser jogados ao lixo oceânico e afundados com os corpos que vagam sem rumo em águas internacionais? Se o sistema internacional de Direito não tiver mecanismos para resolver este problema ...então!...precisaremos repensar o Direito Internacional.  


CARLOS ROBERTO HUSEK .

domingo, maio 17, 2015

O direito à deriva


A notícia de que a Indonésia rebocou para o alto-mar embarcações com refugiados, retirando-os de seu mar territorial e abandonando-os, é daquelas que provam que nunca vimos de tudo nesta vida. Milhares de pessoas têm tentado ingressar em países europeus ou asiáticos, fugindo de perseguições brutais (por motivos nacionais ou religiosos) e situações de pobreza extremada. Nos últimos dias a imagem dos barcos de traficantes de pessoas tem sido a tônica, sempre mostrando embarcações abarrotadas de pessoas à míngua. As privações pelas quais passam, especialmente a falta de água e comida, são tenebrosas.

Os países tentam evitar o ingresso dessa população empobrecida, à qual costuma-se denominar como formada por “migrantes” ou “imigrantes”, levando a uma conotação algo pejorativa (ainda que essas palavras, por si mesmas, não tenham tal atributo). Não se costuma usar “imigrante” para, por exemplo, denominar um alto executivo estrangeiro recém chegado para trabalhar numa sucursal de sua empresa. Tampouco para um chef de cozinha que resolva mudar definitivamente para outro país, onde abre um restaurante de sucesso (este último com certeza será chamado de “radicado” no país que escolheu viver, isto é, resolveu fincar raízes noutro país). O fato dessa população ser objeto de tráfico de pessoas apenas colabora para essa impressão negativa.

Noves fora essa questão semântica, que acaba por turvar um pouco nosso discernimento, há a questão da proteção dos direitos humanos, outro tema que dá margem a interpretações distorcidas na busca de invalidar a ideia de que os indivíduos têm direitos humanos apenas por serem humanos. Não cabe aqui apresentar uma resposta a esta questão. Tomado como princípio que sim, os indivíduos todos têm direitos apenas por serem humanos, e que fronteiras nacionais são importantíssimas mas não mais que os direitos básicos dos seres humanos, está demonstrada que a entrada dessa população deve ser autorizada, por um simples critério de humanidade. A criação da ONU e outras tantas organizações internacionais serve também para isso: auxiliar a gerenciar (e financiar na medida do possível) estas situações, ainda que a situação econômica mundial não seja a mais próspera. Uma vez acolhida a população, à qual o direito corretamente denomina como refugiados, não imigrantes, até porque deles não há exatamente uma escolha para onde ir, mas um lugar de onde fugir, o Estado acolhedor pode solicitar às demais nações, diretamente ou via organizações internacionais, um trabalho de coordenação para a melhor proteção e eventual distribuição dessa população por outras nações.

São vários os tratados e protocolos internacionais a regular a situação dos refugiados, buscando sempre uma forma de acolhimento e proteção básica. Naturalmente, não se trata de permitir o ingresso desordenado de pessoas a quaisquer países, mas de balancear o direito dos Estados a controlar suas fronteiras com a proteção mínima que deve ser dada a quem está em situação de extrema pobreza ou perseguição. Isso tudo, claro, sem levar-se em conta o motivo que gerou a perseguição (muitas vezes guerras civis direta ou indiretamente financiadas pelas nações mais ricas).

No entanto, ao rebocar as embarcações para o alto-mar, a Indonésia “resolve” o problema de receber essas pessoas, dando as costas não apenas a elas mas também às outras nações. Naturalmente não se pode obrigar um país a acolher quem quer que seja, mas abandonar seres humanos à própria sorte, literalmente à deriva, além de inacreditável definitivamente não pode ser aceito como a solução mais adequada.

Publicado originalmente no Estadão Noite de 15 de maio de 2015.

quarta-feira, março 04, 2015

A deportação de Battisti


O Poder Judiciário brasileiro reconhece que um estrangeiro cometeu crimes em outro país e, na impossibilidade legal de extraditá-lo, determina que deva ser deportado. Extradição é a entrega do estrangeiro ao país onde o crime foi cometido, mediante solicitação deste mesmo país. Deportação, por outro lado, é a retirada compulsória de estrangeiro de nosso território, pela irregularidade de seu ingresso ou permanência. Por exemplo, entrada sem visto. Naturalmente, o estrangeiro criminoso não solicitou visto ao fugir para o Brasil, mas veio valendo-se de documentos e nome falso. Assim, em teoria, a deportação é cabível.

Não, não estamos falando do caso Cesare Battisti, mas do inglês Ronald Biggs. Biggs participou de roubo ao trem pagador, foi condenado e preso mas posteriormente conseguiu fugir para o Brasil, usando nome falso para ingresso. Na época, a decisão do Judiciário foi pela não concessão da extradição (não havia tratado de extradição entre Brasil e Inglaterra, o que na prática impediu a extradição; esse tratado foi firmado após um fugitivo nosso ser descoberto gozando boa vida em Londres: “PC” Farias, ex-tesoureiro da campanha de Collor à presidência, mas essa é outra história).

A questão que permanece é o que fazer com o estrangeiro que, mesmo tendo efetivamente cometido crimes lá fora, não possa ser extraditado. Biggs e Battisti, por motivos distintos (mas igualmente dentro da nossa legislação) não foram extraditados. À época do caso Biggs, a Justiça observou isso e entendeu que ele não deveria permanecer no Brasil, devendo ser deportado para outro país que aceitasse recebê-lo e se comprometesse a não extraditá-lo para a Inglaterra. Caso contrário, acabaria ocorrendo verdadeira extradição sem consentimento do Brasil, algo que, além de diplomaticamente problemático, nossa legislação também prevê e impede.

A recente decisão da Justiça Federal de determinar a deportação de Cesare Battisti segue a mesma linha. A extradição de Battisti não foi aceita pelo Brasil. Aqui, independente de concordar ou não com a decisão de Lula, temos que observar que o então presidente agiu de forma legítima, dentro dos limites da competência dada pela Constituição ao ocupante do cargo. O STF verificou a possibilidade jurídica da extradição e Lula, usando de sua atribuição constitucional, optou por não extraditar.

Se o Brasil entende por qualquer motivo que um estrangeiro não deve ser extraditado, parece lógico que dê a ele uma mínima proteção, seja permitindo a permanência pacífica em seu território, seja ajustando sua deportação a outro país que se comprometa a mantê-lo em seu território, não o entregando ao Estado a quem originalmente o Brasil decidiu por não extraditar. Difícil, no caso, é encontrar país que aceite o estrangeiro nessas condições. No caso de Battisti, a decisão judicial cita México e França, países por onde passou antes de chegar ao Brasil. Nada, no entanto, os obriga neste momento a recebê-lo de volta.

Não basta a decisão judicial, deve haver condições para sua implementação. A cereja no bolo é que, se Battisti novamente conseguir permanecer no Brasil, as emoções na Itália serão reavivadas e a possibilidade de Henrique Pizzolato, condenado no caso mensalão, ser extraditado para o Brasil diminuem ainda mais. Lá, a decisão agora caminha para o estágio político, o mesmo estágio que, no Brasil, acabou por garantir a não extradição de Battisti.


(Em tempo: Biggs acabou ficando no Brasil praticamente a vida toda, voltando para a Inglaterra já mais idoso, quando quis.)

Publicado originalmente no Estadão Noite de 03.mar.2015

terça-feira, janeiro 20, 2015

À Espera do Direito

    

 crédito da imagem: site uol

Apenas por amor ao debate, vamos contrariar um pouco o articulista e todos que estão consternados com a morte do brasileiro na Indonésia. Antes, nunca é demais estabelecer um parâmetro de pensamento a que nos filiamos: somos contra a pena de morte.

    Todavia, o que aconteceu na Indonésia foi a afirmação de um sistema jurídico e de uma política soberana. Cabia ao governo brasileiro fazer o que fez, pedir clemência (uma, duas, três vezes) e quantas necessárias, mas só. Não é possível transformar em uma questão de Estado, e portanto, internacional, chamando o embaixador brasileiro com possível rompimento das relações diplomáticas, o fato da Indonésia resolver cumprir as suas próprias leis. Em termos internacionais, a Indonésia apenas fez cumprir o seu sistema jurídico (legalidade). Quantas e quantas vezes o Brasil, na sua história, não determinou a morte de opositores ao governo, sem respaldo legal? Entretanto, também aqui não é possível confundir. O brasileiro Archer não se opôs ao governo da Indonésia, nem representava qualquer facção política ou ideológica, não era um ativista político nem tinha preocupações humanitárias, Não. Entrou com 13 quilos de cocaína, em uma prancha, no território de um país soberano que combate as drogas. O máximo que poderíamos fazer é uma crítica ao sistema do país soberano, mas não entender que a execução de suas próprias leis internas, por eles aprovadas legalmente, com apoio da população e com promessas de cumprimento por parte do governo eleito, ofenda o Brasil. O chamamento do embaixador brasileiro para esclarecimentos é possível; o eventual rompimento diplomático por este fato, não. 

    Lembramos que nos EUA alguns estados norte-americanos contém pena de morte, bem como outros países, e não nos ocorre um protesto contra tal situação e o abalo de relações diplomáticas ( a menos que haja um brasileiro envolvido!?).

    Devemos lutar, como princípio, contra a existência de morte legalizadas pelo Estado, na área internacional, na vida internacional, o que não implica em rompimentos diplomáticos com os países que a praticam, salvo se este (o rompimento) for efetivamente uma política de Estado, constitucionalizada, que nos impeça de ter relações com quaisquer países que acolham a pena de morte (não importa a importância ideológica,  econômica, militar e política) do país e não importando se existem brasileiros envolvidos ou não. Como se vê, vai ficar difícil, no mundo atual, mantermos uma relação diplomática pragmática e que vise, de forma específica, os interesses maiores do Estado e de seu povo.
É uma pena que existam países que mantenham a pena de morte como forma de combater o crime (isto acho eu, que sou humanista, mas há muita gente boa que entende de forma contrária), mas há necessidade de separar o que é política de Estado, nos termos da Constituição, e crítica indevida com consequências funestas para o relacionamento internacional, de um para outro Estado, de forma fisiológica. É assim que temos agido na área internacional, nos últimos tempos. A Indonésia é um país soberano que está cumprindo o seu sistema interno, ponto. E mais, o brasileiro que carregou drogas para aquele país, não estava certo ( ou estava?). Lamentamos que tenha havido a execução, entretanto o governo brasileiro deve, como fez, fazer os apelos internacionais necessários para proteger um seu nacional, mas não pode entender que a Indonésia, ao cumprir as suas leis, ofenda o Brasil ou abale as suas relações internacionais com o nosso país, mesmo porque, bem ou mal ( talvez, de modo errado, em nossa opinião) ela, Indonésia, está combatendo a propagação de drogas, que levam no entender de seus legisladores, os jovens a marginalização, o país à bancarrota, à destruição das famílias e da própria sociedade. 

    Também não vale justificar um eventual rompimento das relações diplomáticas, dizendo que o sistema da Indonésia é contraditório, porque existe muita corrupção dentro do Estado, e as drogas circulam até como moeda de compra para determinados efeitos (entrevista em jornal de um amigo de Archer). Ora, este é um problema interno, deles, e não nos cabe afirmar a justiça ou a injustiça da condenação pela contradições internas de um determinado sistema jurídico, para os efeitos de uma determinação política maior, salvo se ocorrer em uma análise clara, objetiva e específica com uma manifestação do Estado, sem tornar isso o fulcro de uma escaramuça internacional.

    Podemos impor nossa vontade à soberania da Indonésia? Somos claros e objetivos em relação aos cubanos e seu sistema jurídico, ao Irã, ao da Argentina, ao da Venezuela, enfim, aos que consideramos amigos, embora, em muitos deles, para não dizer na totalidade dos mencionados Estados, os valores maiores da liberdade e da dignidade humana, presentes na Constituição brasileira, (direitos fundamentais) são diariamente desrespeitados (não sei se presentes nas leis fundamentais de tais Estados)? É de se perguntar; se um infausto acontecimento, igual da Indonésia, acontecesse nestes países com um brasileiro, também chamaríamos o embaixador  brasileiro e tenderíamos a romper nossas relações diplomáticas?

    Enfim, é necessário raciocinar: se o Brasil vier a romper relações diplomáticas com a Indonésia, estará agindo corretamente? Todavia, tal questão só cabe aqui, nesta discussão acadêmica, porque o Brasil, por enquanto, não tomou tal atitude.
Muitos poderão afirmar que o Brasil é soberano para romper relações diplomáticas, e terão razão (embora, entenda que a motivação está equivocada). De igual modo, digo, a Indonésia é soberana para fazer cumprir suas leis (embora, não concorde com o sistema jurídico daquele país).

    Regredimos...Vivemos num mundo de paixões tribais. As conquistas da civilização (ou o que consideramos civilização), sistema jurídico, soberania, fronteiras, combate ao crime - que deve ser internacional - dignidade da pessoa humana, liberdade de imprensa - caso Charlie (pela violência física, praticada dentro do Estado francês, contra manifestação cultural, esta, permitida pelo sistema jurídico francês: não discuto razões religiosas)- razões sociais como fundamento de atuação do Estado, estão sendo engolidas pelo fanatismo, pela irmandade ideológica e religiosa e outras, irracionais manifestações, de indivíduos, de grupos de indivíduos e, por vezes, do próprio Estado. Acredito que o Direito, aprimorado pelas aquisições históricas, pelos embates contra força, baseado nas razões maiores dos seres humanos, é o único caminho. Não há como esquecer uma frase antiga e sempre bem posta: o direito de um vai até onde começa o direito de outro.


Carlos Roberto Husek 

sábado, janeiro 17, 2015

À espera de um milagre


crédito da imagem: wikipédia

Como se costuma dizer, nada é certo nesta vida, exceto a morte e os impostos. À morte ao menos temos o benefício da dúvida de quando ocorrerá, o que nos permite fingir que somos eternos e com isso levar a vida. Isso não vale mais para o brasileiro Marco Archer Moreira, que neste domingo à tarde morrerá executado a tiros na Indonésia pelo crime de tráfico de drogas, aguardando por este momento preso há uma década. O governo brasileiro solicitou algumas vezes ao longo desse tempo que a Indonésia o mantivesse preso mas não o executasse, sem sucesso contudo. A última tentativa infrutífera ocorreu hoje, com nova tentativa da presidente Dilma Rousseff em ligação com o presidente indonésio Joko Widodo.


Uma conduta qualquer pode ou não ser crime, a depender de circunstâncias as mais variadas. A evolução (seja no sentido de desenvolvimento, seja no mero sentido de passagem do tempo) da sociedade pode levar uma conduta considerada crime em determinada época deixar de ser depois (no Brasil, o adultério é um exemplo, embora o clássico que sempre é citado seja o álcool nos Estados Unidos de Al Capone) ou o contrário, algo que antes era aceito deixar de ser (como a escravidão). Condições territoriais também influenciam, já que cada país determina, em seu território, quais condutas serão ou não tipificadas, vale dizer, consideradas criminosas (exemplos disso são a prática de jogos de azar, aborto, prostituição). Condições religiosas e culturais igualmente influenciam a legislação de cada Estado e todas essas circunstâncias influenciam igualmente qual penalidade será aplicada a quem comete tais condutas (multa, prestação de serviços, restrição de direitos, restrição de liberdade, pena de morte).


O Estado brasileiro age corretamente ao esforçar-se em tentar evitar a execução de seu nacional pela Indonésia. É obrigação do Estado a proteção de seus nacionais, embora naturalmente essa proteção em território estrangeiro fique muitas vezes reduzida a tratativas diplomáticas e políticas. A tentativa é a de evitar a aplicação de pena de execução que o Brasil não admite. Não se trata de alegar inocência ou mesmo tentar que seja libertado, mas apenas que não seja morto, como não seria se o crime fosse cometido no Brasil.


Como se sabe, a esmagadora maioria dos países no mundo não condena atualmente criminosos à morte, sendo que a maior parte não tem mais essa pena prevista em lei e, alguns poucos que ainda a tem, evitam aplicá-la. Quando se trata de país que a prevê e ainda a aplica, ainda assim há subterfúgios políticos, como a solicitação de indulto ao Chefe de Estado, para evitar sua aplicação. A pena de morte na realidade acaba por pairar em muitos casos mais como ameaça do que como realidade, exceto, evidentemente, àqueles condenados que, após anos ou décadas de espera, são mortos. Há uma relação direta entre o estágio democrático de um país e a previsão ou não de pena de morte em sua legislação, sendo os EUA e o Japão os pontos fora dessa curva, ao lado de países como Coreia do Norte, Irã, Somália, Paquistão e alguns outros que condenam criminosos à morte. O índice de crimes não diminui com a pena de morte ou os países citados seriam oásis sem criminalidade alguma. Apenas o desejo difuso de vingança é atendido.


Se condutas tidas como criminosas e suas penas são modificadas ao sabor do momento da sociedade, nada traz novamente à vida alguém executado, mesmo que no futuro a conduta que o fez ser condenado não seja mais considerada crime ou a pena não seja mais aquela outrora estabelecida, ou ainda o presidente de plantão seja mais clemente. Resta a indignação e a tristeza, com a morte anunciada e com mortes como a da brasileira Haíssa Vargas Motta, jovem de 22 anos igualmente morta a tiros de fuzil, porém pela polícia no Rio de Janeiro, ceifada da vida pelo Estado sem anúncio, sem aviso, com certeza absoluta sem o esperar.
(publicado originalmente no Estadão Noite de 16/jan/15)


Nota: O brasileiro Marco Archer Moreira foi executado hoje, 17 de janeiro, às 15h31, Hor. Brasília

sexta-feira, janeiro 09, 2015

A (in)tolerância de cada dia - aspectos sobre o atentado em Paris


crédito da imagem: revista época

O atentado brutal ocorrido em Paris nos leva a uma natural consternação, assim como algumas constatações, mas poderia servir igualmente a uma reflexão em relação a (in)tolerância nossa de cada dia.


A primeira constatação, desde os primeiros instantes entendida por todos, é a do ataque à liberdade de expressão e de imprensa, uma vez que a violência foi feita contra cartunistas e jornalistas em seu local de trabalho como suposta represália à críticas contidas em charges publicadas pelo periódico Charlie Hebdo.


Um segundo aspecto é que a tática utilizada desta vez não foi a da intimidação pelo terror à esmo, cometido contra inocentes desconhecidos em aviões, torres de escritórios ou estações de metrô, mas contra alvos determinados, disseminando portanto não apenas o terror generalizado mas a mensagem de que alguma "justiça" ou mesmo vingança divina estava sendo realizada.


Os que atacam, talvez vinculados diretamente ao Estado Islâmico ou apenas lobos solitários de uma causa que entendem sagrada, o fazem imbuídos da certeza da defesa de valores que teriam sido violados nas representações artísticas do jornal.


A mensagem que conseguem transmitir, paradoxalmente, é justamente a oposta, a da mais profunda intolerância. E não apenas contra a liberdade de expressão, direito que fazem questão de não reconhecer, mas também contra a liberdade religiosa, a qual inclui também a liberdade de não crer em nada ou crer na inexistência de algo maior.


De toda forma, o atentado brutal, o maior em meio século na França, tem proporções muito menores que outros cometidos na década passada, na medida em que a silenciosa colaboração e cooperação estratégica entre os países têm dificultado que grupos extremistas possam levar a cabo ações mais espetaculares. Esta constatação empírica mostra que, se não há como serem evitados na totalidade atentados terroristas, há como os Estados organizarem-se de forma mais profícua em termos de troca de informações e melhorar a segurança e vigilância geral.


A ação terrorista agora claramente é dirigida ao "inimigo" mais à mão, alvo mais fácil de atingir como uma redação, tornando-a relevante não pela grandiosidade mas pelo seu suposto sucesso. Se de alguma forma jornais e cartunistas deixarem de publicar trabalhos semelhantes aos do Charlie Hebdo, o sucesso da ação criminosa estará alcançado.


Há, porém, uma reflexão doméstica igualmente possível de ser feita. Não há intolerância semelhante no Brasil (os bem mais que doze torcedores de futebol mortos ao longo dos anos por aqui talvez discordem, lá do além, juntamente com aqueles criminosos julgados e condenados à morte "em confronto" com a polícia, e paro nestes exemplos) mas igualmente não se vê uma defesa intransigente das liberdades por aqui e ultimamente boa parcela da população flerta inclusive com ideias que representam a diminuição ou cerceamento de tais liberdades.


Isso talvez ocorra pelo desconhecimento da importância desses e outros direitos e garantias fundamentais à pessoa humana, mas claramente existe um sentimento de intolerância que vem se aprofundando. Ainda que sem paralelo com a brutalidade da ação em Paris, qualquer grau de intolerância é perniciosa e o exemplo extremo de ontem apenas demonstra isso com inegável nitidez.


A resposta talvez não seja apenas mais liberdade de expressão ou liberdade religiosa, mas sim mais tolerância e, especialmente, mais entendimento do porquê dessas liberdades. A defesa intransigente dos direitos humanos, dos quais fazem parte tanto a liberdade de expressão e de imprensa quanto a liberdade religiosa, deveria pautar as manifestações de solidariedade que se apresentam não apenas em Paris mas em vários países, inclusive no Brasil.


(publicado originalmente no Estadão Noite - 08/01/2015)

quinta-feira, julho 17, 2014

Pressão pela paz na Faixa de Gaza deve ser bem orquestrada.


crédito da imagem: (Foto: Reprodução)

O recrudescimento da violência e ameaças de invasões e guerra entre israelenses e palestinos volta a preocupar o mundo, aparentemente ao mesmo tempo em que Israel parece novamente mandar às favas a opinião internacional, dizendo que a cada momento um ataque terrestre está mais próximo, como fez nas últimas horas o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A história e o direito internacional nos mostram que a solução pacífica de litígios internacionais é alcançada de diversas maneiras, mas no caso deste conflito tudo leva a crer que somente uma ação coordenada possa vir a saná-lo.

É enganoso imaginar que o país que talvez tenha tido o maior apoio internacional na história contemporânea para seu surgimento agora esteja dando as costas a essa mesma comunidade internacional. Israel sabe que não pode deixar de ouvir a opinião da ONU e de outros países na questão, mas ao mesmo tempo tem que dar uma reposta ao seu público interno, reforçando sua soberania que, afinal, é um dos motivos e uma das características principais de qualquer Estado.

O poderio militar de Israel, no entanto, especialmente em comparação aos palestinos –que ainda lutam pela criação formal de seu Estado, a exemplo do que ocorreu com Israel– é inegavelmente grande o suficiente para justificar uma preocupação mundial com uma carnificina. A pressão internacional é, portanto, justificável e lícita e, podemos imaginar, a única garantidora de que realmente essa carnificina não venha a ocorrer (ou ser ainda pior do já está acontecendo).

A coordenação dessa pressão internacional é a chave para a solução da questão. Medidas diplomáticas isoladas se enfraquecem, na medida em que representam interesses muitas vezes antagônicos. O próprio 11 de setembro é fruto, no limite, desse “unilateralismo” internacional, se assim podemos denominar.

A ONU é o grande palco que não deve ser desprezado. Enfraquecida na última década, inclusive em razão dos acontecimentos pós-11 de setembro, a ONU foi o elemento de ponderação (e centralização) que permitiu o nascimento de Israel e certamente passará por ela, e não apenas por ações diplomáticas de poucos Estados, por mais importantes na esfera internacional que sejam, a criação de um Estado palestino. Por sua vez, sem esse novo Estado, não se imagina possível o início de um período duradouro de paz na região, uma vez que não representaria solução minimamente adequada a um dos lados no litígio.

Está mais do que demonstrado que ignorar essa coordenação da pressão internacional significa simplesmente mais do mesmo, isto é, daquilo que vem sendo feito nas últimas décadas –e esse mesmo importa na perda de muitas vidas humanas e no crescimento do sentimento de vingá-las por parte daqueles que sobrevivem. Não há outra forma à mão para a solução real do problema e a alegação da existência de grupos extremistas e de falta de interlocução apenas parecem ser desculpas. Afinal, são vários os países que convivem com extremistas em seus territórios e ainda assim conseguem, na medida do possível, dar conforto à sua população. Sem a formalização de um Estado, no entanto, mistura-se no mesmo balaio uns e outros, à conveniência de interesses unilaterais –e à custa de milhares de vidas humanas.

(publicado originalmente no Estadão noite de 14 de julho de 2014)

sexta-feira, maio 16, 2014

O pedido de Dirceu à OEA


crédito da imagem: O Globo

A notícia de que José Dirceu encaminhou à OEA um pedido para que seja analisada a suposta violação de seus direitos no julgamento do mensalão nos faz refletir sobre o que isso realmente pode significar do ponto de vista prático.A Organização dos Estados Americanos, sediada em Washington (EUA), possui um sistema de monitoramento e controle da aplicação dos diversos acordos internacionais firmados para a proteção dos direitos humanos. Isso significa que, uma vez que um país das Américas viole um desses acordos, a OEA pode se manifestar e eventualmente até determinar que esse Estado tome alguma medida para cessar ou reparar a violação.

Naturalmente, isso se dá com aqueles Estados que, além de serem partes da OEA, aceitem expressamente os acordos internacionais firmados e ainda concordem com o julgamento de casos de eventuais violações perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil enquadra-se em todas estas situações e pode ser, como já foi algumas vezes, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No entanto, o acesso a esse tribunal internacional é restrito e, basicamente, uma reclamação feita por qualquer pessoa (José Dirceu inclusive) não pode ser diretamente enviada a ela, mas sim a um órgão, a Comissão Interamericana, que analisa previamente os casos e somente envia à Corte para julgamento aqueles que entende serem de real violação dos direitos humanos. A reclamação de Dirceu foi enviada a essa Comissão alegando atentado ao chamado “duplo grau de jurisdição”, isto é, direito de recorrer de uma decisão judicial a um tribunal ou corte superior. Este direito está expresso na Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de San José da Costa Rica, datado de 1969, acordo ao qual o Brasil expressamente manifestou concordância juntamente com vários outros tratados internacionais desde a redemocratização do País.

Em geral o procedimento na Comissão dura de alguns meses a alguns anos, dependendo de como as tratativas se dão. É que a Comissão primeiramente solicita informações ao Estado sobre a suposta violação, depois tenta uma conciliação entre as partes, efetua algumas recomendações ao Estado e, somente após isso, caso não fique satisfeita com as providências tomadas pelo Estado, encaminha o caso, finalmente, à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Já a etapa de julgamento na Corte, que já foi durou em média 40 meses na década de 1990, tem levado em torno de 20 meses nos últimos anos.. Durante esse tempo, pouco ou nada muda na situação do cumprimento da pena de Dirceu no Brasil.

Caso seja realmente analisado pela Corte da OEA, a decisão pode seguir por dois caminhos possíveis. Em 2009 a Venezuela foi condenada justamente pela falta de direito ao recurso judicial. Este caso é emblemático e pode sim ser usado como precedente para entender que no caso do mensalão houve violação ao direito de duplo grau de jurisdição. Por outro lado, o caso do mensalão foi julgado pela instância competente, ainda que a mais alta, impossibilitando por isso mesmo o recurso. A inexistência de tribunal superior ao STF seria, neste caso, justificativa suficiente para a não violação do que está determinado na Convenção. Vale observar que na Convenção Europeia de Direitos Humanos, acordo homólogo à nossa Convenção, há expressamente a ressalva de que a garantia ao duplo grau de jurisdição não se aplica quando o julgamento é feito diretamente pelo mais alto tribunal do país. Parece ser uma solução razoável, mas há que se cuidar para evitar um retrocesso nos direitos e garantias judiciais tão arduamente conquistados pelos cidadãos em países americanos nos quais a democracia e a independência dos poderes nem sempre é constante.

É importante observar que, seja qual for a decisão da Corte, esta não será uma revisão do que foi decidido pelo STF. A Corte no máximo pode determinar que Dirceu teria direito a um recurso da decisão, solicitando que o Brasil garantisse isso, mas não determinaria que a decisão do STF no julgamento foi incorreta ou deveria ser outra. Eventual novo julgamento nesta hipótese seria inclusive feito pelo próprio STF.

Talvez a melhor coisa que se possa extrair disso tudo seja sobre a atual fórmula do foro privilegiado de autoridades, motivo pelo qual afinal o caso foi parar diretamente no STF. Seria salutar um exercício de readequação dos casos em que deveria existir o “direito” de autoridades serem diretamente julgadas pelo mais alto tribunal do país. Afinal, se Dirceu e demais condenados fossem inocentados, igualmente ninguém poderia recorrer dessa decisão.

(publicado originalmente no Estadão Noite de 15 de maio de 2014.)

terça-feira, abril 29, 2014

Ainda sobre a extradição de Pizzolato.


crédito da imagem: Estadão



Publicado originalmente no Estadão Noite - 25/04/2014



A possibilidade ou não da Itália anuir com o governo brasileiro e determinar a extradição de Henrique Pizzolato ao Brasil é daqueles assuntos que não têm resposta direta, já que depende, além de fatores jurídicos (o que por si só garante alguma imprecisão na resposta, dada a possibilidade de interpretações distintas), do fator político que os países em geral utilizam na decisão da generalidade dos casos quem envolvam relações com outros Estados, como é o caso do tema extradição.


Cada Estado tem o dever de proteger seu nacional e, do ponto de vista jurídico, em geral o faz a partir do disposto em sua constituição, em sua legislação infraconstitucional e nas normas internacionais. Os italianos têm ainda, na condição de europeus, a proteção das normas comunitárias da União Europeia. Henrique Pizzolato, brasileiro mas também nacional italiano, goza dessa proteção jurídica. Portanto, falar da possibilidade de sua extradição ao Brasil significa analisar o que todas essas normas determinam.


A constituição italiana não proíbe expressamente a extradição de seus nacionais, impedindo apenas a extradição motivada por crimes políticos, neste caso frisando que a exceção é válida tanto para estrangeiros quanto para nacionais. Aos nacionais, determina ainda que a extradição somente é possível quando houver expressa previsão em convenção internacional. Como se sabe, há tratado entre Brasil e Itália sobre extradição e este prevê a faculdade de recusa da extradição do nacional de um Estado ao outro. Por este ângulo, portanto, a extradição de Pizzolato pela Itália ao Brasil não é uma impossibilidade jurídica, mas dependeria da boa vontade do governo italiano.


Do ponto de vista da proteção das normas da União Europeia, igualmente há a possibilidade jurídica da extradição de Pizzolato. Em primeiro lugar, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não impede aos países que extraditem seus nacionais. Por outro lado, um dos principais argumentos dos condenados no caso do mensalão, a inexistência do segundo grau de jurisdição (o direito de submeter o resultado final do julgamento a um recurso de instância superior), argumento que está sendo utilizado inclusive na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por alguns outros dos réus condenados, também não impede a extradição no caso de Pizzolato. É que a Convenção Europeia expressamente admite que não há necessidade do segundo grau na hipótese de julgamento direto pela mais alta corte do país – o que, diga-se, faz todo o sentido.


Sendo assim, do ponto de vista jurídico é sim possível, embora duvidosa e definitivamente não obrigatória, a extradição de Pizzolato ao Brasil. Resta ao caso o fator político, numa receita temperada ainda pelo princípio da reciprocidade que via de regra é aplicado nas relações entre os países. A decisão final da extradição, na Itália como no Brasil, compete não ao Poder Judiciário mas ao Executivo – cujas decisões são eminentemente políticas. Há o precedente italiano da não extradição do nacional italiano (e brasileiro) Salvatore Cacciola ao Brasil. E há, agravando, o precedente da não extradição pelo Brasil do nacional italiano (e não brasileiro) Cesare Battisti à Itália. A resposta, portanto, não é óbvia e dependerá do humor do governo italiano. Cartas ao senhor embaixador italiano em Brasília.

quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Uganda e um olhar sobre a proteção internacional dos direitos humanos.





As recentes notícias vindas de Uganda sobre a aprovação de legislação contra os homossexuais, que poderão ser presos pelo simples fato de serem gays, mostra o quanto um país pode atentar contra os direitos de seus próprios cidadãos, aqueles a quem na verdade deve proteção. A identidade sexual da pessoa humana não se confunde com conduta ou ato de vontade da própria pessoa, pelo que não poderia ser criminalizada –seria como criminalizar alguém por sua cor de cabelos, por exemplo. Mas o fato é que isso não inibe ações como essa que se assiste agora no país africano.

A desinibição com que o poder legislativo de Uganda formulou a lei somente compete com a desenvoltura com que o Presidente daquele país a aprovou, promulgando-a a despeito de protestos internacionais. Ainda assim, este é um exemplo de como é importante o desenvolvimento e fortalecimento de mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, uma vez que o Estado, como grande violador clássico e histórico dos direitos humanos, não se contém por si só muitas vezes. Na mesma medida em que é importante que o Estado seja o guardião único das leis, retirando das pessoas o direito da vingança e evitando com isso a barbárie cometida por pessoas contra pessoas, o que se vê muitas vezes é o Estado agindo de forma a violar os direitos de seus nacionais. A pressão internacional constitui arma importante contra essa violação e é, senão a única, das poucas alternativas para a solução do problema.

Hoje no mundo há alguns instrumentos importantes de controle internacional, sendo um dos mais conhecidos nossos o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos da OEA, ao qual o Brasil se submete e graças ao qual violações relevantes ocorridas no nosso país estão sendo revistas. A legislação contra violência doméstica (lei Maria da Penha) e a criação da Comissão da Verdade para averiguação dos crimes cometidos durante a ditadura militar são exemplos de frutos desse monitoramento internacional.

A Europa também conta com seu sistema regional próprio de proteção, modelo aliás para o regional interamericano e igualmente para o sistema africano que, apesar de existir formalmente, ainda caminha a passos lentos. É admissível na Europa que uma pessoa ingresse com uma petição diretamente a uma jurisdição acima dos Estados, a Corte Europeia, contra uma suposta violação de seus direitos, fato que ainda não é realidade no sistema americano e que, fosse uma possibilidade aos africanos, seria eventualmente a solução para os homossexuais que agora passarão a ser perseguidos na Uganda com ainda mais força, já que oficialmente são considerados criminosos pela legislação nacional. Ao contrário do senso comum, de que o controle de outros países é “intromissão indevida” nos assuntos internos do Estado, quando se fala de direitos humanos é importante que organizações internacionais, como ONU, OEA e outras, nos limites de sua competência, sejam chamadas a agir e evitar barbáries como a que se apresenta agora na Uganda. Não apenas na economia há o chamado “risco sistêmico”, um país abalando o outro. As normas e tratados internacionais de proteção aos direitos humanos devem, por isso, ter sua importância reforçada. Somente assim se evitaria esse risco sistêmico na proteção dos direitos humanos.

(publicado originalmente no Estadão online - 25/fev/2014)


sexta-feira, fevereiro 07, 2014

A possibilidade de extradição de Pizzolato




(publicado no Estadão Noite de 06.fev.2014)         

         A prisão de Henrique Pizzolato voltou a levantar uma série de questões recorrentes tanto neste quanto em outros casos, como os de Cesare Battisti e Salvatore Cacciola, para citar apenas os que envolvem Brasil e Itália. Algumas noções básicas do direito internacional são relevantes para a análise do caso.
 
A primeira noção é a de que o Estado tem o dever, e o nacional consequentemente o direito, de proteger aqueles a quem concede a nacionalidade. Decorre deste dever o fato de que a maior parte das nações não extradita seus nacionais, tampouco os retira à força de seu território, mesmo se nele ingressarem com documentos falsos. A extradição é o instituto mediante o qual um Estado solicita a outro a entrega de pessoa que esteja no território deste último. Por se tratar de solicitação em âmbito de tratativas entre Estados, as “leis” que se aplicam são as criadas pelos próprios Estados, denominadas tratados internacionais. Adicionalmente, claro, as normas internas de cada país irão determinar se aquele tratado será ou não cumprido (o ideal seria que o Estado apenas assinasse tratados que teria condições de cumprir, mas nem sempre isto ocorre).
Uma outra noção importante é a da territorialidade. Em breves palavras, significa que o Estado em cujo território um crime seja cometido é o competente para julgar e condenar ou não o acusado. O Brasil, local dos crimes no caso do mensalão, julgou o caso. Por outro lado, aparentemente há o crime pelo uso de documentos falsos cometido por Pizzolato, crime este que foi cometido em múltiplos locais, desde o Brasil mas inclusive a Itália, motivo pelo qual as autoridades italianas podem julgá-lo. A não extradição de Pizzolato pela Itália não será surpresa, não em suposta retaliação ao caso Battisti, mas simplesmente em cumprimento a normas italianas e internacionais que o próprio Brasil analogamente cumpre. Nossa Constituição nega a extradição de brasileiros a outros países, por mais grave que seja o crime cometido no estrangeiro, fazendo apenas algumas exceções aos naturalizados. A Itália certamente fará o mesmo.
É interessante notar que o tratado de extradição entre Brasil e Itália, famoso desde a época do caso Battisti, expressamente desobriga o Estado a quem se requer a extradição que o faça em relação aos seus nacionais. A interpretação de que o nacional pode ser extraditado somente seria possível se a análise do tratado ignorasse as demais leis vigentes no Brasil e na Itália.
À parte os aspectos jurídicos, é preciso lembrar que há um componente político nas ações de cada Estado. As democracias são regidas pelas leis mas estas reservam um espaço para a discricionariedade. Talvez por isso a formulação do pedido de extradição à Itália não seja totalmente descabido. O que o ponto de vista jurídico deixa claro nem sempre é aceito do ponto de vista político e, afinal de contas, o direito ao esperneio é garantido a todos.

segunda-feira, novembro 11, 2013

Direito internacional suas origens e evolução



As perguntas postadas no blog anterior não podem ser respondidas com alguma segurança (segurança total nunca haverá) se não dermos uma passada por algumas teorias sobre as relações internacionais. vale para o direito internacional o que alguns professores de Filosofia falam para os seus alunos: abrace um ou mais filósofos e os estude profundamente, pois não é possível estudar profundamente todos os filósofos. Assim é. Um rápido olhar por algumas teorias ( e por algumas Filosofias) nos dá oportunidade de alguma escolha (escolha inicial) para observamos o mundo e daí concluirmos, qual a melhor teoria aplicável ao Direito que acreditamos que o define juridicamente: o Direito Internacional.

Alguns clássicos são imprescindíveis. É o exemplo de Hans Morgenthau.
Hans Morgenthau é o responsável pela sistematização da perspectiva realista da política internacional. É bem verdade, que não há de se confundir política internacional com Direito Internacional, mas a visão que se tem daquela influencia a visão que temos do Direito e a esta visão influência, por sua vez, a política internacional. Esta áreas estão intimamente ligadas. A área da política, como a dos fatos em geral, e da sociedade está intrinsecamente ligada ao Direito. Direito é uma ciência social e não se reduz a fórmulas jurídicas, como se fossem fórmulas matemáticas. Apartar o Direito da sociedade é cortar-lhe o alimento. Quando se pensa em Direito, pensa-se no meio em que nasceu e na sua aplicação. É certo que poderíamos ver uma base concepcional de Direito, comum a todas as manifestações sociais, mas também é verdade que cada comunidade cria um sistema de regras que lhe é próprio e que portanto é basicamente aceito.

Encontramo-nos sempre neste propósito: buscar o fio invisível que une todas as concepções de Direito e ao mesmo tempo,entender as manifestações do sistema jurídico da sociedade em que vivemos. Se o homem é um ser social, podemos também dizer que é um ser jurídico (sentido lato). Onde houver um relacionamento haverá uma ou mais regras, escritas ou não, encaixadas entre os limtes do que pode ser considerado moral, social ou jurídico. A regra jurídica tem, talvez, igual gênese das regras sociais e morais, o que lhe empresta esta qualidade de jurídica é o fator que, no fundo, buscamos responder.

Passemos a Hans Morgenthau e aos princípios do chamado "Realismo Político":

1. O realismo político acredita que a política, como aliás a sociedade em geral, é governada por leis objetivas  que deitam suas raízes na natureza humana.
2. A principal sinalização que ajuda o realismo político a situar-se em emio à paisagem da política internacional é o conceito de interesse definido no que se refere ao poder.
3. O realismo parte do princípio de que seu conceito-chave de interesse definido como poder constitui uma categoria objetiva que é universalmente válida, mas não outorga a esse conceito um significado fixo e permanente.
4. O realismo político é consciente da significação moral da ação política, como é igualmente da tensão inevitável existente entre o mandamento moral e as exigências de uma ação política de êxito.
5. O realismo político recusa-se a identificar as aspirações morais de uma determinada nação com as leis morais que governam o universo.
6. intelectualmente, o realista político sustenta a autonomia da esfera política, do mesmo modo como o economista, o advogado e o moralista sustentam as deles.(princípios tirados do livro Clássicos das relkações Internacionais (Marcelo de Almeida Medeiros, Marcos Costa lima, Rafael Villa e Rossana Rocha Reis - Editora Hucitec, 2010).

Vamos pensar.   

Carlos Roberto Husek

sexta-feira, novembro 08, 2013

Direito Internacional suas origens e evolução





Voltemos ao nosso tema de pesquisa e de raciocínio, depois de algum tempo sem escrever por contingencias da vida. O que procuramos saber, no fundo, é não só as origens do Direito internacional e sua evolução, como sugere o título, mas a própria existência e natureza desse Direito. As ideias giram em torno da mesma matéria. Nas últimas postagens estávamos descortinando a evolução desse Direito, a sua manifestação no mundo atual e se (conforme comentários da prof. Fernanda), o mesmo, estava mais próximo ou não do "civil law", da forma de ser dessa, digamos, família jurídica.

Não podemos deixar de lado, para responder a tal pergunta - se é que é uma pergunta possível, porquanto muitos podem achar que o Direito Internacional, sequer tem existência concreta - alguns raciocínios desenvolvidos por Kelsen.

Diz Kelsen: "O Direito Internacional como ordem coercitiva, mostra, na verdade, o mesmo caráter que o Direito estadual. distingue-se dele, pofrém, e revela uma certa semelhança com o Direito da sociedade primitiva, pelo fato de não instituir, pelo menos enquanto Direito internacional geral vinculante em relação a todos os Estados, quaisquer órgãos funcionando segundo o princípio da divisão de trabalho para a criação e aplicação de suas normas. Encontra-se ainda em estado de grande descentralização. Encontra-se ainda no começo de uma evolução que o Direito  estadual já percorreu há muito. A formação das normas gerais processa-se pela via do costume ou através do tratado, ou seja, por intermédio dos membros da comunidade, e não por meio de um órgão legislativo especial."
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" O Direito internacional consta de normas que originariamente foram criadas através de atos dos Estado."
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"O Direito internacional impõe deveres e confere direitos aos Estados. Impõe aos Estados a obrigação de adotarem uma determinada conduta, na medida que liga à conduta oposta as sanções acima referidas - represálias e guerra - e, assim, proíbe esta conduta, considerando-a delito, e prescreve a sua contrária."
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"O Direito internacional impõe deveres e confere direitos apenas aos Estados."
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"Na medida em que o Direito internacional se intromete, com a sua regulamentação, em matérias que até aqui apenas eram normadas pela ordem jurídica estadual, a sua tendência para a imediata atribuição de direitos e imposição de deveres aos indivíduos tem necessariamente de fortalecer-se. Portanto, na mesma medida, também a responsabilidade individual e a responsabilidade pela culpa tem de vir ocupar o lugar da responsabilidade coletiva e da responsabilidade pelo resultado. Do mesmo passo se desenvolve a formação de órgãos centrais - que atualmente apenas se observa dentro de comunidades jurídico-internacionais particulares - para a criação e execução das normas jurídicas. esta centralização - tal como sucede na evolução da ordem jurídica estadual - refere-se em primeiro lugar à jurisdição, visa o estabelecimento de uma jurisdição internacional." (Teoria Pura do Direito, p. 430 a 437)

Sugiro que a partir dessas considerações possamos pensar no mundo atual e no estágio do Direito internacional neste mundo. Há que se levar em conta a profundidade de pensamento de Kelsen, que escreveu sua Teoria Pura do Direito, em uma época que o sistema internacional, ou o que nele assim consideramos, não existia. Ainda assim, este último parágrafo de seu pensamento, na parte escolhida de sua obra para refletirmos, revela uma certa premonição do que está acontecendo nos dias atuais. De qualquer modo, ainda as perguntas essenciais merecem resposta para prosseguirmos em nossas análises: O Direito internacional existe? Trata-se de um sistema jurídico? Tal Direito tem por objetivo regulamentar a vida internacional dos Estados? É semelhante ou tende a ser semelhante ao  sistema jurídico dos Estados? Os indivíduos, as ONGs e outras figuras nacionais ou internacionais, e atos ou fatos internacionais (pessoas naturais, consequências advindas de ações individuais ou de grupos políticos na área internacional, associações fáticas, associações jurídicas, reconhecidas por suas ações mas atreladas a territórios, coletividades sem personalidade definida, e etc.)  influenciam, o Direito Internacional a ponto de terem algum status jurídico? O mundo de hoje (2013) modifica na essência o pensamento de Kelsen sobre o Direito Internacional? Vamos pensar. 

Carlos Roberto Husek


quarta-feira, agosto 14, 2013

O Direito Internacional suas origens e evolução





A sociedade internacional não é uma sociedade integrada, como o são as sociedades dos Estados, em que uma autoridade suprema regra, fiscaliza, coordena os indivíduos e grupos (oficiais e não oficiiais) para que se mantenham dentro de um caminho previamente traçado, não para um bem comum da Humanidade, mas para um fim específico do Estado respectivo.

Quando se estuda o Estado, por suas diversas ciências (política e juridicamente), tem-se a idéia inicial do seu próprio contexto e das relações dentro do Estado. Já quando se estuda o Direito Internacional examinam-se as entidades internacionais básicas, dentre elas o Estado, e outras que não parecem de início ter algum paralelo no Direito interno,  e depois se estudam as conexões exteriores. Daí a necessidade de que este estudo venha desenhado dentro de um amplo quadro interdisciplinar que abrange a História, a Geografia, a Sociologia, a Política (teoria), a Psicologia, a Econiomia, a Filosofia, o Direito dentre outras, pela lente maior desta última disciplina, que informa o caminho a ser analisado em relação às demais. Assim, poderíamos falar em uma Geografia, uma História e outras matérias sob o viés ( aspecto) jurídico, que nos dará a amplitude da matéria.

A tentativa de fazer do Direito Internacional uma matéria estritamente técnica, nos moldes das demais disciplinas do Direito pode empobrecer a visão do estudioso que terá sua análise voltada estritamente para as regras e princípios internacionais, como se houvesse um sistema fechado e coerente, como os sistemas internos dos diversos Estados. Não cremos que seja assim.

A sociedade internacional (ou comunidade internacional) não é organizada de forma hierárquica e de modo fechado, com um sistema rígido de normas. Entendemos que este sistema existe, mas ainda é fluídico em diversos aspectos e está em formação.

O mundo atual, com seus Estados e organizações maiores, busca dar uma coerência jurídico-administrativa ao chamado "sistema internacional", que toma de surpresa quem analisa os fatos que ocorrem (desavenças entre Estados; guerras internas; interesses econômicos; linhas de influência político-econômica nas regiões; interesses ditos da Humanidade e da sociedade civil internacional) que necessitam de um estudo mais aprofundado de sua figuras, relações e configurações sociológicas e jurídicas.

Algumas figuras básicas e caras para a compreensão do Direito, em todos os seus ramos, como os "sujeitos de Direito" sofrem no Direito Internacional de uma certa neurose de afirmação e de concretude, uma vez que se reconhece, hodiernamente, que não só os Estados assim se caracterizam, porquanto o grupo de Estados também (blocos regionais), os próprios seres humanos em algumas situações, e empresas transnacionais em situações estritas,bem como as ONGs - organizações não-governamentais para determinados fins. Existem formas de solução dos litígios (conflitos) internacionais que fogem ao aceito e regrado pelo Direito interno dos Estados, uma vez que o jogo de interesses, entre os pretensamente iguais, no âmbito internacional, foge aos caracteres amparados pelo sistema estatal, embora entendamos que a gênese do pensamento jurídico (o ser humano é um só) é a mesma para as sociedades internas e para a sociedade internacional.

Entender o Direito Internacional por uma excursão pelos sítios filosóficos do pensamento jurídico é uma necessidade e nos abrirá portas enriquecedoras para melhor avaliar e entender este ramo, e mesmo  transformar o próprio Direito Interno, porque se ocorre o fenômeno da internacionalização das relações humanas e do próprio Direito (exportamos os institutos jurídicos internos para concebermos institutos similares na órbita internacional: como, por exemplo, Cortes de Justiça) também ocorre o fenômeno inverso (uma via de mão dupla) internalizamos figuras da órbita internacional, como por exemplo a arbitragem, a mediação, que tinham maior experiementos na vida dos Estados e no comércio internacional.
 
Estamos diante de um mundo novo com novas perspectivas. O estudioso do Direito Internacional é antes de tudo um generalista do Direito, porque pela via desse ramo jurídico ( não uma simples via, mas uma grande e deslumbrante avenida) afluem as diversas ruas. becos, praças, vielas dos ramos tradicionais, ganhando novas características e novas dimensões.

Haverá um momento - e não está longe - que o Direito doméstico, não importa o ramo, será apenas mais um elemento no grande quadro do Direito, que certamente terá o desenho do Direito Internacional, ou então, deixaremos morrer a generosa idéia de Humanidade e sua repercussões na vida social e no Direito. 

Carlos Roberto Husek

quarta-feira, maio 22, 2013

O Direito Internacional suas origens e sua evolução




Sob, ainda, a perspectiva do Estado - o estado como centro das atenções e de toda regra internacional (vivemos no mundo dos Estados, apesar da evolução do Direito Internacional, para considerar o ser humano - é que se desenvolve a noção atual de Segurança Internacional.

 Existem estudos internacionais em torno do tema, que parece afligir a humanidade. em meio a tantas guerras periféricas (materiais, substanciais, tradicionais, com a perda de vidas) e de guerras centrais (países do 1o. mundo) que ressuscitam uma nova forma ou uma nova versão da chamada guerra fria ( o que está em jogo ainda é o modo de vida capitalista e um outro modo alternativo, que não foge muito, em relação ao Estado, ao domínio das concepções capitalistas, embora para as pessoas possa se apresentar de forma diversa). O fato é que, não fugindo muito ás idéias clássicas sobre o poder há uma evolução nos estudos da Segurança internacional. Quatro questões básicas são postas: 

1a. Privilegiar o Estado como objeto de referência. O Estado engloba ( e aí está a evolução), nação, o indivíduo, o grupo étnico, o meio ambiente e o próprio planeta. O Estado não é mais só um ente político, uma pessoa jurídica de direito público, com suas fronteiras e a sua soberania. É um todo complexo, permeado de realidades várias e cujas as fronteiras demarcam o seu domínio, mas que não mais são feitas de ferro, aço, e tijolos e sim revelam-se flexíveis, líquidas, amoldáveis a certas situações, ultrapassando seus limites e até diminuindo-lhes suas linhas básicas. As fronteiras são quase como seres vivos; parecem respirar, expandindo-se, retraindo-se, no jogo dos interesses econômicos, políticos, humanos, tributários, ambientais.; 

2o. Incluir tanto as ameaças internas como as externas; segurança internacional e segurança nacional, faces de uma mesma moeda; 

3a. Expandir a segurança para além do setor militar e do uso da força (vigor econômico, estabilidade de governo, fornecimento de energia, ciência e tecnologia, alimentros, recursos naturais - tudo dentro do conceito maior de ameaça e controle da força, da própria segurança militar); e, 

4o. Ver a segurança como ligada à dinâmica das ameaças, perigos, urgências; o Ocidente permanentemente ameaçado por oponentes hostis; estes últimos, talvez, pelo modo de vida ocidental. Levar em consideração a participação de grupos paramilitares, concepções religiosas, dogmáticas, e etc.
Aí está o Direito Internacional em ebulição. Vamos desenvolver esta temática nas próximas postagens. 

Carlos Roberto Husek

quarta-feira, maio 01, 2013

Uma curiosidade e uma simples manifestação





Daniel Defoe, 1661 a 1731, escreveu "Robson Crusoe" e apesar de ter vivido naquele século (distante do nosso) e ter criado a genial história, por todos nós conhecida, sem qualquer relação com as relações internacionais e com o Direito que ora chamamos de Direito internacional (era um comerciante fracassado, de fé, puritano, e vivendo de prestação de serviços literários a um dos políticos da época - Robert Harley) também escreveu alguns folhetos sobre a reconstrução da sociedade (todo artista visionário e romântico pensa em salvar o mundo pelo exercício da palavra). 

E naqueles idos, mais ou menos em 1709, divulgou idéias originais pela criação de uma Liga das Nações e de um Tribunal Internacional. Luiz XIV acabara de sofrer uma humilhante derrota para o exército britânico, e Defoe escreveu: "A Inglaterra e seus aliados tem agora uma excelente oportunidade de impedir novas guerras na Europa. Está em suas mãos tornarem-se os árbitros de todas as divergências e disputas que possam surgir na Europa, quer entre reino e reino, quer entre soberano de vassalos. Um congresso dessa aliança pode tornar-se uma Corte de Apelação para todos agravados e oprimidos...Ali os pequenos Estados encontrarão proteção contra o terror dos seus poderosos vizinhos, o grande não mais oprimirá o pequeno, nem o forte devorará o fraco...Esta confederação (de nações não agressivas) pode, se assim o quiser, reservar para si, a faculdade de banir a guerra... para os confins do mundo". 

Entretanto,  pouca atenção deram às suas palavras. É interessante notar como sempre existiram intelectuais, pensadores, homens de visão que deram respostas razoáveis, em épocas remotas, aos problemas enfrentados.  Também, se observa que sempre existiram os isolacionistas e aqueles que só pensavam em tirar proveito próprio da sociedade em que viveram, política e/ou economicamente.  O mundo não mudou muito! Podíamos citar homens com idéias modernas e generosas, como Defoe, aos milhares - alguns viveram solitários e esquecidos: pudera! não tinham as mesmas idéias de seus contemporâneos - e andavam nas mesmas ruas e respiravam o mesmo ar, na mesma sociedade de ditadores, de sanguinários, e daqueles que só pensavam no poder, no domínio e nas suas próprias necessidades.

Aquela época, idos de 1700, havia um Defoe - mero exemplo - escritor, sem ligações internacionais e políticas fora das fronteiras do Estado (Inglaterra) e muitos "malucos", que dominavam a cena interna e internacional. Hoje temos os herdeiros do chavismo (e os nossos políticos e lideres tecem loas a Maduro, eleito da Venezuela, em eleições sobre a qual pairam muitas dúvidas..! - por menos, o Paraguai foi suspenso do Mercosul sob a acusação de não ter se comportado democraticamente), Cristina (Argentina, que amordaça o Judiciário e a imprensa) e outros, que sequer merecem citação nominal:  Irã,  Coreia do Norte, Bolívia e de várias partes do mundo, que pensam, repensam e planejam guerras. Para não dizer dos chamados países de ponta do capitalismo, que embora proporcionem uma vida razoável aos seus próprios cidadãos, abusam de sua força política, econômica e tecnológica para impor seus interesses ao mundo, provocando fome, miséria e descompasso de toda ordem nos países que vivem à margem, na periferia do centro das mais importantes decisões mundiais.

Nada, porém, justifica o simples chamado à guerra, ou o grito de palavras de ordem contra os interesses econômicos, sem uma política clara e inteligente de relacionamento internacional. Pura e simplesmente dar as mãos aos chamados "amigos" e "irmãos", como até agora temos agido (Brasil) e que nos traem comercial e politicamente, imprimindo na política internacional e nos acordos jurídico-políticos força, apenas e tão somente ideológica, é perder uma grande oportunidade de travar (aí, sim, uma batalha inteligente) para firmar condições mínimas internas e internacionais de convivência e de progresso. 

O desejo - antigo - do Brasil, em pertencer, de forma permanente, ao Conselho de Segurança da ONU, deve vir acompanhado de uma visão clara dos problemas internacionais (o Itamarati a possui, mas está atrelado à determinação política de quem ocupa o Poder Executivo), de defesa dos meios de solução pacífica dos litígios (o Brasil tem uma tradição neste sentido), de contrariedade a políticas imperialistas de domínio, de defesa da igualdade, de apoio total e irrestrito aos direitos humanos, opondo-se àqueles que os desrespeitam, de uma visão pragmática da econômia internacional com disposição para as negociações (sem interferência de simpatias ideológicas) e de  outros tantos caracteres que poderiam servir de base (e que no fundo, todos que pensam em política internacional, com os parâmetros do Direito Internacional moderno, sabem) para uma vida político-jurídica mais consetânea com a realidade e com as necessidades de cada povo ( e do  nosso povo).

Defoe, foi apenas um mote para pensarmos. Todavia, devíamos nos debruçar sobre vários autores antigos, do Direito, da Filosofia, da Poesia, do Romance, das mais diversas áreas, para descobrirmos (estão sempre encobertos...) que as soluções não são mágicas, e embora a complexidade do mundo atual, ainda o bom senso é o melhor caminho.

A história humana não é um caminho reto. Vivemos a modernidade e a Idade Média, ao mesmo tempo, em regiões próximas, e por vezes na mesma cidade.

O mundo político internacional depende de instituições modernas e que funcionem, mas, sem dúvida, depende de pessoas. Não há mecanismo (sistema jurídico e político) internacional (ou interno) que resolva por si, porque os seres humanos é quem os movimentam e fazem as instituições funcionarem. Vamos raciocinar. 

Carlos Roberto Husek.