sexta-feira, março 25, 2022

Vamos falar um pouco sobre o conceito de Justiça na área internacional

 



Carlos Roberto Husek
Professor de Direito Internacional da PUC/SP
Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


De há muito que venho entendendo que a Justiça na vida internacional, como sistema de julgamento de conflitos (Corte Internacional de Justiça), e ou apuração e julgamento de ações contrárias aos princípios e regras internacionais (Tribunal Penal Internacional), a exemplos, tende a trilhar caminhos parecidos com a maioria dos sistemas jurídicos internos dos Estados (corpo de julgadores independentes, como parte de um órgão que compõe a administração).

No caso do Brasil, que apontamos como um parâmetro, temos os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cada qual com uma função principal definida: Executivo administra e executa as leis; Legislativo cria as leis; e, Judiciário julga os casos, de conformidade com as leis.

Além de funções, ditas secundárias, quando o Executivo faz a regra, (decretos, portarias, etc), atuando como se Legislativo fosse, e julga seus servidores, em processos administrativos, atuando como se Judiciário fosse; quando o Legislativo julga ( crimes de responsabilidade do Presidente da República e de Ministros), a exemplo do Judiciário, e quando administra a sua própria organização, fazendo cumprir as normas, como se fosse o Executivo; O Judiciário, por sua vez, cria as suas regras, estatutos, como se fosse um Legislativo e administra e executa as normas entre seus servidores e juízes, como se fosse um Executivo.

Tudo isso, diga-se, à grosso modo, porquanto no mundo de hoje todas essas atividades ficaram mais complexas e há dilatação, um entumecimento do Executivo, passando o Poder Legislativo a ser, quase um mero coadjuvante, daquele que governa.

O Judiciário, nos países que preservam o Estado Democrático de Direito, ainda conserva sua função original e não se deixa levar pelas necessidades do Legislativo ou do Executivo, buscando julgar com isenção, quando acionado.

De certo modo, a análise acima fica na concepção formal das ordens jurídicas, internas e internacional, entretanto, perpassa, tanto nos diversos Direitos internos, como no Direito Internacional, a ideia de justiça, como algo que deve ser concretizado nas sociedades internas e na comunidade internacional, e para a qual todos os órgãos cooperam, independentemente de serem compostos de juízes ou não.

E afora essas considerações, entendemos e reafirmamos, que a ideia de justiça (valor) não fica dentro dos palácios de justiça, e sim, permeia toda a sociedade internacional e suas instituições, motivo pelo qual se diz que tal ou qual ação de um estado ou de um líder é injusta.  

Hedley Bull no capítulo IV (Ordem Versus Justiça na Política Internacional), de seu livro “A Sociedade Anárquica”, faz algumas reflexões sobre a ideia de justiça (que é justo). “Em primeiro lugar, há a distinção entre o que tem sido chamado de justiça ´geral`, entendida como conduta virtuosa ou correta, e justiça ´particular`, compreendida como um tipo especial de conduta correta, entre outras possíveis. O termo ´justiça` é empregado, às vezes, com sentimento de ´moralidade` ou ´virtude`, como se a ação justa fosse simplesmente ação moralmente correta...(...) Na política mundial as exigências de justiça assumem muitas vezes essa forma. São demandas para a remoção de privilégios ou de discriminação, para igualdade na distribuição ou aplicação de direitos entre os fortes e os fracos, os grandes e os pequenos, os ricos e os pobres, os pretos e os brancos, os vitoriosos e os vencidos, as potências nucleares e as não-nucleares. É importante distinguir entre ´justiça`, neste sentido especial de igualdade de direitos e privilégios, e ´justiça` no sentido em que usamos o termo, com a acepção de ´moralidade`. Uma segunda distinção importante precisa ser feita entre a justiça ´substantiva` e a justiça ´formal`. A justiça substantiva é baseada no reconhecimento de regras atribuindo certos direitos e deveres específicos (políticos, sociais e econômicos) enquanto a justiça formal se baseia na aplicação dessas regras igualmente a pessoas em igual situação, independentemente do conteúdo substantivo de tais regras. A exigência de ´igualdade perante a lei`, segundo a qual as regras devem ser aplicadas de igual forma à mesma classe de pessoas reflete neste sentido a noção de ´justiça formal`...(...)  Uma terceira distinção é feita entre justiça aritmética`, no sentido de reconhecer iguais direitos e deveres, e a ´justiça proporcional`, em que direitos e deveres podem não ser iguais, mas são distribuídos de acordo com os objetivos em vista...(...) Como escreveu Aristóteles, ´há injustiça quando os iguais são tratados desigualmente e também quando os desiguais são tratados com igualdade`. O princípio enunciado por Marx ´de cada um conforme a sua capacidade, a cada um conforme a sua necessidade` incorpora uma preferência pela justiça ´proporcional`, em contraste com a aritmética...(...) Na política mundial certos deveres e direitos fundamentais, tais como o direito dos estados à independência e soberania e o dever de não interferir reciprocamente nos assuntos internos, considerados como de igual aplicação a todos os estados, são exemplos da ´justiça aritmética`, enquanto a doutrina de que , numa guerra ou represália, o emprego da força deve ser proporcional à ofensa ilustra a ideia de ´justiça proporcional`...(...) Uma quarta distinção, associada de perto à anterior, é a existente entre justiça ´comutativa´ ou recíproca e a justiça ´distributiva`, que busca o bem comum e o interesse da sociedade no seu conjunto. A justiça ´comutativa` consiste no reconhecimento de direitos e deveres mediante um processo de intercâmbio ou barganha, pelo qual indivíduos ou grupos admitem os direitos de outros de forma recíproca...(...) Em contraste a justiça ´distributiva` é alcançada não por um processo de barganha entre os membros individuais da sociedade em questão, mas pela decisão do conjunto da sociedade, à luz da consideração do seu bem ou interesse comum...(...) Atualmente, a política mundial é sobretudo um processo de conflito e cooperação entre estados que só têm a percepção rudimentar do bem comum com relação ao mundo em seu conjunto e é, portanto, o domínio principalmente de justiça ´comutativa´, e não de justiça ´distributiva`...(...) Todos os Estados sustentam que têm certos direitos e deveres que não são meramente legais, mas também morais. Afirmam que a sua política é justa porque é moralmente correta (´justiça geral`) e assim exigem igualdade de tratamento nas relações com outros estados (´justiça particular`). Pretendem ter o direito moral à soberania ou independência (´justiça substantiva`), que deve ser aplicado ou administrado igualmente em relação a todos os estados (´justiça formal`). Afirma ter o direito a igualdade de tratamento entre eles e os outros no acesso às oportunidades comerciais ou votação em assembleias internacionais (´justiça aritmética`), ao mesmo tempo em que insistem em que a sua contribuição financeira às organizações compostas de estados seja determinada em proporção ao produto nacional (´justiça proporcional`). Reconhecem os direitos de todos os tipos atribuídos aos demais estados, em troca de igual reconhecimento (´justiça comutativa`), mas podem também discordar, pelo menos retoricamente, com base na concepção do bem comum de uma comunidade regional ou mundial (´justiça distributiva`).[1]

Há alguma espécie de justiça, no confronto entre a Rússia e a Ucrânia? O que prevalece, a justiça geral, a particular, a substantiva, a formal, a aritmética, a proporcional, a comutativa e/ou a distributiva?

Temos que a Rússia não tem fundamento em nenhuma dessas espécies de justiça. Aposta no poder, como um direito, e nas suas aflições estratégicas e geopolíticas como um fundamento da ação militar. Enfim, não acredita no sistema, no direito e na justiça, salvo quando baseadas em suas próprias razões.

Em que deve se fiar a sociedade internacional? Apesar de algumas eventuais falhas históricas na concepção de um sistema pós-segunda grande guerra, vamos reiniciar, tudo de novo pela força, e pela imposição de valores particulares?

Muitos são os Estados soberanos do mundo, frágeis tecnológica, econômica e militarmente, que ficam na espera de um sistema justo. A justiça como valor vai funcionar?

 



[1]. Bull, Hedley. A sociedade anárquica. Imprensa Oficial do Estado, Editora Universidade Brasília. Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, Tradução Sérgio Bath, 2002, p.92 a 97.


segunda-feira, março 14, 2022

A verdade das guerras

 


Carlos Roberto Husek
Professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP-Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Os governos despóticos buscam o domínio a qualquer custo, mesmo sob bandeiras díspares, ideologias divergentes, fundamentos filosóficos, mas diversos. O que, efetivamente interessa aos seus líderes é a força com que podem subjugar os povos. Querem seus bustos esculpidos em ouro e todas as homenagens possíveis e imagináveis, nem que para isso tenham de matar civis, velhos e crianças e estuprar as mulheres dos conquistados.


A guerra, quando efetivamente acontece, tem lógica própria, que foge a todo raciocínio que leve em conta o ser humano, porque o que importa é a invasão das terras, e com isso a expansão do poder.
Não há explicação jurídica e sim política, econômica, psicológica, amparadas quase sempre em desígnios personalíssimos de pessoas em posição de poder, alimentadas, o mais das vezes, por causas inconscientes e outras, por causas conscientes, mas baseadas por visões deturpadas da realidade; se assim não é, como explicar que os governos fujam da função primordial que deveria informá-los: o bem-estar da comunidade que dirigem?


Embora os teóricos justifiquem as guerras, o fazem com um olhar pura e simplesmente voltado para o uso da força e das estratégias, com o que imprimem um fascínio e um prazer similar (conclusões nossas, baseadas em Freud) a um impulso de origem sexual.


Alguns ensinamentos de Hedley Bull (graduado em Filosofia e Direito, professor em Oxford) são interessantes para compreender a situação atual, do ponto de vista da teoria das relações internacionais e da teoria da guerra: “A guerra é a violência organizada promovida pelas unidades políticas entre si(...) O que distingue a morte infligida ao inimigo durante a guerra do assassinato é o caráter do testemunho oficial, a responsabilidade simbólica da unidade política em nome da qual atua quem matou (...) Os estados soberanos têm procurado preservar para si o monopólio do emprego legítimo da violência(...) Precisamos diferenciar entre a guerra em sentido material, ou seja, hostilidade e violência efetivas, da guerra em sentido legal ou normativo, isto é a situação provocada pelo cumprimento de determinados critérios legais ou normativos, por exemplo no reconhecimento ou declaração feita pelas autoridades constituídas. Algumas vezes uma guerra no sentido material não corresponde à guerra no sentido legal(...) no moderno sistema de estados as funções da guerra podem ser consideradas a partir de três perspectivas: a do estado, a do sistema de estados e a da sociedade de estados. Do ponto de vista do estado, considerado individualmente, a guerra tem sido vista como um instrumento de política, um dos meios com os quais os objetivos do estado podem ser atingidos (...). Do ponto de vista do sistema internacional, o simples mecanismo ou campo de força representado pelo conjunto de estados em virtude de sua interação recíproca, a guerra aparece como determinante fundamental da forma assumida pelo sistema em qualquer tempo. É a guerra ou ameaça de guerra que ajudam a determinar a sobrevivência ou eliminação de certos estados (...) Do ponto de vista da sociedade internacional, ou seja, do ponto de vista das instituições, das regras e valores aceitos pelo sistema de estados em conjunto, a guerra apresenta duas faces, de um lado, ela é uma manifestação da desordem da sociedade internacional (...) De outro lado é (...) um meio que a sociedade internacional sente a necessidade de explorar para atingir os seus objetivos.[1]


Algumas considerações, em face dessa doutrina e o que acontece, em nossos dias, entre Rússia e Ucrânia: avaliamos que a guerra, em sentido material, no Leste europeu, não corresponde à guerra em sentido legal, porquanto a narrativa russa para a invasão, com base, em princípios do próprio Direito Internacional (autodefesa de um possível ataque dos países ocidentais e da OTAN ao território russo, unidade de povos, reconhecimento de regiões separatistas e etc.), embora narrativas juridicamente plausíveis, não passam de meros argumentos para a conquista de territórios e para a integração definitiva da Ucrânia à Rússia, com o efetivo desaparecimento daquele país como Estado soberano. Tal dedução vem em decorrência das palavras do próprio Presidente Putin, que afirmou em determinada comunicação à imprensa que a Ucrânia não existia. 

Portanto, trata-se de mera violência, guerra no sentido estritamente material, cujos fundamentos – existem, mas – não podem ser divulgados porque contrariariam a ordem jurídica internacional (agressão ao território de um Estado soberano, sem causa específica), tratando-se, no máximo, de uma espécie de guerra preventiva, para eliminar um mal futuro. Sob este aspecto, não custa lembrar que os Estados Unidos tiveram idêntica premissa para invadir o Iraque. A diferença é que, naquela ocasião, o argumento é que a humanidade corria perigo pela fabricação de armas químicas, bacteriológica – o que não restou provado – e agora, para a Rússia, a justificativa é de que a sua própria soberania estaria em perigo. Narrativas para explicar motivos não confessáveis ao mundo internacional. De qualquer modo, independentemente do passado, o ataque a uma soberania, não pode ser tolerado pela ordem internacional.


Tanto no caso russo, como no dos EUA, a guerra não passa de um instrumento de política de Estado. Repita-se: erros anteriores de falta de punição pelo sistema não fundamentam ações atuais. Todo Estado é soberano, e como tal deve ser respeitado na sua integralidade, pouco importando se frágil, econômica, militar ou tecnologicamente, ou se professa ideologia contrária aos Estados dominantes. Esta é a mensagem, creio, que o Direito, e não das razões históricas e sociológicas, busca firmar.


De qualquer modo, os casos – EUA e Rússia – não são idênticos, e não tiveram a mesma evolução, observando-se que, atualmente, há uma multidão de fugitivos da guerra, famintos e doentes, cruzando as fronteiras em fuga desesperada da sanha russa, sendo acolhidos pela maior parte dos países, incluindo aqueles da antiga “cortina de ferro”. O fato é que a ordem jurídica internacional, estabelecida a partir da Carta da ONU, com a plena anuência da própria Rússia, está sendo por ela violada.


O que deveria ser levado em conta são as vidas humanas, no entanto este essencial e indiscutível fator não entra no tabuleiro de considerações nas táticas de guerra, O ser humano vale menos que os tanques, armas, bombas, configurações do poder; é tão somente, uma peça para ser usada ou ultrapassada, no movimento das tropas.


Hitler e Stálin, nos primórdios da última grande guerra, apesar de lados opostos, se uniram na dizimação. É Anne Applebaum (jornalista e historiadora norte-americana) quem descreve: “O Leste Europeu, junto com a Ucrânia e os países bálticos, também foi o local da maior parte das matanças com motivações políticas ocorridas na Europa. ´Hitler e Stálin ascenderam ao poder em Berlim e em Moscou`, escreve Timothy Snyder em Terras de Sangue (Bloodlands, 2011), a história definitiva dos assassinatos em massa do período ´mas suas visões de transformação diziam respeito a todas as terras no espaço intermediário`. Stálin e Hitler compartilhavam o descaso pela própria noção de soberania nacional em relação a todas as nações do Leste Europeu e se empenharam conjuntamente para eliminar suas elites. Os alemães consideravam os eslavos sub-humanos, classificando-os não muito acima dos judeus, e nas terras entre Sachsenhausen e Babi Yar não hesitaram em ordenar assassinatos nas ruas, execuções públicas em massa ou a queima de povoados inteiros em vingança por um único nazista morto[2]


Sem dúvida, a guerra é uma manifestação da desordem internacional, e tal desajuste está merecendo da sociedade internacional e da base jurídica que a sustenta uma reação, que não significa – como tenta argumentar Putin (talvez, para futura ações) – uma declaração de guerra pela OTAN e pelos demais países; é apenas uma reação, possível e esperada, para coibir o avanço das tropas russas, no território de um Estado soberano. O que afasta o argumento de reconhecimento internacional da independência das cidades de Donestk e de Lugansk, em tese, possível, e a transformação destas em Estado soberano.


Estamos diante do imponderável, e só podemos confiar no eventual diálogo diplomático, que por natureza deve oferecer aos contendores alguma satisfação no que desejam, abrindo mão de eventuais vantagens ou direitos. Difícil, mas não impossível, vai depender da inteligência dos raciocínios em jogo, levando em conta reivindicações, resistências, os princípios e regras da ordem internacional, os anseios de cada povo e da boa vontade em construir um caminho viável. Caso contrário....


[1] Bull Hedley. A sociedade anárquica. Capítulo VIII, “A Guerra e a Ordem Internacional”, p.211/216, editora Universidade de Brasília, Imprensa Oficial, Coleção Clássicos IPRI, 2002. Este livro foi publicado originalmente em 1977. Tradução de Sérgio Bath.
[2] Applebaun, Anne. Cortina de Ferro – O esfacelamento do Leste Europeu, Editora Três Estrelas, 2017, p.44.


segunda-feira, março 07, 2022

Os loucos dominam


Gostam de armas, gostam de guerra, gostam do poder, gostam de ver mães chorando, gostam de crianças tristes, gostam de destruição, gostam de bombas, gostam de serem temidos e paparicados, gostam do domínio, sem Parlamento  e sem Judiciário, gostam de medalhas, gostam de “fake news”, gostam de disseminar o respeito pelo terror e cruzam os céus e os mares numa carruagem de fogo. 

Putin é um grande exemplo de aversão à paz e de versão dos fatos conforme sua ótica específica de conquista ( não é o único ).Para tais pessoas, na verdade, não importa se estão à frente do comunismo ou do nazismo, porque,  o que apenas os interessa é o poder ( se possível, pelas armas ). Estão no ápice de vários governos ao redor do planeta. Não nos enganemos, somente a Democracia salva, somente o diálogo faz progredir, somente o espírito e a condescendência faz frutificar o progresso. 

Quem não gosta de ouvir e de raciocinar, com os contrários, ama a ilusão e a todos ilude. Acho que nasceram em corpos humanos, quando deixaram de ser dinossauros. Só entendem a linguagem da força. Espero que deste lado do mundo estejamos a salvo de desses psicóticos. Será?

 

quarta-feira, fevereiro 23, 2022

Algo em comum?!


O Presidente Maduro da Venezuela ( comunista e ditador, cuja aproximação não é querida pelo Presidente brasileiro) declarou seu apoio a Putin ( outro comunista e ditador )assim como o fez Bolsonaro. Pergunta-se: O que Bolsonaro, Putin e Maduro têm em comum?

terça-feira, fevereiro 01, 2022

Reverberações da Metrópole 2 (portuguesa)

 

Carlos Roberto Husek – Professor de Direito internacional e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

O resultado das eleições portuguesas foi o esperado por todos, uma vez que o partido socialista venceu, reconduzindo ao governo António Costa, por mais quatro anos, para o cargo de Primeiro Ministro.

A eleição revelou que os portugueses valorizaram a forma pela qual o governo enfrentou a pandemia, bem como deu força ao Serviço Nacional de Saúde. Falou-se muito nos dias anteriores à eleição em uma “geringonça” política, uma espécie de mecanismo que uniria aqueles que são da esquerda (não há uma só esquerda) e os que são de direita (não há uma só direita), e alguns que poderiam passar de um para outro lugar, observando a imprensa que havia dúvida sobre o funcionamento de tais esquemas, uma vez que não haveria maioria absoluta, sem falar em uma esquerda radical e em uma direita radical.

As eleições portuguesas demonstraram que o povo, na sua sabedoria, não quer radicalismos, o que faz lembrar versos de um poeta brasileiro (Afonso Romano Santana, salvo engano), que disse: “a direita e a esquerda não são mais questões centrais”. E, efetivamente, não são. Claro está que sempre haverá uma tendência – cada um deve escolher o que achar melhor – que justificaria uma forma de administração, priorizando empresas, priorizando o povo, priorizando a saúde, priorizando a segurança, priorizando as questões de gênero, priorizando a escola, dependendo de uma visão básica à esquerda ou à direita. Em Portugal, a tendência socialista saiu vencedora, porquanto há um pensamento fundamental voltado – em tese – para os mais desafortunados. Mais do que isso, porquanto a vitória do Partido Socialista foi absoluta, o que afastou qualquer possível “geringonça”.

É verdade que o voto não é obrigatório: teve 9.298.390 eleitores inscritos; 5.389.705 eleitores votantes, com 42,04% de abstenções. Contudo, apesar disso, o que conta é o quadro real para todos os efeitos e que 41,68% foram para o Partido Socialista. Ainda assim, preocupa – preocupação que podemos ter no Brasil – que a terceira força nesta eleição, que foi do CHEGA, 7,15%, elegeu doze deputados e representa um contingente racista e xenófobo, quando na eleição anterior havia feito apenas um deputado, o que não deixa de ser preocupante. O que poderá impedir o crescimento de tal nicho antidemocrático será uma administração séria que melhore, cada vez mais, a vida dos portugueses. O eleito a fará?
 
Tal análise, serve, dentro de alguns parâmetros, e em parte, para a situação da política brasileira, em que a direita radical não consegue atrair a maioria dos eleitores, embora tenha como um dos vetores, aquele que na atualidade exerce o poder, e nem sequer busca fazer uma “geringonça”, porquanto se recusa a qualquer diálogo; e a esquerda que apesar de seu crescimento, na figura de um ex-presidente, mantém um pensamento fechado às mudanças, e dela não se espera também diálogos mais profundos com outras forças políticas. O que nos diferencia é que não temos um partido que busque caminhos comuns. Não digo, com isso, que a vitória esmagadora de António Costa é, em si, um bem para Portugal, mas não deixa de ser, na forma em que foi construída, a possibilidade mais equilibrada para a sociedade portuguesa, que escolheu manter o que estava dando certo, sem grandes mudanças. António Costa afirmou que ganhar de forma absoluta não é governar de forma absoluta e nem exercer o poder de forma absoluta. Sábias palavras, que poderiam servir de inspiração para os nossos possíveis pretendentes ao governo.

A verdade é que os portugueses apostaram no que já conhecem, e imaginam um governo que conduza Portugal de modo calmo e equilibrado, sem entrar em conflito com outros países e sem casamento com ideologias radicais.

Também ganhar uma eleição pela imposição do medo daquilo que virá não parece ser o caminho escolhido pelos políticos vencedores das eleições portuguesas. Mais correto analisar pelo governo que oferecem (democrático, respeitoso da Constituição do país e das instituições, propenso ao diálogo e a ouvir as opiniões contrárias e a propor soluções que levem em conta as reais necessidades do povo); isto pareceria ser o ideal, e o caminho pelo qual nós no Brasil deveríamos trilhar. Não se olvide que há os que querem manter o poder a todo custo, perseguir adversários, espalhar notícias falsas, e, mesmo os que buscam um poder total por muito tempo, ou por quase todo tempo possível (enquanto se viver!), mas estes são os radicais da direita ou da esquerda, e com tais tipos não devemos contar.

Acreditamos que a maioria do povo – quando bem instruída, não manietada, e com oportunidade de estudo - seguirá o caminho do Estado Democrático de Direito. Portugal tem lá os seus erros, mas pode nos ensinar alguns caminhos. Vamos ficar alertas!

sexta-feira, janeiro 21, 2022

Reverberações da Metrópole (portuguesa)

 


“A esquerda é burra?” e a direita gananciosa? E vice-versa!

Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Em um artigo bem posto e com percuciente análise, no jornal português “Público”, de 21.01.2022, Boaventura de Sousa Santos, sob o título “A esquerda é burra?” fez as seguintes ponderações em torno das eleições portuguesas de 30 de janeiro deste ano para o Parlamento, que ora em parte são transcritas:
Nos tempos em que o ex-Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso (F.H.C.) e eu éramos amigos, conversávamos com frequência. A conversa começava sempre na sociologia e terminava invariavelmente na política. Numa dessas conversas, no Palácio do Planalto em Brasília, porque, entretanto, o F.H.C. tinha sido eleito Presidente do Brasil, ele disse-me a certa altura: ´Sabe, Boaventura, a esquerda é burra`. Achei que no caso concreto ele estava errado, mas a frase ficou na minha memória e voltou a assaltar-me agora nestes tempos de campanha eleitoral.
Pergunto-me se a esquerda no seu conjunto não está a ser burra. É que a esquerda está a deixar que os termos do debate eleitoral sejam definidos pela direita, e isso é um péssimo sinal. Senão vejamos. Como tem havido estabilidade e a direita sabe que isso é importante para os portugueses nesta altura da pandemia, procura conotá-la negativamente, convertendo-a em marasmo, pântano (lembram-se de Trump e do Bolsonaro) e, se possível, recorrem ao sentido originário e negativo do nome que deram à proposta de estabilidade: a ´geringonça` (...)... Como a direita não pode negar o bom desempenho de Portugal no enfrentamento da pandemia, tenta negá-lo invocando casos pontuais que fatalmente acontecem com serviços em permanente estado de stress. (...)... Como a direita não pode inventar altos números de desemprego ou baixos salários (no que tem razão) e compara Portugal com os países do Leste europeu, mas ninguém na esquerda lhe lembra (sobretudo o PCP), que enquanto os países do Leste, tinham ao entrar na UE, a mão-de-obra mais qualificada da Europa e habituada a salários comunistas (muito baixos enquanto salários diretos), Portugal só ao fim de 25 anos depois de entrar na UE começa a aproximar-se dos níveis de qualificação europeus.
Como a direita tem dificuldades em estigmatizar a natural simpatia do primeiro-ministro, inventa que ele está cansado por tanto tempo de governo. Ninguém na esquerda (nem sequer o PS) lhe lembra ainda há pouco idolatravam Angela Merkel e nunca a acharam cansada, apesar de ela ter estado 16 anos no Governo. Como é arriscado desconhecer o interesse dos portugueses em ter sua companhia aérea, invoca casos isolados (ainda que lamentáveis porque mostram que a gestão capitalista desconhece outras razões que não o lucro) e ninguém na esquerda lhe lembra que, além de Lisboa, não há apenas o Porto, há também Praia, Bissau, Luanda, Maputo e muitas cidades no Brasil.
Finalmente, direita, sabendo-se fragmentada, tenta articular-se e, como acontece usualmente em política, começa pelo consenso negativo...(...) Como a direita não tem os escrúpulos indenitários e programáticos da esquerda, vai-se treinando no consenso negativo, surfando a onda. Não me surpreenderia se depois das eleições surgisse uma ´geringonça` de direita.”
Trocando em miúdos e em alguns aspectos “a contrário senso”, a análise se aplica ao Brasil, observando algumas dificuldades a mais, como as notícias falsas, a compra de votos, a corrupção do dinheiro e, principalmente, a dos princípios, o que torna o nosso cenário bem mais complexo, porquanto a direita também tem uma certa burrice e a esquerda tem laivos insuspeitos de poder absoluto.
Tanto a direita como a esquerda no Brasil querem a perpetuação do poder, ainda que para isso seja necessário ludibriar e corromper sob o fundamento de que os meios justificam os fins.
Estamos necessitando de um desapego pelo poder, da crença sobre a nobreza da função pública e de homens públicos voltados para o Estado, como pessoa jurídica apta a perseguir e obter o bem do povo. Maior consciência e dedicação a melhorar a vida das diversas classes sociais, com força centralizadora nos mais pobres. É pedir muito?


sexta-feira, janeiro 14, 2022

Em busca do sentido da vida

 



Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/Sp e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Público e Privado


Viktor E. Frankl, professor de Neurologia e Psiquiatria na Universidade de Viena e professor de Logoterapia na Universidade Internacional da Califórnia, viveu no campo de concentração de Auschwitz e conta no seu livro “Em busca de sentido” (Editora Vozes, 54ª. Edição), os horrores passados em tal lugar na Segunda Guerra Mundial, em que se perdeu total e completamente o sentido da vida.

Não se tem noção na atualidade, apesar dos relatos da guerra, o que os judeus verdadeiramente passaram, o que pode ser estendido mais recentemente aos iugoslavos (croatas, montenegrinos, sérvios e outros), que também viveram em campos de concentração, lá pelos anos de 1990.

Em outras palavras, o ser humano parece não melhorar e continua enfiado na sua própria caverna de convicções arraigadas, religiosas, ideológicas, filosóficas, como se recebesse tábuas de salvação para uma pequena parte da humanidade, aquela que professa iguais princípios e a mesma irracional fé.
Assim dizemos, porque o mundo continua à deriva, principalmente nos dias de hoje, em que os nazistas, quase nunca com esse nome, começam a dominar a política e os meios de comunicação.

Não será difícil concluir pela possibilidade de termos eventos que repitam as mesmas situações descritas no referido livro, se cada país e seu respectivo povo não atentarem para os caminhos traçados nas comunicações oficiais e oficiosas, principalmente pelo que está posto nas entrelinhas, nas palavras fantasiosas, nas frases de efeito que gritam pela liberdade individual no intuito de favorecerem os próprios desígnios de domínio coletivista.

Não é de estranhar que os que estudaram Direito e chegaram nos postos maiores da República possam justificar perseguições políticas e cooperar para enviar para as cadeias (masmorras modernas) os contrários ao regime instalado no poder.

Não é de estranhar que os que estudaram Medicina possam justificar medidas de saúde contrárias à maioria do povo, porque toda ciência fica a reboque das motivações do domínio político e de interesses econômicos escusos.

Não é de estranhar que a Diplomacia, apesar de oferecer estudos aprofundados de relacionamento entre as nações e de técnicas de aproximação dos contrários e de boa convivência, também possibilite que alguns poucos, mas que alcançam as posições de poder, fundamentem ações diversas que contradizem “in totum” o que aprenderam nos bancos da academia.

Não é de estranhar que os que se dedicam à Educação esqueçam a pedagogia e a psicologia educacional e disseminem visões estúpidas e diversificadas do próprio ser humano, concretizando as diferenças e exaltando opiniões de domínio de uma raça, de uma ideologia, de uma religião, de um sexo, e auxiliem em tais propósitos.

Não é de estranhar que os que dominam as ciências econômicas e deveriam se preocupar com a melhoria da vida, todavia, em nome de um bem genérico do povo, seus administrados, aceitem encher as “burras” do governo, com desvio do dinheiro público, e busquem a compra de votos e do favorecimento de classes específicas de trabalhadores e de órgãos pertencentes a Administração direta ou indireta, para a manutenção do grupo no poder.
Não é de estranhar que os que devem voltar seus olhos e seu raciocínio para a defesa do meio ambiente façam o possível para destruí-lo, em desproveito dos seres humanos que respiram, comem e vivem da preservação das florestas, da água e do ar.

Nada disso é de estranhar, se pensarmos que a humanidade pouco ou quase nada progrediu, em termos sociais, embora tecnologicamente tenha avançado nos laboratórios e nas máquinas.
Frankl descreve fatos que não se justificam aos olhos do mais simples dos seres humanos, e por óbvio, não se justificam (ou não deveriam ter qualquer justificativa) aos olhos daquele que dominam um campo do saber.

Enquanto ainda esperamos pelo chuveiro, experimentamos integralmente a nudez: agora nada mais temos senão o nosso corpo nua e crua[1]... (...) Assim como a maioria de seus companheiros, o prisioneiro está ´vestido` de farrapos tais, que a seu lado um espantalho teria ares de elegância. Entre as barracas, no campo de concentração, tanto mais se entra em contato com a lama. É justamente o recém-internado que costuma ser destacado para grupos de trabalho nos quais terá que se ocupar com a limpeza das latrinas, eliminação de excrementos etc. Quando esses são transportados sobre o terreno acidentado, geralmente não escapamos de levar uns respingos do líquido abjeto; qualquer gesto que revele uma tentativa de limpar o rosto, com certeza provocará uma bordoada do capo, que se irrita com a excessiva sensibilidade do trabalhador.”[2] ... (...) “...ao ver um menino de uns doze anos, para o qual não mais havia calçados no campo e que por isso fora obrigado a ficar por horas a fio de pés descalços na neve, prestando serviços externos durante o dia. Os dedos dos pés do menino estão crestados de frio e o médico do ambulatório arranca com a pinça os tocos necróticos e enegrecidos de suas articulações”[3]...(...)...um acaba de morrer...(...) Fico observando como um companheiro depois do outro se aproxima do cadáver ainda quente; um lhe surrupia o resto de batatas encardidas do almoço; outro verifica que os tamancos do cadáver ainda estão um pouco melhores que os seus próprios; um terceiro tira o paletó do morto; outro, afinal, ainda fica contente por surrupiar um barbante de verdade – imagine. Fico olhando apático. Finalmente dou-me um empurrão e me animo a convencer o ´enfermeiro` a levar o corpo para fora do barracão (um balcão de chão batido). Quando ele resolveu fazê-lo, pega o cadáver pelas pernas, roçando-o em direção ao estreito corredor entre as duas fileiras de tábuas à esquerda e à direita, sobre as quais estão deitados os cinquenta enfermos acometidos de febre, para então arrastá-lo pelo chão acidentado até chegar à porta do barracão. Dali sobe dois degraus para fora, em direção ao ar livre – o que já é um problema para nós, debilitados pela fome crônica. Sem o auxílio das mãos, sem nos puxarmos para cima segurando nos postes, todos nós, que já estamos há meses no campo, há muito não conseguimos mais levantar o próprio peso do corpo somente com a força das pernas, para vencer dois degraus de vinte centímetros. Agora o homem chega até lá com o cadáver. Com muito esforço ele se alça primeiro, depois o morto: primeiro as pernas, depois o tronco, finalmente o crânio, que dá lúgubres pancadas nos degraus. Logo em seguida é trazido o barril com a sopa, que é distribuída e avidamente servida. O meu lugar fica em frente à porta do outro lado da barraca, próximo da única janelinha, um pouco acima do solo. Minhas mãos geladas aconchegam-se à vasilha quente da sopa. Enquanto sorvo o seu conteúdo sofregamente, por acaso dou uma espiada para fora da janela. Lá está o cadáver recém-tirado do barracão, a fitar a janela de olhos esbugalhados. Há apenas duas horas eu estava conversando com esse companheiro.”[4]

O ser humano envolvido na política e no poder, por vezes, perde-se como pessoa, e o ser humano que sofre as consequências de estar no grupo dos perdedores também perde a qualidade de ser humano. O que passam a representar? Nada.

As árvores, os pássaros, os animais em geral parecem usufruir de algo a mais.

Não podemos chegar nisso de novo. É preciso pensar, pensar, pensar e não nos envolvermos em palavras de ordem. Muito equilíbrio e muita calma e o que precisamos, ou viraremos cadáveres putrefeitos ao lado da sopa servida ou, o que é pior, trogloditas insensíveis a determinar castigos para os que não seguem as ordens do poder, bem como a escolher os que devem morrer.

O mundo pode não ser para os fracos, mas também, não é para os idiotas.
 

[1] P.29
[2] P.36/37.
[3] P.36
[4] P.37/38


segunda-feira, dezembro 27, 2021

Pedro Paulo Manus



 Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC de São Paulo e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.


Existem professores que esbanjam sua sabedoria, com gestos teatrais, e magistrados que se escondem atrás da toga, e, no olhar e na boca em arco, e nas sobrancelhas em curvas descendentes e centralizadas, que acompanham as linhas da testa, olham para os mortais, jurisdicionados e mesmos colegas, de um elevado imaginário, representado pelos títulos e pelos anos de magistratura.

Uns e outros estão longe do ser humano, porque não se sentem pertencentes à espécie, e cada vez que galgam uma posição na vida, distanciam-se mais e mais, iluminados por suas medalhas, por suas condecorações, por seus títulos. Ostentam falas e meneios de poder e quem deles se aproxima deve guardar respeitável distância. 

O mundo vive disso: aparências, galardões, respeitabilidade pela faixa conquistada, pela toga exposta, pela cadeira de espaldar maior, pelo cargo, pelos acólitos de que são servidos, entretanto, provavelmente, também têm suas dores físicas e morais, que não são visíveis, e que se escondem no infindável e escuro poço do inconsciente.
Manus não era nada disso, embora, tivesse medalhas, títulos e cargos. Participou de diversas reuniões, como juiz, desembargador, ministro, diretor da faculdade de Direito, vice-reitor, com simplicidade e bom humor. 

Quase sempre os eventuais apologistas destacam tais características, a que a alguns pode parecer algo menor, afinal não se trataria de alguém cujas obras podem ser tidas como indiscutíveis, de um luminar, sentado na sua cadeira a julgar os alunos incautos. Assim, efetivamente, não o era para os padrões do dia a dia; um ser de outro mundo com seguidores acocorados prontos para receber a benção ou o castigo. Era simples e na sua simplicidade irradiava aos mais desafortunados uma palavra, e a esperança de possível sucesso – a vida acadêmica, com ele, tem incontáveis exemplos no gesto amigo aos que dele se aproximavam - (o que a grande maioria não se atentava), sem ofender e sem se altercar. Por vezes, com um sorriso significativo, lançava uma fina ironia, vestida de humor, mas que continha uma análise, um olhar crítico. 

Tendo em vista essas características, muitos as classificavam, de forma precipitada, como uma espécie de descompromisso, próprio daquele que não se envolvia de fato, em determinada situação. Ledo engano. Lá estava um espadachim com sua estocada certeira para quem quisesse ver e ouvir, porque não há dúvida que algum ferimento, e profundo ferimento, causava para o infeliz que, ladino observasse e sentisse que fora objeto da troça, e para aqueles – poucos – que na mesma situação tivessem igual percepção. 

Não era maldade, que isto não possuía nem ao menor grau, era inteligência sarcástica, apropriada para o momento. Manus foi grande, como soem ser os símplices, “que deles é o reino dos céus”.

Neste mundo de desconfianças, fingimentos e disfarces, Pedro Paulo Teixeira Manus fará muita falta.

quinta-feira, dezembro 23, 2021

Expectativa

 


Carlos Roberto Husek

Professor de Direito Internacional da PUC de São Paulo e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


A experiência pode ser representada como faróis de um carro voltados para trás. Parece de nada servir, porque a humanidade passa pelos mesmos problemas a cada ano e em cada ano os supera, em eterna repetição. (relembrando Pedro Nava)[1]

Natal, e logo depois o Ano Novo. Marcações do tempo, que passa como atos de uma peça de teatro particular, na vida de cada um e na vida de cada país. Dia após dia, mês após mês, ano após ano, e vamos passando com nossas agruras, com nossos problemas, com nossos fracassos, com as nossas eventuais vitórias. O que aprendemos? Talvez, somente a eterna repetição, não nos mesmos moldes mas, efetivamente, parecidos. A História, e as histórias, dizem, é cíclica, dá voltas e faz girar a roda dos acontecimentos, fazendo com que se reproduzam, embora mudem os personagens, reencarnações similares dos antigos que pensávamos mortos e ultrapassados.

Ouvimos os mesmos diálogos, os mesmos discursos, os mesmos gestos, com uma ou outra pequena modificação, talvez a roupa, o cabelo, a falta de bigodes e de chapéus e de fardas, com medalhas e decorações, e cavalos e bandeiras, e tanques de guerra em desfile pelas ruas.

Abrem-se as cortinas do palco e sobre o tablado há uma movimentação já conhecida; esquadrinhado em riscos transparentes, pode-se ver com certa antecipação o que sobre ele se desenrolará. Inacreditável como somos previsíveis!

2022 vem como vieram os anteriores e a esperança que se renova, renova-se sempre todo ano: quem sabe, não se apresentará no cenário uma novel figura, de diferente colorido, de palavras mágicas, de ideias concretas, de brilho nos olhos!

Esperemos.

Esperemos que o Ministro da Educação se preocupe com a alfabetização e a cultura das gerações em suas várias faixas, sem fazer mesuras ao Presidente de plantão, sacrificando ideais culturais maiores e de progresso civilizatório.

Esperemos que o Ministro da Saúde busque a saúde da população mais pobre e o estabelecimento de vacinas preventivas e a preservação da vida, antes de tudo.

Esperemos que o Ministro das Relações Exteriores possa orientar o governo central no estabelecimento de pontes, de diálogos, de negociações, com todos os países do mundo e evitar fazer a divisão entre esquerda e direita, amigos e inimigos, e outras cisões, na esteira luminosa do Barão do Rio Branco.

Esperemos que o Ministro da Economia não sacrifique os ditames, regras e princípios de sua área, em prol de interesses específicos de manutenção do poder, cooperando para compra de pessoas que pertençam ao grupo de apoio para futuras eleições presidenciais.

Esperemos que as instituições nacionais e internacionais funcionem em bases mínimas voltadas para a coletividade e que as diferenças raciais, religiosas, filosóficas e ideológicas sejam, efetivamente, diminuídas.

Quem, afinal, escreveu essa peça interminável de ruins e canastrões atores? Ou é um “moto contínuo”, automático, que nos faz rodopiar e rodopiar, sem que o raciocínio, privilégio do animal humano, aclare os fatos e faça a espiral dos fenômenos sociais traçar uma curva um pouco maior e, finalmente, andar, prosperar, afastar-se da mesmice, consagrando a evolução?

Será que, ainda, faremos um papel de espectadores passivos, girando pela eternidade a roda dos absurdos?

Um Feliz Ano a todos!



[1] Nava, Pedro da Silva. Médico, escritor, contista e poeta, escreveu, dentre outros livros um de Memórias em cinco volumes, de onde a ideia foi lembrada. 

terça-feira, dezembro 07, 2021

Sobre o livro “Razão Africana” - uma análise comparativa

 


Carlos Roberto Husek

Prof. de Direito Internacional da PUC/SP

Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


No livro “A Razão Africana – breve história do pensamento africano contemporâneo”, Editora Todavia, de Muryatan S. Barbosa (historiador sueco), há um primeiro capítulo sobre “A personalidade africana” (p.13 a 68), em cuja primeira parte, até a p.28,  descreve coisas interessantes, cuja sinopse de suas principais ideias damos agora, com alguma referência comparativa com o Brasil. Nossa pretensão é a de estimular o leitor da nossa Oficina para pensar no tema. Aceitamos, de bom grado, futuras contribuições.

No mundo contemporâneo as gerações tendem sempre a se ver como modernas e únicas...(...) Quando essa impressão comum se transfere para o mundo das ideias, o que se vê é a proliferação de ´novas` teorias e interpretações. É a busca pelo ´novo` a qualquer custo que força originalidades e omite heranças intelectuais. Como se esse ´novo` não carregasse, consciente ou inconscientemente, sua própria carga do passado...(...) O pensamento africano contemporâneo nasce como uma resposta das elites intelectuais da África e da diáspora africana ao desafio europeu expresso pelo colonialismo – mas não somente isso. É também uma resposta à grande transformação do mundo provocada pela consolidação da Revolução Industrial, que, criou novos modos de produção, organização social, formas de pensamento e estilo de vida. É comum colocarmos a Conferência de Berlim (1884-85) que dividiu a África entre potências europeias, como o marco do nascimento de uma nova era na história da África, a Era Colonial, quando esse desafio se apresenta para todo o continente africano...(...) Todavia, vale lembrar que, em certas regiões da África, o processo de roedura do continente – a espoliação de bens, a divisão geo-política por parte das nações europeias – já havia se iniciado décadas antes...(...) Por todo continente, desde o primeiro quarto do século XIX, a presença crescente de europeus levava vários soberanos africanos a buscar formas de se defender por meio de uma renovação e modernização interna....(...) Em decorrência dessa progressiva influência dos europeus nas regiões litorâneas africanas, aumentou consideravelmente à época o número de africanos ocidentalizados – formados nas letras europeias e com educação cristã...(...) O mesmo ocorreu em outras regiões costeiras. Já no século XV, filhos das elites do Reino do Congo iam estudar em Portugal. Desde o século XVIII, africanos livres do cativeiro conseguiam se formar intelectualmente na Europa, em geral, com a assistência dos abolicionistas...(...) Em tal contexto, em meados do século XIX, é possível observar dois fenômenos relevantes na formação do pensamento africano. O primeiro deles é a importância cada vez maior da diáspora africana. Em particular aquela estabelecida nos Estados Unidos.  O segundo é a consolidação do missionarismo cristão, da Europa e das Américas, para a África...(...)

Neste espaço, diz o autor consagraram-se alguns afro-estudinidenses, dentre eles Edward Wilmont Blyden.

“...sua trajetória: embora fosse caribenho de origem (Ilhas Virgens), Blyden passou a maior parte de sua vida na África, vivendo na Libéria, em Serra Leoa e em Lagos (Nigéria). Foi para lá voluntariamente, tendo sua passagem paga pela Sociedade Americana de Colonização...(...) tornou-se missionário, professor, político, escritor, jornalista e diplomata...(...) Em geral, ele é tido tanto como um dos ´pais` do pan-africanismo e um dos pioneiros do nacionalismo africano.

A partir daí o autor desenvolveu o pensamento e a atuação de Blyden, como divulgador da existência de uma personalidade africana, de um autogoverno e de uma unidade para a África, bem como de uma volta às origens de todos aqueles que fizerem a diáspora africana, espalhando-se pelo mundo, principalmente fixando-se nos Estados Unidos da América.

Embora não tenhamos a mesma concepção de que houvesse uma necessidade de volta às origens, entendemos que há sim, uma unidade africana, apesar dos diversos povos, países e grupos raciais lá existente,    pelo  menos uma unidade da África negra, não pelo seu conteúdo racial, mas sim, pelo conteúdo histórico, uma vez que a África negra forneceu, independentemente dos seus Estados, os escravos para a Europa, e para as Américas. As línguas, as crenças diversas, e filosofias próprias de cada grupo, e a gênese racial diferenciada, não foram fatores de seleção, porquanto todos ultrapassaram as fronteiras de sua terras para servirem aos brancos colonizadores. 

É certo ainda que em várias cidades os negros se juntaram em comunidades e mantém práticas religiosas e costumes da velha África, ainda que não a conheçam, ante a natural multiplicação de gerações nascidas em outros países. No entanto, pode ser que pelo sangue ou pelas células tenha havido a transmissão de uma consciência dos tempos antigos, que permitiu a reprodução de uma singular visão da vida, como, deve acontecer com todos os indivíduos de outros povos; japoneses, italianos, tchecos, espanhóis, portugueses, que resolvem migrar para outras terras. É só constatar como se repetem hábitos, costumes, alimentação e uma particular forma de ver os acontecimentos.

Assim, não só com os descendentes de africanos que se encontram em nosso país, mas também com todos aqueles que buscam escapar de suas origens, por vontade própria ou por necessidade. Ocorre que com aqueles que vieram da África, em especial da subsaariana, o que ficou incrustado é o passado escravo e de sofrimento, em relação ao qual, as leis de inclusão e de quota, ainda pouco fazem, porque é preciso mudar o ensino, mudar a mentalidade, mudar a essência para a verdadeira integração.

Blyden foi um intelectual que construiu argumentos para um nacionalismo africano, um renascimento de cultura e de propósitos, que pudesse contrariar o poder colonial. Poder que abriu caminhos marítimos regados de sangue e de tristeza; banhados pelo banjo das músicas e dos cantos que certamente eram entoados pelos escravos, enquanto+ remavam para terras distantes, apartados dos seus, do seu sol – que era único -, de suas matas, de suas aldeias, de suas cidades, dos seus entes queridos. Não reconhecer que, de algum modo isto ficou embutido, arraigado no inconsciente de cada descendente, é fechar a compreensão para as descobertas da Psicanálise. Temos, dentro de nós, os nossos antepassados com suas alegrias e agruras, sagas e desvelos, o que não impede a integração em qualquer sociedade – ao contrário enriquece-a – bastando que essa incorporação social deva ser efetiva, verdadeira assimilação. Se tal aconteceu com diversas nacionalidades que vieram viver no Brasil, não parece que, o mesmo se deu com os africanos, que tiveram história mais aflitiva, para dizer o mínimo, e não conseguiram a verdadeira integração.      

Não há necessidade de desfazer a diáspora, porquanto após tantos séculos, outra diáspora ocorreria e os descendentes de escravos, não são mais escravos e sim brasileiros e tomaram pelo nascimento a nacionalidade de outros países, como a dos Estados Unidos da América. Afinal, qual de nós é autóctone desta terra, exceção feita aos índios? Devemos todos estarmos – como em grande parte já acontece - absorvidos e incorporado; amarelos, brancos, negros. O passado deve ficar como sinalização do que não mais pode acontecer, ainda que de modo indireto ou de forma velada. Esta é o único modo de reconstruir o Brasil. 


quarta-feira, novembro 17, 2021

Tristes Trópicos

 



(O nome é emprestado e tem conotação um pouco diversa a que lhe deu o antropólogo Cláude Levi-Strauss, apenas para efeito do presente artigo)

 

Carlos Roberto Husek

Prof. de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

 

Analisando o Brasil atual, das “rachadinhas”, da compra de votos dos parlamentares para benefício da manutenção do poder, o desmonte da cultura e da escola, o pouco apreço pelo Judiciário e pelas instituições, em geral, a pouca leitura da Constituição Federal, salvo para interpretação em benefício próprio, o incentivo na compra de armas, o desprezo pelas diferenças sexuais e raciais, a busca incessante do poder e do dinheiro para o domínio sem contestação, com a utilização de notícias falsas por intermédio da comunicação eletrônica, a distribuição de comendas e medalhas para os apaniguados e membros da família, desprestigiando, por exemplo, a Ordem do Cruzeiro do Sul e a do Barão do Rio Branco, enfim, a compra pela vaidade e pela moeda, a exigência de que se dobre a coluna servilmente perante o “trono” presidencial e a busca de aparelhar o Legislativo e, se possível, o Judiciário, com pessoas que servem aos propósitos da ganância dominadora, fazem concretizar estes “tristes Trópicos”. Emprestando a este título de Claude Levi-Strauss, uma dimensão maior e atual do que hoje se passa.

“Tristes Trópicos”, que não conseguem plantar, colher e meditar; que não consegue subjugar a forme, que não consegue fazer valer a decência e a moral, nunca e em nenhum sentido, que produz homens da cultura para defender privilégios e abocanhar parte do que se retira da sociedade, deixando à mingua os desvalidos, favelados, subnutridos de alimento e de informação.

 “Tristes Trópicos”, que vivem em pleno século XXI, como na época dos baronatos e dos escravos.

“Tristes Trópicos” que compram a consciência de cada um, e se possível do grupo e da coletividade, fazendo com que a ciência seja desrespeitada até por alguns cientistas, que se vendem pela ideia ou por algum favor político.

“Tristes Trópicos”, que escondem os pensadores, porque pensaram em desacordo com a manutenção do poder, como no caso de Gilberto Freire, posto à marginalidade, como pária social, sem medalhas ou comendas.

“Tristes Trópicos”, onde a Cultura é simples secretaria e é conduzida por alguém de arma na cintura, como se revivesse o faroeste dos filmes norte-americanos, e que a pasta da Educação interfere no conteúdo das provas para fazer prevalecer a política panegírica de centralização do mando, e que busca separar as crianças por seus eventuais defeitos, como a animar a criação de uma “raça pura”.

“Tristes Trópicos”, tão tristes que parecem sucumbir aos desmandos, à corrupção, aos interesses mesquinhos, ao apadrinhamento e não têm força para que as flores do raciocínio, da intelectualidade, do equilíbrio, não vicejem em meio à floresta de espinhos e que não permitem quaisquer raios de sol. Estamos no escuro, dominados pelos fantasmas da ignorância. Triste América Latina.

Triste Brasil, que nasceu em “berço esplêndido” e agora dormita à beira do Atlântico. Não temos, afinal, homens capazes de sensibilidade e de pensar no todo, no próximo, na sociedade? Não temos estadistas, mas só extrativistas gananciosos, prontos para extrair e chupar cada centímetro do homem e da terra.

Fernando Calderón e Manuel Catells retrataram os tempos modernos: “Nas duas primeiras décadas do século XXI quase todos os países da América Latina viveram uma sucessão de graves crises sociopolíticas que abalaram a estabilidade do Estado, afetando o processo de desenvolvimento em seu conjunto. Na raiz de praticamente todas as crises havia um fator desencadeante: a corrupção. O que os golpes militares foram no século XX como fator perturbador do Estado e da sociedade é no século XXI a corrupção sistêmica, que caracteriza todos os regimes políticos e destrói o vínculo de confiança entre cidadãos e Estado, fundamento psicológico e cultural que embasa a legitimidade da democracia. Por isso a corrupção é grave – porque, quando a América Latina parecia enfim ter alcançado o ideal de democracia liberal pelo qual tanto sangue, suor e lágrimas haviam sido derramados, um novo espectro começa a corroer a institucionalidade sobre a qual o cotidiano das pessoas repousa: a corrupção do Estado.”

Por que a Democracia é tão difícil e inalcançável?

“Tristes Trópicos”.

                                                   


sexta-feira, novembro 05, 2021

SUA MAJESTADE, O PRESIDENTE DO BRASIL

 


Por Fabrício Felamingo

 

Escreveu um antigo cônsul britânico, que por aqui viveu durante 25 anos:

“Supõe-se comumente que os brasileiros são bons oradores. Isso não é de todo verdadeiro. Os brasileiros são interessantes conversadores e podem sempre usar sua linguagem de modo pitoresco. Mas seus discursos convencionais são tropicais. (...) São poetas dos quais não se pode esperar que adiram matematicamente à verdade.”

“Os brasileiros que, de modo geral, são inteligentes e, em muitos ramos do conhecimento aplicado e da pesquisa, produziram nomes que estão ou mereciam figurar em primeiro plano, sofrem de graves defeitos de visão em matéria política. São capazes de deixar-se levar por simples rótulos ou fórmulas da última novidade política, seja qual for a sua origem.”

“Os brasileiros que viajam para o exterior parecem retirar, com algumas raras exceções, muito pouco proveito político dessas excursões.”

“O futuro de todas as nações está nas mãos da geração mais jovem. O jovem brasileiro (...) tem de estar em guarda contra o superficialismo se desejar prestar algum serviço ao seu país. Foi o caminho fácil do patriotismo superficial que levou a geração mais velha do Brasil a evitar as verdadeiras questões políticas com as quais se defrontou, depois que o Brasil se tornou uma república”.

Salvo pela última frase, a análise feita acima aparentaria ter sido escrita nos dias atuais. No entanto, data de 1934 e é feita por Ernest Hambloch[1] no livro “Sua Majestade, o Presidente do Brasil: um estudo do Brasil constitucional (1889-1934)”, editado pelo Senado Federal no ano de 2000.

É de certa forma angustiante ver que tais observações do inglês sobre o Brasil não apenas permanecem válidas, como atualmente estão escancaradas, sem qualquer preocupação com verniz de disfarce. A recente viagem do Presidente do Brasil à cúpula do G20 (e sua não ida à COP 26) mostram isso: linguagem pitoresca, sem aderência à verdade, impondo rótulos políticos e patriotismo superficial, numa viagem que de forma alguma trouxe proveito político ao Brasil.

O Brasil parece se repetir continuamente como farsa, sem ter deixado de lado, no entanto, o drama na vida da população brasileira, com cada vez mais desemprego, mais mortes decorrentes da pandemia, mais inflação e desesperança dos mais jovens em relação ao seu próprio futuro. Nisso tudo, o drama permanece e se agrava dia a dia; na política, a farsa seria cômica, não fosse trágica.



[1] Ernest Hambloch (1886-1970) foi aprovado em primeiro lugar no concurso para o serviço consular britânico. Esteve a serviço em países como França, Alemanha, Itália, Sérvia, Suíça, Áustria e viveu no Brasil durante 25 anos, tendo visitado todos os estados brasileiros à exceção de um. Foi autor de diversos livros e correspondente do Times no Brasil. Nas palavras do imortal acadêmico da ABL José Honório Rodrigues (1913-1987), autor do posfácio ao livro aqui destacado, “(e)ssa obra abalou muito minhas condições presidenciais, e me fez pensar seriamente nas vantagens concretas e históricas do parlamentarismo no Brasil”.