quinta-feira, fevereiro 23, 2023

As mazelas da comunicação e o poder – uma mera reflexão

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito internacional Público e Privado

 

Não há efetiva separação entre Economia, Política e Informação, ou comunicação. Talvez, o mais importante para todos os campos da atividade política, venha a ser, exatamente, a comunicação; que é fundamental para qualquer governo.

Não existem governos perfeitos, mas há aqueles que não queremos, de jeito nenhum, porque desrespeitam os princípios fundamentais de convivência social, em um país institucionalmente organizado.

É engraçado, como alguns jornais agora se voltam contra as falas do presidente eleito, em relação ao que pretende fazer e em relação ao que pensa do passado. É legitima a crítica, mas, isto não pode significar que se queira o radicalismo da direita, que não respeita as instituições, a democracia e a Constituição Federal, não.

É certo que, também, não queremos o radicalismo de esquerda, não. Não queremos quaisquer radicalismos, e nisto, talvez a nossa incongruência, somos radicais. Mas, a quem interessa atacar o presidente eleito, como a dizer, que ele é um desacerto? Seria um acerto ter mantido o anterior, que sempre pregou as próprias razões como únicas –para ele não havia Congresso, não havia Justiça– e fazia vistas grossas para o desmatamento, e o incentivava (deixar passar a boiada); contrariava direitos humanos; cooptava as forças públicas; fraudava; buscava a adoração irrestrita; estimulava as “fake news”; desregulamentava a proteção indígena e todas as organizações voltadas para a defesa do ser humano; fazia pouco caso da saúde; somente tinha olhos para as armas; dizia que povo liberto é povo armado (armas sem regulamentação, bem entendido, para alguns, os amigos, embora o discurso pareça dirigir-se a todos). É isso que queremos? A quem interessa a crítica, sem parâmetros: aos golpistas?

Necessário vigiar os que foram eleitos. Isto é certo e é próprio da Democracia, fundamento e legitimidade do Estado democraticamente constituído.

Vigilância sempre, porque o poder exerce encantamento e aqueles que conquistam o poder tendem a se divorciarem rápido dos ideais, se e quando, estes, efetivamente existiram.

Vigilância sempre, para não fazerem bobagens pequenas (como, por exemplo, por uma estrela vermelha nos jardins do planalto ou pendurar uma camisa da seleção brasileira ou do time de preferência em algum mastro oficial –como se fossem propriedades particulares– ou dar cargo a mulheres de governadores e parlamentares eleitos do partido (parece que alguns já o fizeram); favorecer com cargos e comendas, amigos e parentes, como já aconteceu; não estamos devidamente vacinados contra essa prática. Não se pode errar no mínimo ético. Ou, então, grandes bobagens –bobagem é uma forma leve de referência aos desastres políticos (como mudar o rumo das instituições, para favorecer apenas o pensamento dos que estão no poder e perpetuar o domínio; armar as forças para manutenção do poder; ter posse dos bens públicos para objetivos particulares; apropriar-se dos símbolos da República; ir à guerra para afirmação das próprias razões).

E o que dizer dos recursos bilionários para a base de parlamentares (agora, acho que está em R$3 bi), para apresentarem projetos de políticas públicas que nunca saem da eventual projeção, e servem como moeda de troca para uma possível governabilidade? Tem que ser assim?

É necessário vigiar e criticar sempre. Como é difícil a democracia!

Vigiar (e orar) sempre! Há uma certa religiosidade em querer fazer o certo.

De qualquer modo, é impressionante como o esquecimento é uma das nossas mais arraigadas características sociais!

Esquecemos a ditadura e a justificamos, e entendemos que ela foi necessária.

Esquecemos a fome e a justificamos, e entendemos que ela é da natureza dos menos favorecidos pela “sorte”.

Esquecemos as mazelas do voto em papel, que favorecia nichos eleitorais e as justificamos, principalmente quando o candidato que desejamos eleito, não teve sucesso.

Esquecemos as guerras, com suas sequelas de horrores, individuais e sociais, e as justificamos.

Esquecemos as falas e as ações ditatoriais, como as tentativas de fechar o Congresso, destituir os ministros do STF, invadir o Supremo em um veículo com poucas pessoas (manda quem pode; o presidente manda não dar vacina, e o ministro da saúde, obedece); entregar medalhas da República aos familiares, mulher e filhos, pelos serviços prestados, como a Ordem do Cruzeiro do Sul ou a medalha do Barão do Rio Branco, e as justificamos.

O caudilhismo, o caciquismo, sinônimos para uma mesma doença, está no DNA dos países da América Latina: dominar, dominar o povo pela força; dominar o povo pela imagem e pelos bustos e estátuas; dominar o povo pela mitologia (os mitos), os deuses; dominar o povo pela vontade individual, sem o mínimo raciocínio coletivo; dominar o povo pela “canetada”, dominar o povo pelos emblemas, dominar o povo pelo chicote; dominar pelo berrante, como a conduzir o gado humano; dominar o povo pela força; dominar o povo pela ignorância, não prestigiando as escolas e os professores; dominar, dominar, sem atender para as necessidades sociais. E, com isso, passamos a ver beleza na vontade férrea de poucos, na obediência cega de muitos; admirados, ajoelhados e pedintes de um olhar do poder, inconscientemente elegendo para os altares particulares a personalidade midiática do momento.

É querer muito o avanço social e tecnológico para todos, independentemente de raça, religião, partido político, sexo, filosofia, opção sexual?

Só palavras e discursos resolvem?

Uns nasceram para servir e outros para mandar? É isso?

Queremos democracia plena, verdadeira, transparente: nenhum ser humano é inferior a outro; o que há, são os malandros –na ampla expressão do termo– que buscam vantagens pessoais e inferiorizam os demais. Possibilitar a aquisição de conhecimento é um perigo para os que dominam. Fazer com que o outro se creia inferior é a medida natural, às vezes na vida empresarial, e, quase sempre, na vida pública.

A quem interessa o discurso contrário aos direitos humanos, seguido de exemplos carregados na tinta, de assaltos e mortes? (Morte aos que assaltam e matam). É preciso combater o crime, mas também é necessário preveni-lo.

Por que é tão difícil entender que a escola salva e pode antever a existência do futuro bandido? Na concepção de muitos, não há jeito (pau que nasce torto morre torto –teoria lombrosiana?), mas, se isso for uma verdade, com a escola, o número de desajustados, é de se presumir, será bem menor, e para estes, em uma sociedade organizada e de progresso científico, poderá haver tratamento.

Por que criar marginalizados?

Não é lógico entender que o marginalizado de hoje é o revoltado de amanhã?

A quem interessam as armas? O ditador da Coreia do Norte fez há poucos dias uma exibição de seu armamento nuclear!

Os ditadores são previsíveis! O sofrimento é previsível! A ganância é previsível! No entanto, continuamos de olhos fechados, achando que tudo é natural!

Será que somos lombrosianos?

quinta-feira, fevereiro 02, 2023

Iemanjá - Dia 2 de fevereiro – dia de sua consagração

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

Iemanjá, nascida do consórcio de Obatalá, o céu, com Odudua, a terra, deusa das águas, que no sincretismo católico é a Nossa Senhora, mãe do mundo, nos tenta governar, de alguma forma.

Em épocas de esgotamento e decadência, as lendas – nossa época – se lendas forem, quando bem analisadas, revelam verdades profundas.

Há um inconsciente coletivo (Jung), que aflora nos mitos, nas alegorias, nos deuses, e são tão reais e verdadeiros, que quase podem ser tangenciados, e certamente vividos. Nossa pretensa vida consciente, nada mais é do que um pálido reflexo da realidade que está intrínseca em nosso ser.

O inconsciente está levemente sedimentado pelos cascalhos acumulados ao longo da vida; que por vezes arrebentam entre essas frágeis paredes e aparecem à luz do sol, com todo o seu esplendor.

Quem somos, afinal?

Há que se duvidar das aparências e das qualificações: monstros, anjos, seres impensados, que não se denotam, mesmo que olhemos fixamente no espelho. Van Gogh tentou e até fez um autorretrato, analisando-se, perscrutando-se, sem uma das orelhas, a direita, que decepou, sem piedade, oferecendo-a embrulhada, de presente, a uma prostituta da ocasião.

Ele não era a sua orelha, ele não era nenhuma parte de seu corpo; sob os cascalhos da vida, estava internalizado, onde poderíamos encontrar o genial artista, que em uma abstinência de álcool – naquele instante – buscou cortar um pedaço de si mesmo para presentear um momento de amor.  

Iemanjá, Mãe-d´Água, também nos remete ao que está acobertado, e que de tempos em tempos, escapa e se apresenta no vai e vem das ondas.

O oceano, águas de uma grande bacia global, se agita de um para outro continente, e boa parte dos seres vivos, em momentos de dificuldade invocam os deuses, com vários nomes e várias representações, todos, provavelmente, na pele representativa de Iemanjá.

O Brasil tem sete mil, quatrocentos e noventa e um quilômetros de litoral, banhado pelo mar. Iemanjá, faz com que as ondas beijem as praias ou se encapelem raivosas, atingindo as cidades, adentrando o continente, enfurnando brancos, índios, pretos, todos, de certa forma presos, pelos grilhões líquidos e inconscientes do domínio, do egoísmo, da insensatez.

Quando os portugueses conquistaram a costa brasileira, tornaram seus trabalhadores, os índios, que lá viviam da pesca e da caça – o paraíso prometido; depois inauguraram a rota da escravidão – Brasil/África – e a partir daí, o território nacional passou a ser o encarceramento de almas, em busca de romper as cadeias civilizatórias para um novo mundo.

Iemanjá, sempre prestimosa, buscou trazer mensagens de paz – vagas suaves no mar azul – e molhar as areias, com suas lágrimas e desvelos, embora, também se exalte, e irada, em conjunto com outros deuses, principalmente Inhaçã, deusa dos ventos e da tempestade, faça multiplicar as águas, nos campos e nas cidades, como desastres infindáveis, mortes e sofrimento. Vem através dos cascalhos coletivos e individuais, e nos abraça, nos perdoa e nos castiga, por continuarmos a derrubar as matas, a matar os índios, a escravizar, a impor a todos a fome, a sede e o abandono e os planejamentos marginais.

 

Iemanjá,

               Iemanjá,

Azul, azul do mar,

suba no horizonte;

     e os continentes,

a navegar

        nas suas ondas,

sinuosas,

                sabe-se lá,

onde vão parar!

 

Que Iemanjá e os deuses tenham pena de nós!

  

 

quarta-feira, janeiro 25, 2023

 


A “Limpeza da Chaminé”

 

Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

O pensamento voa e é liberto dentro de seu próprio espaço, dentro de sua própria cela. Daí justificarem-se os atos. Crer em uma revolução ou em um golpe, é crer nas próprias razões, cujo espaço não vai além da ponta do próprio nariz do crente.

A loucura está encastelada nas dobras do cérebro, como um verme que se nutre da imaginação, e contamina outros cérebros, a ponto de todos se entenderem sãos!

Em pleno Século XXI vamos à procura dessa doença civilizatória: o desequilíbrio mental ou psicose paranóide. Tantas cabeças nelas habitaram e continuam a habitar! Atingem artistas, escritores, poetas, governantes; aqueles três primeiros as transformam em seus efeitos e fazem pensar ou sentir; os últimos, os governantes, espalham o mal de tal forma e com tal força, como células cancerígenas, atingindo os centros do poder, desde os menores poderosos (o porteiro de um edifício público, o guarda da esquina), até o Presidente da República; e não há meios de cura: passa geração e vem geração, e todos estão inoculados, com a miopia do poder, alimentada pela doença mental.

Lembro de Lou Salomé[1], psicanalista que buscou remédio para os males de seu amigo Nietzche[2], com o Dr. Breur[3]: O suicídio poderia ser o único caminho, porquanto a incompreensão social penetrava nas células e átomos do filósofo, que não via solução para a incompreensão e para a injustiça.[4]

Somos todos um pouco Nietzche, e a falta de lógica do mundo nos atemoriza e nos faz padecer e pensar em suicídio social, isto é, desaparecer para o mundo, sair do palco das relações sociais, como Gretas Garbos[5], sem que nos salve a hipnose e o mesmerismo[6], talvez uma boa conversa, um bom diálogo; mas com quem trocar ideias para que se faça a “limpeza de chaminé”; tirar as ideias e os sentimentos de desespero e vitimizadores, para reverter as perspectivas, ainda mais, quando são informadas por ações coletivas?

Haveria um psicanalista de grupos e de multidões, que pudesse evitar o aparecimento de Hitler? Os hitleristas não morrem, apenas adormecem, ou desmaiam, e, possivelmente acordam quando a ocasião se fizer propícia.

Breur ou médicos equivalentes sociais (não há medicina psiquiátrica social que limpe a chaminé coletiva?), mas não teriam quaisquer possibilidades de sucesso, diante de um Goebbels[7] ou propagandista inoculado de “fake News” favoráveis às psicoses delirantes. Estamos vivendo o fenômeno da multiplicação dos “Goebbels”. Fenômeno biológico? A humanidade está necessitada de uma Lou Salomé, que busque fazer a ponte necessária entre o paciente social, o impaciente dominador e os homens e mulheres de boa vontade.

Atolados na massa informe do inconsciente, nos movemos de forma automática, informados mais pelas impressões do que pela análise e pelo raciocínio, e o que vem do fundo da alma (sem referências religiosas para esta expressão) assoma o dia a dia das nossas relações, e nos encaixamos em propósitos indecifráveis, levados por palavras de ordem, sem base na realidade visível. E, com isso, construímos a vida, na certeza de que o que vemos e sentimos é o que realmente há no horizonte.

Fica o aviso: não estamos curados. As doenças adormeceram em nós e se encapsularam. Que cada um faça a “limpeza de sua própria chaminé”



[1] Lou Adreas Salomé, psicanalista, filósofa, poetiza, ensaísta russa, seguidora de Freud e amada, dizem, de Nietzche.

[2] Friedrich Wihelm Nietzche, filósofo prussiano (Alemanha), escreveu várias obras, a exemplo de “Assim falou Zaratustra”, “Deus está Morto”, “O Anticristo”, e outras.

[3] Josef Breur, psicanalista austríaco, criador do método catártico, utilizado por Freud, a partir do qual as patologias psíquicas da histeria poderiam ser tratadas.

[4] Do livro “Quando Nietzche Chorou”, de Irvin D. Yalom, tradução de Ivo Korytowski, Editora Harper Collins, Rio de Janeiro, 2017.

[5] Greta Lovisa Gustafsson Garbo, atriz sueca, naturalizada norte-americana, que apesar de estar no auge da fama afastou-se da vida pública, levando vida reclusa.

[6] Franz Anton Mesmer, médico alemão que criou o conceito de magnetismo animal, utilizando também da hipnose para o tratamento e cura de doenças em seres humanos.

[7] Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista.

terça-feira, janeiro 17, 2023

Sob o domínio do ódio – Nelson Rodrigues

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

O título foi tirado do livro “A poeira da glória” – uma (inesperada) história da literatura brasileira, de Martins Vasques da Cunha.

É impressionante como fatos do passado ressurgem na atualidade, com igual natureza, com a mesma têmpera, com o mesmo significado. Mudam-se os personagens, ora reencarnados em outros. Há, efetivamente, algumas diferenças de grau, não de substância: não escravizamos mais os negros, como antigamente, nem os chicoteamos ou amarramos no pelourinho para que, após vergastados, e com o sal espalhado pelas feridas, queimando ao sol, sofressem até o desmaio ou a morte – não fazemos mais isso -, pois agora são bem tratados, com certa estimação!

Não confinamos as mulheres nas cozinhas e nas poltronas fazendo tricô, acompanhadas de suas mucamas, com plena liberdade de irem do quarto à sala e desta à cozinha – não fazemos mais isso -, pois agora são bem tratadas, só as matamos quando saem foram da linha previamente traçada, para os seus próprios benefícios. No entanto, têm ampla liberdade de servir e de andar e de trabalhar, salvo se agirem por conta própria, crentes que a sociedade poder viver por e com elas! É certo que algumas pensam como homens, com seus homens, e aí se sobressaem porque seguem o melhor caminho. Há progresso!

E os nossos dirigentes, então! E nossas forças da República, então! Que progresso! Não há mais a cerimônia do beija mão –não fazemos mais isso-, no máximo vamos às redes sociais, acobertados pelos poderosos, para dizer que todos são bonitos, judiados, injustiçados, e que devem continuar mandando, e que o Judiciário é um vilão, e que o Parlamento é um vilão, e que os que pensam de forma contrária são vilões, mas devem, pacientemente ser conduzidos às melhores práticas. É necessário destruir as obras de arte, queimar as constituições, quebrar vidraças, arrebentar cadeiras, deixar excrementos sobre a mesa de juízes, tudo com o ódio santificado, dos justos, porque “deles será o reino dos céus”.

Martins Vasques analisa Nelson Rodrigues e sua época –qual era mesmo o ano, 1964, 1968, 2021, 2022?– fico na dúvida; essa questão, sobre épocas, é complicada: os fatos parecem às vezes, tão iguais – embora nomes diferentes – que dá impressão que entramos em um túnel do tempo, em um buraco de minhoca e voltamos ao passado!

Diz o escritor: “O que Nelson Rodrigues percebeu como poucos é que o abismo que invadia a sociedade brasileira era o ódio fundador de um novo Brasil, um Brasil que era o oposto de tudo aquilo que tinha até então vivido, um Brasil que não tinha outra forma de ser chamado senão ´O Anti-Brasil`.

Um dos sinais mais evidentes de que estava surgindo um novo Brasil foi a leitura do regulamento do concurso literário que afirmava explicitamente que os contos por selecionar poderiam ser sobre todos os assuntos, menos o amor. Como assim? Para Nelson, só o amor (e o desejo de sua contrapartida, seu complemento) merecia ser matéria de criação. Apesar do romancista Lúcio Cardoso (autor de Crônica da casa assassinada, um romance do mesmo calibre de um Willian Faulkner) ter sido uma voz solitária contra esse regulamento estapafúrdio. Nelson sentia que ali havia o sintoma de algo que não era ´intranscendente´ (como costumava escrever em suas crônicas) – o início do ódio ao amor.

Este era o fundamento do ´Anti-Brasil`, o país que aceitava tranquilamente, entre os seus elevados representantes da elite intelectual, que o pacto germânico-soviético Molotov-Ribbentrop (a aliança entre Adolfo Hitler e Josef Stalin, que duraria a invasão da parte soviética na Polônia feita pelo primeiro em 1941) fosse visto como algo absolutamente normal. Apesar de ter acontecido há quase trinta anos, quando o ´Anti-Brasil` começava a mostrar suas garras –era 1968 e Nelson já estava com seus 55 anos– o pacto ainda atiçava a imaginação do dramaturgo carioca porque foi ali que notou que ´o ódio começava a ser mais promovido do que marca de refrigerante`. É a primeira coisa que o ódio faz entre as pessoas, pensou, é igualá-las entre si, torna-las gêmeas nunca no seu melhor, mas no seu pior –assim como aconteceu com ele ao ver a famosa foto de Stálin cumprimentando o coronel alemão Ribbentrop com uma alegria contida. Se era possível o pacto germano-soviético, concluiu, se o mundo o aceitou, então tudo é permitido e, portanto, o seu amigo Otto tinha razão: o mineiro só é solidário no câncer...(...). Tudo era muito lógico. Neste país, Hitler e Stálin tinham vencido porque eram ´constituídos de ódio` -e o povo brasileiro se via na insólita situação de optar por um ou por outro. Todos eram pequenos Stálins ou pequenos Hitlers –e quem não aceitasse esse ´processo de desumanização` que se virasse ou então muda-se de país...(...). Como resistir, a essa avalanche do ódio que parece dominar-nos com uma força impressionante?”[1]

No Brasil de hoje, há uma ascensão extraordinária da extrema direita radical, pequenos e grandes Hitlers, estão empunhando armas, alimentados de ódio, e achariam normal o pacto germânico-soviético, porque nada é tão similar e parecido do que o domínio do mais forte, o domínio das armas, o domínio do terror: esquerda ou direita? É só uma mera classificação para justificar a irracionalidade do ódio.

Há salvação?

Como já escrevi alhures, se Cristo voltasse à Terra, no Brasil de hoje, seria crucificado!

“Vade retrum, Satanás!”



[1] Da Cubha, Martin Vasques. A poeira da glória – uma ( inesperada) história da literatura brasileira – Editora Record, 2015, 1ª edição.

segunda-feira, janeiro 09, 2023

Endemoniados

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito internacional Público e Privado

 

 

É estarrecedor!

Quem pagou os radicais para irem de todos os cantos da República para Brasília, com a única finalidade de invadir o Congresso, o Executivo e o Judiciário, quebrando, depredando, roubando; raivosos como bando de trogloditas furiosos, comandados por vozes interiores, tomados por pelos espíritos das trevas, dançando sobre os símbolos da Democracia, enrolados em bandeiras, como se fossem donos do Brasil?

Quem financiou tudo isto? Porque, aquele que trabalha e estuda e necessita pagar impostos e progredir e tem sua família e necessita alimentar seus filhos, provavelmente não dispõe de tempo para se dirigir à capital do Estado e promover atos de vandalismo.

E os órgãos de segurança pública? E o governo do Distrito Federal? E as forças militares? E a Constituição Federal? Atacar o Supremo Tribunal Federal, abaixar as calças e fazer xixi em cima de uma mesa, roubar togas, arrebentar cadeiras e vidros, é exercício de liberdade individual, coletiva e democrática?

É estarrecedor!

O Brasil merece isto? O pavilhão nacional pode acobertar atos de vandalismo?

É estarrecedor!

Continuamos copiando dos Estados Unidos o que é de mais torpe e ruim (invasão do Capitólio: (des) Governo Trump)?

É estarrecedor!

Em que nossos eventuais líderes se diferenciam de outros que saqueiam, matam, encarceram, quebram, vociferam, só para manterem-se no poder?

É estarrecedor!

Éramos o país do futebol, das praias, do samba triste e romântico, do espírito afável e acolhedor, dos poetas, do futuro, do alto índice civilizatório: tudo mentira?

Tudo mentira. Em nosso inconsciente há uma camada grossa de neurose e psicopatia. Somos um país triste e possuído.

É estarrecedor!

As caretas dos manifestantes são próprias dos filmes de “poltergeist”, dos fenômenos sobrenaturais, caracterizados por manifestações de espíritos diabólicos, em que os seres humanos viram objeto, “cavalos”, incorporando seres estranhos, com o senho contraído, os lábios deformados, os olhos vermelhos!

Olham-se em algum espelho e enxergam a deformidade de que estão endemoniados? O que somos, agora? Isso!

É estarrecedor!

 

(com a licença de Castro Alves, em Navio Negreiro)

 

Existe um povo que a bandeira empresta

Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!...

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?

Silêncio Musa... chora, e chora tanto

Que o pavilhão se lave no teu pranto!...

 

Auriverde pendão da minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra

E as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...

 

Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu nas vagas,

Como um íris no pélago profundo!

Mas é infâmia de mais!...Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

Andrada! Arranca esse pendão dos ares!

Colombo! Fecha a porta dos teus mares!

 

 

 

 Crédito imagem: O Estado de São Paulo

quarta-feira, dezembro 21, 2022

Um momento natalino (um poema-crônica)



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP, e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito internacional Público e Privado

 

Introito:

 

Um momento natalino,

                rememorado,

sibilino.

Se Cristo estivesse vivo

ao escrever agora, supus,

             seria crucificado

e morreria na cruz.

 

 

Um rei que não tinha trono,

um rei que não tinha cama,

um rei que não tinha ouro,

um rei que não tinha prata.

 

Envolvido em panos,

        branca espiritualidade,

porém tropas de insanos,

        a cavalos pela cidade,

ordens de Nabucodonosor,

-“Matai todas as crianças”-

será apenas uma rápida dor,

em jogo, o futuro das finanças,

este é o aviso do grande ditador.

 

Mas aí veio o imprevisível,

       nasceu quem não podia,

pelas mãos do invisível,

       numa pobre estrebaria.

 

Um rei que não tinha trono,

um rei que não tinha cama,

um rei que não tinha ouro,

um rei que não tinha prata.

 

E somente com seu sorriso,

     trouxe um natural tesouro,

de perdão e compreensão,

      afastando o mau agouro,

em eclosão.

As mãozinhas delicadas,

          desenhadas de emoção

muitos milagres, muita luz,

palavras, bençãos em profusão,

mas os anos foram passando,

           e em processo viciado,

de mentiras alimentado,

a sentença veio de inopino,

esqueceram-se do menino,

          e o condenaram à cruz.

 

Os soldados de Pilatos,

                      armas do poder,

impingiram-lhe maus-tratos,

   porque se atrevera nascer,

registrando-se como Jesus.

 

E hoje assim vivemos,

o bem e o mal, luta aguerrida,

é o que, por agora temos,

            em nossa curta vida,

mas, ficou para eternidade,

          uma importante lição,

deixemos de lado,

            o poder e a vaidade,

para sermos só coração.

 

                    Feliz Natal para todos da ODIP

sexta-feira, dezembro 16, 2022

As carpideiras

 



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

O Bolsonaro chorou, o Tite chorou, o Neymar chorou, o Lula chorou, o capitão Thiago Silva chorou, o povo chorou... é por isso que choveu como nunca; ruas alagadas, casas destroçadas, pessoas ilhadas. O Brasil chorou e chora, por tudo e por nada.

Estamos na “Era das Carpideiras”, no velório do cadáver da nossa emancipação colonial. Fomos abandonados ao sul do Equador pelos pais lusitanos, que tiraram nossa coberta, nos descobriram e jogaram sobre nós o estigma do nanismo. Desde então, assumimos a nossa posição no mundo, como donos de um vasto território, de índios, florestas, e depois donos de engenho, e depois pretos escravos, e depois de elites dominantes, e depois de favelados e marginalizados, e depois de quintal de outros mais abastados, e depois de sambas e pagodes, e depois de carnavais e praias, e depois de papagaios falantes, e depois de milicianos e de guetos, atemorizados e atemorizantes.

Nós, os bem-sucedidos, não podemos aguentar os outros, drogados e alienados, que buscam roubar nossa paz e, aliás, só nasceram para este desiderato: nos atormentar. E, diante dessa realidade –os bons e os maus– só desejamos uma polícia forte que nos proteja dos direitos humanos que outros reivindicam.

É inacreditável como os índios, pretos, favelados, meninos de rua, famintos, desempregados, drogados, não se conscientizaram do lugar que lhes cabe na civilização colonizada: de meros servidores. Servidores do capital, servidores dos que passam as drogas, servidores dos que vendem as armas!

Há um grupo dominante –nasceram para dominar– e há grupo dominado, que nasceu para servir.

Pode-se lhes dar estudo, mas abririam os seus olhos para as possibilidades de eventuais posições de comando.

Pode-se se lhes dar armas –“povo armado é povo liberto”– mas isso traria o perigo de quererem lutar por eventuais conquistas.

Pode-se lhes dar comida, água potável e luz elétrica, mas isso faria com que quisessem dividir uma fatia do bolo dos benefícios do progresso e os tiraria da natureza para a qual foram criados, de servir e, eventualmente, ficarem com as sobras.

O progresso de igualdade social e cidadania seria, convenhamos, um desastre para a nossa civilização colonizadora.

O melhor será ficarem onde estão: no limbo.

O melhor será continuarmos chorando. Os “nossos maiores” choram, choram, choram, porque a conquista deles é sempre pessoal, nunca coletiva.

Temos sede de mitos e salvadores, de palavras de ordem, de grandes exemplos de homens fortes e de comando, de estátuas e de medalhas, de altares e de velas. Pensar, dividir, cooperar, só entre os “iguais”: bandido com bandido, miliciano com miliciano, rico com rico, religioso com religioso, sem nunca ultrapassar as fronteiras das nossas tribos. Resultado: continuamos matando e morrendo e chorando.

Cada governo que sobe ocupa os mesmos espaços de dominação e busca implantar a sua filosofia, que pode ser contrária ao governo que sai e impõe rumos completamente diferentes. É um revezamento periódico: um constrói sobre os escombros deixados, outro destrói e promove novos escombros. E, com isso, fazemos a festa da posse –choro e samba- e lamentamos o final do governo em choro convulsivo.

Não construímos pontes: apertar as mãos, cumprimentar e cooperar para que o mínimo institucional permaneça como caminho; passar o bastão, cantando o hino nacional e hasteando a bandeira; desejar ao que assume, boa sorte e se pôr à disposição, é impróprio, e impensável para um Brasil que não sabe perder e receber as lições de permanecer e construir.

A paixão nos informar e embota o raciocínio. Vivemos o presente. O passado não deixa rastro, o futuro não existe. Cada líder faz as suas próprias lutas (chora e ri), e nada transmite para as gerações futuras.

Triste se não nos restar outra perspectiva, senão a fala de Machado de Assis, pela boca de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.

Ainda somos um povo sem alma coletiva.

terça-feira, dezembro 06, 2022

O azinhavre da desconstrução social

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

A sociedade, com o passar do tempo, e com seus desgovernos, toma uma cor estranha, deixa de ter colorido e passa a criar uma pátina, meio amarronzada, meio cinza, um azinhavre que a encobre e não permite que floresça alguma alegria, quer seja na música, quer no esporte, quer na escrita, porque a força bruta, advinda de ações político-marciais, escurecem o meio ambiente e tingem a tudo de uma certa melancolia.

É duro perder no futebol, de uma seleção inferior. É mais desastroso perder na sociedade a Educação, a Cultura, e aumentar ao extremo a linha de pobreza. É ufanoso vencer. Mais venturosa a comida na mesa do pobre e a cultura e oportunidade para todos.

O Brasil está paupérrimo, embora mais armado; o Brasil passa fome, embora os mais ricos estejam ainda mais ricos; o Brasil está mais frágil e sem esperança, embora mais violento. O Brasil está perdendo de 10 a 0 no jogo da civilização. Afastamo-nos de tudo que possa tornar viável uma civilização nos trópicos; alguns de seus filhos não se cansam de copiar ações e símbolos de uma Alemanha nazista, que deveria ser uma página virada da história; grupos de milicianos ditando palavras de guerra e de ódio, longe –milhas de distância– dos princípios republicanos.

Permita-nos uma licença poética, com Gonçalves Dias:

 

Minha terra tem palmeiras

Onde cantam os sabiás,

As aves que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.

Nossos céus têm mais estrelas,

Nossas várzeas têm mais flores,

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores.

 

Sempre fomos pobres, mas não como agora! Tínhamos algum romantismo e esperança.

Sempre namoramos com a violência, mas agora com ela nos casamos!

É possível fazer um Estado Democrático de Direito sem nos preocuparmos com a Educação, com a Cultura, com a Literatura, com a História, com a Antropologia, com as Ciências Sociais, com a Saúde, matérias que fazem o povo pensar, que buscam privilegiar os mais desfavorecidos e ter o progresso social como meta? Todavia, não querem o povo pensando e, sim, que só sigam palavras de ordem.

As universidades e as pesquisas perderam dinheiro e estão à mingua; o que é normal quando não se aprecia o estudo e somente se pensa em armas.

Werner Jaerger, no livro Paidéia, explica: “todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual.[1]

Nas causas da decadência do Estado, como exposto no mesmo livro, diz o autor, pela boca de Platão: “A causa da sua decadência não fora a falta de valentia ou de arte da guerra, como um espartano poderia pensar, mas a sua incultura nas matérias humanas mais importantes. É esta profunda incultura que, hoje como outrora, destrói os Estados e continuará a destruí-los também no futuro.[2]

Há também, em decorrência dessa situação, uma raiva embutida contra a Magistratura, produto desta incultura, em especial contra o Supremo Tribunal Federal, que se manifesta de momentos a momentos, alimentada inconscientemente pelos ataques que há tempos vem sofrendo o Judiciário, por aqueles que estão em cargos do Poder Executivo, o que se explica pelo fato de que os processos contra este Poder são abertos pelos seus desmandos na área da saúde, na área do meio ambiente, na da cultura, na da educação e na dos direitos humanos (diga-se, o Judiciário é provocado, e não abre por sua iniciativa processo nenhum; mas os fanáticos contrários ao Judiciário ignoram isso). Somente se referem aos Ministros do STF com ironia, chamando-os de “semideuses”, por qualquer motivo e por qualquer notícia, sem a mínima análise. Não custa dizer: o STF é o guardião da Constituição Federal e esta impõe limites ao Poder Executivo. Assim, os governos de tendência ditatorial elegem como seus inimigos sempre as Cortes Supremas, que os impedem de governar sem limites, até conseguirem por nas Cortes “ministros amigos”, isto é, calarem o Judiciário e transformá-lo em poder periférico ou aparência de poder.

De qualquer modo, há que se observar que os Ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal são indicados pelos Presidentes da República, em seus mandatos, quando a vaga se apresenta, o que deveria fazer dividir a crítica aos magistrados com aqueles que indicam, que continuam na República a se sentirem poderosos e acima das leis.

Não se ouve falar com o mesmo desprezo e sarcasmo de decisões e desmandos do Executivo, ao incentivar o armamento indiscriminado, ao incentivar o descumprimento de regras sobre a saúde advindas da Organização Mundial da Saúde, ao incentivar a discriminação sexual e racial. Existem semideuses no Poder Executivo?

Seja lá como for, é certo que o país é governado pelos três poderes, cada qual dentro de suas esferas, mas o Judiciário, ante os mecanismos existentes na própria Constituição Federal, e falamos do Brasil, não pode ser acusado de atrapalhar o Executivo; no máximo atrapalha a vontade imperial de um governante, independentemente da ideologia ou do partido político deste. Claro que também o Judiciário erra, no entanto existem meios processuais e procedimentais para impedir que uma decisão muita injusta se concretize.

De qualquer modo, o eventual mal funcionamento dos Poderes da República casa-se intrinsecamente com a falta de educação da sociedade, porque dela saem os políticos, os legisladores e os juízes. Neste item não temos nos saído muito bem, porque não se ensina muito o respeito às instituições e à Democracia, bem como, ao direito de cada um limitado no direito do outro.

Existe luz no fim do túnel; é só deixar florir o gênio brasileiro, nas escolas, na cultura, na arte. No jardim dessas áreas (as imagens poéticas me perseguem, quanto mais oprimido me sinto) pode nascer uma árvore frondosa, e nela os ramos que nos levarão ao fruto e à sombra.

Queremos, cada vez mais, juízes independentes, presidentes e governadores estadistas e legisladores preocupados com a causa pública.

TROVA

Quem as suas mágoas canta,

Quando acaso as canta bem

Não canta só suas mágoas,

Canta a de todos também.

                              Mário Quintana

 

 



[1][1][1] Jaerger, Werner. Paidéia – a formação do homem grego. Lugar dos Gregos na história da educação, Marins Fontes, 1995, Tradução de Artur M. Parreira, p.3.

[2] Ibidem, 1328.

segunda-feira, novembro 28, 2022

Para que servem as armas?


Resposta, pura e direta: para matar. 

Não foi isso que aconteceu no Espírito Santo? Não é isso que acontece em todo lugar? O povo necessita de armas para comer, para estudar, para se vestir? CEGOS, SURDOS, BURROS. Quem acha que o cidadão precisa de armas para ser livre, tem a idiotice incrustada nas células. Será que não vamos progredir como pessoas e como civilização? A sociedade está doente e a doença já está quase passando do estágio de tratamento leve. Ou se proíbem as armas ou se aumentam os cemitérios e crematórios: simples, assim.


sexta-feira, novembro 18, 2022

O fazer diplomático – atividade óbvia?

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP- Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

A diplomacia é uma atividade de várias facetas e vários atores, nem todos com formação específica –Diplomacia– mas, provavelmente, com o mesmo espírito: diálogo, conversa, negociação, ganhar e perder, aproximação, superação de obstáculos, reconhecimento de espaços ocupados por outros saberes e outras visões do mundo. Daí ser possível diplomacia sem diplomatas em determinadas situações, mas informados pelo “fazer diplomático” (aqui a expressão tomada não na sua estreiteza puramente técnica e sim como fundamento das relações humanas e de Estados com estrangeiros e com outras nações): empresários em negociação com outros empresários, governantes com outros governantes, mas sempre com o objetivo de tornar um pouco melhor a “coisa pública”, favorecendo o maior número de pessoas e racionalizando a governabilidade.

Quando um governante assume o poder, além das funções administrativas, nas áreas da Economia, da Justiça, do Trabalho, do Comércio, da Educação, da Cultura, da Indústria, da Segurança, e outras, também assume a representação do Estado além das fronteiras. Para tanto, facilita a sua atuação, os princípios postos na Constituição Federal, inseridos no seu artigo 4º: independência nacional (I); prevalência dos direitos humanos (II); autodeterminação dos povos (III); não intervenção (IV); igualdade entre Estados (V); defesa da paz (VI); solução pacífica dos conflitos (VII); repúdio ao racismo e ao terrorismo (VIII); cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (IX); concessão de asilo político (X) e; integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações (par. único). Não é tão difícil assim! Basta seguir a Constituição Federal, que é nossa Lei Maior. Este é o terreno fértil onde se desenvolverá o que for plantado, com possiblidade de ser um vistoso jardim, o patamar, a argamassa para erguer o edifício da pátria e dizer ao mundo quem é este Estado, comandado por eventuais novos governantes. Claro que o Estado é permanente e seus governos, provisórios, mas estes, no tempo de mandato em que exercem as funções de governo, imprimem ao Estado a face que ele representa para o mundo. A nossa Constituição Federal revela para sempre a base desta face, cujas intervenções devem ser meramente cosméticas, para realçar suas linhas, salvo atos revolucionários que a modifiquem, o que, a seguir seus ditames, não é permitido.

Não se pense, contudo, que o governante esteja engessado pela Constituição; não está, porque cabe a ele, no caso do Brasil, dentro dos parâmetros constitucionais, formular a política externa que, embora não se confunda com a Diplomacia, dela faz parte e a ela se direciona, a exemplo, como formular ações prioritárias em relação à economia, ao Mercosul ou à África, etc.

Guimarães Reis explicita: “Vista com perspectiva e neutralidade, a política externa pode ser comparada a uma plataforma de lançamento ou mesmo um palanque de comício: algo assumido e apregoado, até para ter validade pública. Nesta matéria, o Governo que se inaugura –em geral nos discursos de posse– não tarda em dizer a que veio, ainda que para acrescentar simples variações do que antes fazia. Adicionalmente a política externa pode ser objeto de um programa especial, de uma estratégia, ou mesmo de uma ´doutrina`, até o limite de um artigo de fé.[1]

A diplomacia, ao seguir os impulsos da política externa –repita-se, sempre atrelada aos princípios constitucionais–, como ensina o diplomata já acima mencionado, é uma obra em aberto, em construção. O sucesso do governante, nesta tarefa, depende de seu conhecimento, de sua sensibilidade, de sua inteligência: “Em contraste com o que estamos caracterizando como política externa, a diplomacia é –por natureza– uma ´opera aperta`. É uma obra em aberto porque, em seu âmago, é um processo ´in fieri`, isto é, uma permanente evolução, o que não obsta a consistência. Idealmente, a diplomacia prefere deixar que o real fale por si, sem prejulgar de sua inesgotável liberdade... (...). Acontece que o mundo não se dá em percepção instantânea– tem de ser interpretado, inclusive em seus signos. Nesse sentido, a diplomacia é também uma hermenêutica. Mas, é uma hermenêutica focada na situação, como já assinalamos, porque a diplomacia lida com o momento, o particular, o atual, o urgente. Ela ´vai às coisas`, tem de buscar incessantemente a ´verdade efetiva`, para usar uma expressão de Maquiavel.[2]

Desse modo, temos a Constituição Federal como base para as ações do Governo, a política externa, como a administração do que pretende priorizar na sua política externa e a diplomacia como meio pacífico e inteligente de interpretar a realidade, em busca de afirmação e de progresso de um determinado povo, construindo os relacionamentos de acordo com as prioridades governamentais.

A tarefa é complexa. Governar é mais do que saber, é sentir. É trabalho, é humildade, é grandeza de espírito, é vocação e a Diplomacia é a ferramenta, interna e internacional, de que o Governo se serve para as ações mais delicadas. Neste último aspecto deve-se servir dos instrumentos técnicos e dos órgãos de relações externas, sob o comando do Ministério das Relações Exteriores.

Não se pode entender Governo de sucesso sem diplomacia.



[1] Reis, Fernando Guimarães. Caçadores de Nuvens – em busca da Diplomacia, Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília, 2011, p.190. (Diplomata de carreira, foi embaixador no Japão)

[2] Ibidem, p. 192.