sexta-feira, junho 18, 2021

Soft Law, Governança Corporativa e ESG

 


Por Henrique A. Torreira de Mattos

 

Soft Law ao ser tratado como um fenômeno do Direito, é vista de uma maneira sui generis, já que pela sua natureza, pode se manifestar tanto no Direito Internacional como em âmbito mais abrangente da regulação normativa, jurídica e não jurídica. Ao analisá-la no Direito Internacional a denominamos como Soft Law material ou substancial, pois refere-se às características substanciais das normas jurídicas, às obrigações por elas criadas, à sua precisão, ou bem às respectivas penalidades pelo descumprimento.

Desta forma, os tratados internacionais possuem características de Soft Law se tratarem o objeto de maneira principiológica ou com termos genéricos e sem precisão que impossibilite a identificação precisa de seu alcance. Caracteriza-se assim como uma recomendação com ausência de responsabilização e de mecanismos de coercibilidade.

Apesar do uso da expressão Soft Law, não podemos dizer simplesmente que se refere a um direito “fraco”. Mesmo sendo formada por princípios, sendo estes a sua característica marcante. Importante lembrar que ao lado de toda norma jurídica, existem princípios que norteiam o sentido da norma; ao mesmo tempo, todo direito conhece um certo grau de incerteza e ambiguidade. Estas características não podem ser usadas para desqualificar a aplicabilidade da Soft Law. Além disso, importante notar que ao contrário do que ocorre no âmbito nacional, no âmbito internacional não é possível garantir a satisfação total do direito material, tendo em vista a soberania estatal e a ausência de meios executórios absolutos.

Pela própria característica cooperativa e não subordinativa do Direito Internacional a garantia jurisdicional da defesa do direito material não é certa. Neste contexto, a soft Law seria um Direito mais leve em função de sua natureza.

No campo da Governança Corporativa que se encorpa mais por meio do conceito Environmental, Social e Governance (ESG), tendo em vista a possibilidade de normas não cogentes, podendo ser, inclusive, recepcionadas de outras jurisdições, podemos dizer que nos deparamos com uma normatividade relativa. Diante da pluralidade e complexidade de questões que podem surgir em função da combinação da necessidade da ação centrada e a complexidade dos problemas relacionados à questões institucionais e estratégicas das empresas e do mercado acionário, quanto aos interesses divergentes, faz-se com que surjam em abundância as soluções de compromisso por parte das empresas, do mercado e dos Estados para trabalhar em conjunto e a envidar esforços para enunciam princípios gerais neste sentido.

Quanto à sua forma a Soft Law, é a modalidade normativa que apresenta o interesse a ser alcançado e a flexibilidade desejada pelo Direito Internacional para sua transformação. Baseia-se na premissa de que pode criar Direito Internacional através de mecanismos leves ou genéricos, mas sem perder o seu sentido que está contido em seus princípios, em sua essência.

Em analogia às regras de Governança Corporativa, podemos inferir que, os chamados códigos de conduta ou códigos de melhores práticas, instrumentos estes que resultam das atividades empresarias e movimentações do mercado, nacional e internacional, aos quais pretendem atribuir um sentido de vinculante, por meio controle de conformidade (compliance).


Bibliografia:

VIRALLY, M. “La portée juridique des recommandations de organisations internationales” AFDI 1974;

DUPUY, Pierre Marie. “Droit Internacional Public”. Dalloz. 2006


quinta-feira, junho 10, 2021

Uma jarra de fel, com umas gotas de esperança


Carlos Roberto Husek

Professor de Direito Internacional da PUC de São Paulo e coordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado 



“A sociedade é como um navio; todos devem contribuir para a direção do leme” Henrik Ibsen (Um inimigo do Povo, ato 1)

 

Vivemos como sempre se viveu na História da humanidade; em época de transição. Cada época tem a sua transição e cada povo o seu momento, e o vive com todas as agruras e inseguranças, vislumbrando no horizonte algumas indefinições e um futuro desconhecido, próximo ou distante. A diferença dos dias atuais é apenas de grau e não de substância. Ressuscitam-se os poetas, os sonhadores, os santos, os revolucionários, e os psicóticos que governam, os sanguinários, os sedentes de poder, os que destroem a história e a cultura, adoradores de imagem, subservientes ao poder da hora, crentes apenas em suas próprias razões e que lideram povos por intermédio de grupos de apoio que dizem apenas e tão somente o que o dirigente maior quer ouvir. Vale a lembrança de que o “Rei quase sempre está nu”, embora se acredite cravejado de ouro, pelo simples fato de ser rei.

O que mudou? O mundo hodierno é tecnológico, com sociedades organizadas e sistemas de alcance do poder, em tese, democráticos e mais complexos, todavia as pessoas, principalmente quando em grupo, revelam o inconsciente das tribos primitivas e agem como se a tinta da chamada civilização não passasse de um colorido superficial que se desmancha no tempo, sem qualquer acréscimo, sem qualquer progresso social.

Por certo, comeríamos nossos inimigos ou aqueles que simplesmente pensam de modo diverso, se a fome batesse em nossas portas. Mudam-se os nomes dos dominadores e dos dominados, mas não se alteram os eventos na essência. Influenciam-nos, ainda, os totens, as palavras ditas teatralmente, os gestos de loucura, com punhos cerrados, o olhar fixando o nada sobre as cabeças, presos talvez de uma imagem embaçada de império e poderio, engando-se e engando a todos. Será que necessitaríamos da ordem dada aos rebanhos para nos dirigirmos a lugar nenhum?

Entretanto, há esperança e a há resposta vindas da própria heterogeneidade social. Em outras palavras, o que produz a automaticidade de ação do gado, também produz o desassossego, a eventual ebulição de novos caminhos e a mudança, e assim vamos a passos de tartaruga mudando alguns aspectos. Melhoramos um pouco, um mínimo, mas com isso alteramos algum elemento dessa composição complexa do viver social.

Tal se dá porque o poder de mando ao mesmo tempo que muda o meio em que acontece, também sofre influência, e por vezes, se vê na contingência de proceder a alguma transformação. 

Os Bonapartes, Hitlers, Mussolines, Maduros, Kim Jong - Ils, e outros aparecem e desabam, e novo ciclo se forma na espiral da política e da vida, com os mesmos espíritos, em nomes diferentes, mas com alguma sensível mudança, em face de uma sociedade cada vez mais multifacetada e atuante.

André-Jean Arnaud, explicita: “Isso não quer dizer que os tomadores das decisões políticas nunca tenham, anteriormente, enfrentado oposição, nunca tenham precisado ceder a reivindicações. (...) Pode mesmo ocorrer  que o tomador de decisão faça integrar, de modo próprio, a opinião pública, na elaboração de suas políticas; mas também que o processo seja o de submeter ao tomador de decisão as tendências da opinião pública; certos autores chegam até mesmo considerar casos em que a opinião pública é simplesmente construída de fora – aquilo que os colegas americanos não hesitam em chamar de ´opinion-making process´, em referência ao processo de tomada decisão, o ´decision-making process´. Quanto às relações entre os tomadores de decisões e os grupos de interesses, é possível constatar a ocorrência de uma virada. Esta última sobreveio, em grande parte, em consequência das desregulações consecutivas ao processo de globalização, assim como das reivindicações sistemáticas da base, sobre questões relativas a temas fundamentais como o mio ambiente, os direitos humanos, e a democracia.(...) Pode-se observar, igualmente, que, entre os atores em jogo na globalização, a sociedade civil ocupava apenas o quinto lugar, depois dos detentores dos direitos de propriedade (os acionistas), as empresas e as organizações suscetíveis de se deslocalizar, os atores territorializados (trabalhadores, sindicatos, redes de PME, coletividades descentralizadas) e os centros de decisão pública (Estados, organizações internacionais). Um pouco mais tarde, entretanto, admitiu-se que, entre os agentes de mudança, a sociedade civil desempenhava um papel de grande importância, mesmo que essa expressão seja ao mesmo tempo imprecisa e ambígua, abrangendo de um lado movimentos bastante distintos segundo a sua natureza, e, do outro, de acordo com o vetor sobre o qual eles intervêm – esses novos atores, com efeito, agem em níveis bastante diferenciados.[1] E, mais adiante, o autor destaca a sociedade civil como ator integral, observando que a sociedade civil não aparece apenas como um conjunto de movimentos de reivindicações, “mas também como a expressão de uma verdadeira vontade de participação por parte dos cidadãos.[2]

Não temo dizer que essa participação é por meio do voto em eleições com regras previamente estabelecidas, e nas quais é possível defenestrar os que têm tendência à tirania e eleger os altruístas, benevolentes, condescendentes, equilibrados, administradores de pessoas e não só de bens e mercadorias.

Outra possibilidade é a grita, o protesto, a ocupação geográfica das ruas para exigência das mudanças necessárias, sem desforço físico, pois as armas devem ser afastadas e substituídas pela palavra e a ação condizente, no apelo à inteligência e ao espírito. No mundo globalizado, não há opressor que consiga por muito tempo esconder-se sob a capa da democracia.

Existem outros caminhos? Talvez! Não cremos. Apostamos que a história ensina e a sociedade muda seu perfil, e como os autoritários e despóticos sofrem de falta de imaginação e quase sempre revelam uma miopia social acentuada, a transformação – ainda que parcimoniosa – termina por acontecer. Sabemos que em conta-gotas, mas é o preço que pagamos para um desenvolvimento consciente. O gosto amargo do fel persiste, porém ao fim e ao cabo, sobra o doce licor do crescimento.



[1] Arnaud, André-Jean. Governar sem fronteiras. Lumen Juris Editora, 2007, p. 222/231.

[2] Ibidem, p. 231 


 

quarta-feira, junho 02, 2021

Direito Transnormativo

 



Por Henrique A. Torreira de Mattos


A Teoria da Trasnormatividade parte da premissa de que no mundo em que vivemos, onde existe uma interação sobremaneira do ponto de vista das relações econômicas, sociais e culturais, proporciona uma discussão entre governos, seja no âmbito local, nacional, regional ou global, de modo que as normas internacionais deixam de ser discutidas internacionalmente pura e simplesmente, sendo discutidas em diversos foros independentemente de fronteiras.[1]

Na década de 1950, Philip Jessup[2] abordava o tema com muita propriedade. Para ele as relações transnacionais entre os seres humanos produziam consequências transnacionais, não cabendo a justificativa da aplicação do Direito através das doutrinas monista e dualista. No seu entender, em situações como esta a transnormatividade ocorre entre a relação existente dos dois Direitos Internos, direcionados pelo Direito Internacional.

Neste âmbito, o Direito Internacional origina-se da relação entre dois Direitos Internos e não os cria, definição que na época era contrária ao pensamento corrente que de certa forma via no Direito Internacional uma via direcionadora do Direito Interno (escolas monista e dualista).

Neste ponto, sua teoria era contrária ao monismo e ao dualismo por dois fatores. O primeiro, se baseava na relação entre seres humanos, que de certa forma configurava o mesmo princípio formador do Direito Interno. O outro fator, em função de analisar a questão da perspectiva interna para a internacional.

Para Philippe Braillard[3], em estudo realizado sobre a sociedade transnacional, este  a definiu como um sistema de interação, num domínio particular, entre atores sociais pertencentes a sistemas nacionais diferentes, visualizando que no interior de cada sistema nacional, as interações são decididas por elites não-governamentais e continuadas diretamente pelas forças sociais, econômicas e políticas nas sociedades de que fazem parte.

Diante desta explicação pode ser inferido que entre o Direito Internacional e o Direito Interno existe uma relação baseada em três pilares (internacional, global e interno) que caracterizam uma relação transnormativa.

O primeiro pilar acima citado, o internacional, representa uma tendência Estatal normativa internacional que visa a criação de determinada norma. O segundo, ou seja, o pilar global, representa o foro de discussão da sociedade civil internacional com exceção dos Estados, e por fim, o pilar local, representa a sociedade civil interna que promove a manutenção da conduta discutida nos foros internacionais.

Atualmente, a Teoria da Transnormatividade vem criando situações onde a transposição de um direito por outro, proporciona efeitos mais ágeis para amparar a globalização. Em muitas situações a cópia do direito alienígena, visando uma adequação interna para se preparar ao mundo global é importante e com certeza fomentou, e ainda fomenta, uma maior interação entre os Estados.

Um ponto importante a ser analisado é se, esta rápida adaptação transnormativa, seria sustentável, tendo em vista a distinção cultural, social e legislativa além fronteiras. Em outras palavras, antes da aplicação de uma norma transnacional deve haver um debate interno grande, a ponto de definir se a aplicabilidade desta norma alienígena é viável ou não, e é compatível ou não aos parâmetros internos. 

Para Wagner Menezes:

“Essa relação transnormativa se caracteriza por vários fatores de alocação de uma nova realidade internacional que, através de seus instrumentos normativos produzidos no plano internacional, dissolvem as fronteiras e possibilitam uma interpenetração de normas jurídicas entre o local e o global em um mesmo espaço de soberania e competência normativa. Elementos de fundamentação da construção normativa, como as fontes do direito, incluindo as soft law; o direito comunitário e seus mecanismos específicos para regulamentação intra-bloco; as regras de direitos humanos que passam de uma simples resolução e adotam cada vez o caráter de um ius cogens, um direito imperativo que deve ser respeitado e observado por todos os povos; as organizações internacionais, seus foros e sua atividade pseudo-Iegislativa; a transnacionalização da ordem econômica que envolve um número maior de temas e opera entre fronteiras, não só através do seu principal objeto, que é o capital, mas também por sujeitos operacionais, como as empresas transnacionais.”[4]

Diante das considerações acima, o que se nota é que a Teoria da Transnormatividade recebe críticas, pois pode colocar em risco o conceito clássico de soberania, uma vez que o Estado não possui mais, necessariamente, o poder criador da norma internacional do ponto de vista analisado pelas doutrinas monista e dualista. Ao contrário, o Estado passa a ser receptor de normas estrangeiras, que muitas vezes podem ter sido criadas por um outro Estado, organizações internacionais ou pela própria sociedade civil internacional.

Outro ponto a ser considerado, é o fato de que tais normas não necessariamente subordinam-se a hierarquias internas do Estado para produzirem seus efeitos, ou seja, não se trata de um ius cogens.

Nota-se, portanto, que além das barreiras geográficas, as normas ultrapassam também barreiras jurídicas, filosóficas e sociológicas, sendo criado um espaço global normativo.[5]

 

Bibliografia:

 

HELD, David; MCGREW, Anthony. “Prós e contras da globalização”. Tradução Vera Ribeiro. Editora Zahar, 2001;

JESSUP, Philip C. “Direito transnacional”. Tradução Carlos Ramires Pinheiro da Silva. Editora Fundo de Cultura, 1956;

BRAILLARD, Philíppe. “Teoria das relações intemacionais”. Tradução J. J. Pereira Gomes e A. Silva Dias. Fundação Calouste Gulbenkian, 1990;

MENEZES, Wagner. “Ordem Global e Transnormatividade”. Editora Unijui. 2005;

IANNI, Octávio. “A era do globalismo”. Editora Civilização Brasileira, 1996.



[1] HELD, David; MCGREW, Anthony. “Prós e contras da globalização”. Tradução Vera Ribeiro. Editora Zahar, 2001. Pág. 88.

[2] JESSUP, Philip C. “Direito transnacional”. Tradução Carlos Ramires Pinheiro da Silva. Editora Fundo de Cultura, 1956. Pág. 124.

[3] BRAILLARD, Philíppe. “Teoria das relações intemacionais”. Tradução J. J. Pereira Gomes e A. Silva Dias. Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. p. 275.

[4] MENEZES, Wagner. “Ordem Global e Transnormatividade”. Editora Unijui. 2005. Pág. 204.

[5] IANNI, Octávio. “A era do globalismo”. Editora Civilização Brasileira, 1996. Pág.178.


segunda-feira, maio 24, 2021

CINCO AVIÕES

 


Por Fabrício Felamingo


Os números não enganam, creem as pessoas. Assim, as afirmações que são acompanhadas de estatísticas em geral são tomadas como mais corretas ou verdadeiras. Num país em que por mais de um ano estamos na situação de termos tantos mortos quanto se cinco aviões caíssem todos os dias ao chão, com todos os passageiros morrendo, ainda há os que defendem que temos mais de 14 milhões de pessoas “recuperadas” da COVID-19, como se o número fosse correto e não uma mera subtração de número de mortes em relação aos infectados, como se isso fosse suficiente para aferir a eficácia de alguma política pública (!?). Sem contar as sequelas que a doença deixa, nada há a se celebrar na existência de milhões e milhões de infectados por uma doença em que bastam máscara e assepsia básica para que o risco de contaminação se reduza enormemente. O isolamento, naturalmente, seria o ideal, mas a falta de exemplo das autoridades máximas impede que a maioria das pessoas se sinta constrangida em não restringir ao mínimo necessário suas interações sociais.

Como é possível estarmos nessa situação? O que é necessário que aconteça para que as autoridades mudem de opinião? Penso nisso e me vem à cabeça uma frase de Eduardo Gianetti, no seu “O mercado das crenças: filosofia econômica e mudança social”: A crença de que a verdade foi encontrada é uma fonte inigualável de autoconfiança e motivação”. Se a verdade já foi encontrada, não há mais que ser alcançada. Em outras palavras, como diria Lord Keynes[1], citado na mesma obra por Gianetti:

“Homens práticos, que se julgam absolutamente isentos de influências intelectuais, em geral são escravos de algum economista defunto. Os malucos no poder, que ouvem vozes no ar, destilam seus desvarios de algum escriba acadêmico de alguns anos atrás. (...) (N)o campo da filosofia econômica ou política, poucos se deixam influenciar por novas teorias após a idade de 25 ou trinta anos, de modo que as ideias que administradores públicos, políticos e mesmo agitadores aplicam aos acontecimentos atuais dificilmente serão as mais recentes. Porém, cedo ou tarde, são as ideias e não os grupos de interesse que representam perigo, para o bem ou para o mal”.

Temos hoje um mandatário cujas ideias e (pré)conceitos claramente são os apreendidos quando de sua formação, na década de 70, durante o regime militar. Dirige a nação com tais ideias e aparentemente pouco faz para arejá-las ou atualizá-las. No entorno, cerca-se de quem as confirme. Na pior das hipóteses, atua de maneira premeditada (para quais fins, ficamos a imaginar). Na melhor, luta contra moinhos como se dragões fossem, mas sem a pureza de um Dom Quixote, deixando pois de enfrentar os reais problemas da nação, por não enxergá-los. Crê-se portador das verdades, abominando os que delas não compartilham. Foge de um imaginário golpe político à Jânio Quadros, ameaçando com outro, e entende que assim governa.

Hoje caíram mais 5 aviões. Todos a bordo morreram.



[1] Keynes, J.M. The general theory of employment, interest and money. Londres, 1973. Obra citada por Eduardo Gianetti em “O mercado das crenças: filosofia econômica e mudança social”. Cia. das Letras, 2003.


quarta-feira, maio 05, 2021

Homem e o Meio Ambiente

 


A relação entre o Meio Ambiente e os Direitos Humanos

 

Por Henrique A. Torreira de Mattos

 

Usualmente entendemos os Direito Humanos ao vinculá-lo intrinsecamente com o conceito de dignidade da pessoa humana, que por sua vez permite fazer reflexões aos direitos e garantias fundamentais trazidas pela Constituição Federal Brasileira e à própria Carta das Nações Unidas.

 

“Os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. (...) Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens[1].”

 

Segundo o ensinamento acima trazido por Norberto Bobbio, o Direito do homem não é estático ou absoluto, pois pode variar e evoluir pelo tempo conforme a evolução da sociedade, suas premissas, suas relações sociais, culturais, políticas, econômicas ou até mesmo suas fontes de Direito.

O dinamismo social permite o surgimento de novas relações ou interações, como por exemplo os efeitos trazidos pela Segunda Guerra Mundial por meio do surgimento das Organizações das Nações Unidas, com as elaborações da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, ambas ao final da década de 40.

O visão da internacionalização dos Direitos Humanos se tronou cada vez mais visível ao considerarmos os dois marcos normativos internacionais descritos acima, ganhando cada vez mais força a partir do momento em que a sociedade internacional, priorizou o tema mediante o surgimento de novas regras, como a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticas de 1966 e a Declaração Africana de Direitos humanos e dos povos em 1981, proporcionando a discussão mais enfática do tema de maneira ampla, não somente em fóruns internacionais diplomáticos, mas também por meio de Cortes Internacionais.

Partindo da ideia da constante evolução dos Direitos Humanos, é possível a sua classificação da seguintes forma:


i)    Direitos de primeira geração, que se fundamentam na liberdade, incluindo os direitos civis e políticos, possuindo uma estrita ligação com a ideia de Estado e Direito;

ii)  Direitos de segunda geração, os quais já trazem como pano de fundo os direitos sociais, econômicos e culturais, concentrando a preocupação na dignidade da pessoa humana; e finalmente,

iii)            Direitos de terceira geração, que abrangem os direitos difusos ou coletivos.[2]


A partir da evolução acima descrita, iniciamos o nosso racional ora proposto de conectar os Direitos Humanos ao Meio Ambiente ou ao Direito à proteção do Meio Ambiente, trazendo com base inicial o artigo 225 do texto constitucional brasileiro, conforme segue:


"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."

Logo, percebemos pelo enunciado acima que o texto constitucional não vislumbra apenas a proteção ambiental por uma finalidade em si própria, como uma forma de proteção apenas do bioma ou do meio ambiente, mas inclui o ser humanos como destinatário ativo e passivo desta normativa.

Além disso, também é importante perceber que tal proteção não fica restrita apenas ao território nacional, mas sim expansível a todo o planeta pelo simples fato de que o meio ambiente é uniforme e interdependente em todas as partes do planeta, de maneira que os efeitos de um ato praticado em um país ou outras localidades, produz efeitos, muitas vezes diretos em outros, a confirmar o grande número de exemplos de catástrofes ambientais já testemunhadas, como destruição de florestas, testes nucleares, vazamentos nucleares, poluição de rios e mares, efeito estufa, dentre outros, discussões estas que em muitos casos foram levados a discussão na Corte Internacional de Justiça, por exemplo.

Especialmente, ao analisar a terceira geração dos Direito Humanos acima citada, o meio ambiente passa a tomar maior destaque, a partir da década de 70 com a indiscriminada exploração dos recursos naturais e a necessidade de implementação mecanismos de garantia do espaço vital mínimo de bem estar. Nota-se que o debate sobre o tema não ocorre somente entre Estados soberanos, mas chamado e enfatizado com ações concreta pela sociedade civil internacional organizada.

A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, debatida no âmbito das Nações Unidas, estabeleceu a relação jurídica que apesar de notória, necessitava de tal regulamentação internacional para moldar a vinculação entre os dois valores jurídicos, pautando os dois princípios abaixo transcritos:

1.     “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.”

2.     “Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e na fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento.” 

Restou demonstrada, não somente a importância da temática do Meio Ambiente, mas a necessidade de sua proteção como uma forma de proteção da dignidade da pessoa humana para as gerações presentes e futuras por meio de uma responsabilidade internacional dos Estados.

Nota-se ainda, que tal perspectiva sai da temática ambiental e humanitária, transferindo-se para outras dimensões como a social e econômica, de modo a fazer com que as ações de Estados e consequentemente de seus nacionais, sejam elas pessoas jurídicas ou físicas atuem em prol deste bem comum como uma forma de atuação conjunta e sustentável, trazendo o equilíbrio a nível econômico, social e ambiental, correspondente à tão mencionada Sustentabilidade, termo este cunhado na Conferências das Nações Unidas para o Meio Ambiente de 1992 na cidade do Rio de Janeiro, cuja evolução mais recente é abordada no âmbito do termo ESG (Environmental, Social and Governance – Meio Ambiente, Social e Governança).




[1] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 19 ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 18

[2] MOLINO, Fernanda Brusa. Direito ao desenvolvimento e direito ao meio ambiente: a compatibilidade no âmbito internacional. In: FINKELSTEIN, Claudio; SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. (Coords). Direito internacional em análise. Vol I, São Paulo: Clássica editora, 2012, pp. 170 – 191, p. 180.


segunda-feira, maio 03, 2021

Peça do Absurdo


Carlos Roberto Husek – Prof. de Direito Internacional da PUC/SP


Luzes e sombras e no grande teatro da História desenvolve-se a peça do absurdo!

“Minha filha, você perdeu a cabeça?”

 Abrem-se as cortinas e no palco, surge apenas um corpo sem cabeça. E todos riem; alguns choram...

Questões incompreensíveis e uma afirmativa:

1.    Os auxiliares tentam convencer o chefe de tomar vacina?

2.    Há auxiliar que necessita tomar vacina escondido do chefe, por que senão ele fica contrariado?

3.    Fazer a CPI e votar livremente naquele que será o relator e o presidente de uma comissão no Congresso, por um congressista, é trair o chefe?

4.    Para instaurar a CPI há necessidade, por extensão, instaurar uma CPI dos Governadores, para abrir todas as possibilidades de defesa. Melhor forma de defesa é o ataque?

Afirmativa:

É fato notório, comprovado, claro, inequívoco que apesar de alguns Governadores não agirem como deveriam, se não fosse a ação deles com medidas de isolamento, o Brasil estaria muito pior.

A par disso tudo, que, infelizmente, não tem mais jeito, porque o que interessa para o governo é o binômio, “eu mando e você obedece”, talvez de forma dramática e catastrófica, haveria a derrocada de um país que sonhou em ser grande?

 Não pelas armas, mas pela exuberante natureza, por sua diplomacia, pelo seu alto índice civilizatório, por não compactuar com milícias, com terrorismos, com racismo. Tudo, um pouco românico, é claro, mas havia na alma do brasileiro estes sentimentos, estas ideias, que agora morreram, oferecendo a verdadeira face, a face do terror, a face do medo, a face a desinteligência. Este, talvez, seja o verdadeiro Brasil. Só pode ser! Um país, em que os auxiliares (não foi só um, foi mais de um), tentam convencer o chefe de tomar a vacina, como se tentassem dar a uma criança um remédio dentro de uma guloseima, para criança pensar que não tomou; um país, que um auxiliar necessita esconder do chefe que tomou a vacina, para não entrar no rol dos desobedientes; um país, que os que votam contra a vontade do gerente maior, são tidos como traidores e aqueles que escrevem, dão aulas, fazem palestras, divulgando outras ideias, que não as advindas do poder, são perseguidos e ameaços pelas milícias ideológicas;, digitais e até físicas; um país, em que o supremo mandatário da nação se põe em oposição aos governadores ( não governa junto! ), só porque sente que foi contrariado no seu pensamento; um país, que os auxiliares – não importa a pasta – acusam a China de produzir o vírus-comunistas e depois, para não ficar ruim se desdizem; um país, em que a pasta mais importante é o da obediência irrestrita (pensar nunca!); um país, que rebaixou o Ministério do Trabalho (que é outro lado de uma mesma moeda de governo; uma face, a economia, a outra, o trabalho, uma não vive sem a outra - “Rerum Novarum”, Leão XIII), para uma simples secretaria, e aos poucos vai tirando todos os direitos dos trabalhadores; um país, que ainda vê a fraqueza da economia, nos salários e não na corrupção; um país, que reúne todos os auxiliares de governo numa mesma bacia (bacia das almas) e não dá oportunidade de administração coerente em cada área; um país, que em tempos de crise econômica, de saúde, de justiça, de educação, provoca mais crises políticas e põe um personagem contra o outro no palco do Estado (dividir para governar), como um grande “big brother”, em que os diálogos ficam foram do contexto e o público ávido fica apostando nos vencedores; um país, em que a Educação ficou em segundo, terceiro ou quinto plano, ou plano nenhum, porque todos  que passaram pela Educação foram céleres, deseducados, contrários à informação, desrespeitadores das instituições, outros talvez se perpetuem sem esses desfeitos, mas a desconfiança fica no ar e se concretiza a cada dia; um país, em que proclama-se em alto e bom som que o certo seria fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal; um país, em que se decide qualquer problema pela briga, ou no pronunciamento à mídia, por quem deveria primar pela serenidade,  “pela porrada”

Este é o enredo da peça do absurdo: em que as pessoas valem pelo corpo, pelo sexo, pelo armamento, pela negatividade, pela dissimulação, pelo escárnio, pelo desafio (peito inflado dos halterofilistas), pela devastação da linguagem e do trato. Perdeu-se o verniz, a pátina da civilização, o progresso do “pithecanthropus erectus”, e voltamos a arrastar a companheira pelos cabelos e a jogar os inimigos no caldeirão fervente, para servirem de exemplo.

E a Educação é tudo! Não é? Ou não é?

Os gregos que o digam, mas também os ingleses, os alemães, os japoneses, os franceses, os norte-americanos, que formaram, bem ou mal, grandes nações. O que nós formamos até agora? Somos grandes em nosso território. E isso é pouco, muito pouco.

Acho que perdemos o rumo.

“Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação (...) Uma educação consciente pode até mudar a natureza física do Homem e suas qualidades, elevando-lhe a capacidade a um nível superior (...) Na educação, como o Homem a pratica, atua a mesma força vital, criadora e plástica, que espontaneamente impele todas as espécies vivas à conservação e propagação do seu tipo (...) Antes de tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade (...) Da dissolução e destruição de normas advém a debilidade, a falta de segurança e até a impossibilidade absoluta de qualquer ação educativa.[1]

O poder do dirigente não está nas armas, nas milícias, no domínio, no medo, está na sua inteligência em dirimir conflitos, aproximar pessoas e credos, liderar pelo exemplo, dialogar, abrir as discussões, ouvir os que se opõem, que é uma forma de saber a verdade, cercar-se de ministros especializados em suas respectivas áreas e ouvi-los – saber ouvir é o caminho do conhecimento e poder ser contrariado é o caminho do aprendizado. Aprendemos muito mais com os que nos contrariam, do que com aqueles que nos bajulam. Os amigos, dignos desse nome, dizem o que está errado; os aproveitadores dizem o que se espera ouvir. Judas beijou Cristo e não era o mais amoroso e fiel dos apóstolos.

Quando vamos aprender?

A cada dia uma pá de cal é jogada nas covas da sociedade brasileira. Acaso assim continue o ofício tétrico, nem carpideiras sobram para chorar nas salas sepulcrais das vigílias, noite adentro, com ou sem a presença de corpos.

 

... Depois do aparecimento do corpo sem cabeça, as cortinas se fecham e alguns saem segurando o próprio pescoço, para ver e sentir que tudo, apesar dos pesares, continua no devido lugar.

Afinal, as instituições ainda funcionam. Alívio!

 



[1][1][1] Jaeger, WERNER. PAIDÉIA  - A formação do homem grego -Martins Fontes, 1995


 

quinta-feira, abril 15, 2021

SINALIZAÇÃO


 

Por Fabrício Felamingo

 

O Brasil está no limite. Pessoal fala que eu devo tomar providências, eu tô aguardando o povo dar uma sinalização. (...) Eu não estou ameaçando ninguém, mas tô achando que brevemente teremos um problema sério no Brasil” (fala do Presidente da República em 14/04/2021).

 

Na página 319 do clássico Dicionário de Política de Bobbio (em coordenação conjunta com Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, aqui citado a partir da 13ª edição, Editora UnB), fui buscar a definição de democracia. No entanto, me chamou mais a atenção o verbete imediatamente anterior – demagogia. Diz ali: “(o) fenômeno da demagogia acentuou-se particularmente no nosso século [século XX] com o advento e o desenvolvimento da sociedade industrial e com o consequente aparecimento na cena política do papel determinante das massas e a crise das democracias liberais. A era tecnológica, tendendo à massificação do homem e à sua transformação em máquina, fez com que este tendesse facilmente a desorientar-se e a perder a própria individualidade. O homem sente-se de tal maneira isolado que é levado a buscar refúgio contra a própria angústia e insegurança que o aflige. Passa então a adequar seu comportamento social e político ao da massa. (...) Diante deste quadro, a instrumentalização das massas, graças às novas técnicas de persuasão e manipulação das consciências torna tudo fácil”.

“Pessoal fala que eu devo tomar providências, eu tô aguardando o povo dar uma sinalização.” No dia em que o Brasil chega aos 360 mil mortos em decorrência da Covid-19 somos brindados com esta frase presidencial. Quais providências estão sendo retidas pelo mandatário da Nação, aguardando um hipotético comando popular? “Eu não estou ameaçando ninguém, mas tô achando que brevemente teremos um problema sério no Brasil” Qual o problema sério o Brasil enfrentará “brevemente”, mais sério do que 360 mil mortos? O 11 de setembro causou menos de 1% de tais mortes, foi um problema sério. A Guerra do Paraguai, que matou em torno de até 300 mil pessoas, a depender dos cálculos apresentados, foi um problema sério. Mas agora o Presidente afirma que teremos um problema sério em breve. Mas não informa à Nação qual seria.

“Pessoal fala que eu devo tomar providências, eu tô aguardando o povo dar uma sinalização.” Será que os quase 58 milhões de votos que o elegeram já não foram uma sinalização suficiente de que ele deva “tomar providências”? Quais novas sinalizações seriam necessárias para que providências fossem tomadas?

Fico a imaginar o que pensaria o autor do verbete citado acima, Giampaolo Zucchini, falecido em 2005. Aliás, o verbete Demagogia continua: “(h)oje é possível falar de Demagogia moderna em contraposição à demagogia clássica, não somente como possível momento detonador de um processo revolucionário e, portanto, como elemento constitutivo de uma fase pré-revolucionária, mas também como comportamento de um líder político que não precisa de levar necessariamente as massas até a revolução, mas consegue sujeitá-las aos próprios fins pessoais até levar a cabo, depois de obter seu largo consenso, não mais um processo de democratização ou de subversão do sistema sociopolítico, mas a instauração de um regime autoritário, do qual o demagogo é o incontestável e despótico chefe (Führer). Meu grifo. Sinalização de demagogia...

sexta-feira, abril 09, 2021

Brancaleone ?


 

Armar, armar, armar,

E não, amar, amar, amar.

Impostos sobre livros,

Armas facilitadas,

E vacinas desarmadas

“ Todos juntos, pra frente,

Brasil, Brasil,

           Salve a escuridão!”

Enfrentar a peste

              Do pensamento,

Os sarracenos, os bizantinos,

                Os bárbaros,

De joelhos e armados,

                        Pelas milícias

Do momento.

      Este é o nosso destino,

Encapuzados

                    Com os panos

Do alheamento !

“......Salve a escuridão ...!”

quinta-feira, abril 01, 2021

Eis o “setting” das nossas loucuras - Diga Freud -

 



Carlos Roberto Husek

Professor de Direito internacional da PUC/SP e co-coordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

“Não é a vida o que eu queria
Nem o mundo o que sonhei.
Vida de paz e alegria
Num mundo de uma só lei.
Mas me ensinaram, e guardei,
Que após um dia há outro dia.
E rindo como o poeta,
Que o riso é minha saúde,
Fiz da alegria uma meta,
Fiz da esperança virtude.[1]

 
Disse Dráuzio Varella: “vamos supor que eu, genocida, quisesse matar o país inteiro, o que faria? Promoveria aglomerações, com palavras de ordem, sem uso de máscara; divulgaria o “´kit´ COVID”, composto de cloroquina, zinco, ivermectina (verificar a farmacêutica MERCK), e vitamina D, em doses cavalares”, e, complemento, riria da doença, apostaria numa possível imunidade de rebanho, diria que não passa de uma gripezinha e quem tem vida de atleta não pega. Todos esses componentes do “KID COVID” estão sendo desautorizados pela ciência e pelos fatos[2]:


Aglomerações, são o caminho da morte (mesmo com máscaras), lembrando que o coronavírus está se transformando - há outra cepa no ar - (por que será que as pessoas resistem em acreditar? Mistério psicológico que deve ter alguma explicação psicanalítica ligada à pulsão de morte – Freud – ao inconsciente coletivo – Jung, ou a uma crença de sobrevida posta nas mãos de deuses pagãos, de grupos que seguem de forma cega um guru que poderá, se tudo der errado, se imolar em praça pública).

Não uso de máscaras, tem o significado de: sou protegido pela minha crença, espíritos me protegem, posso de peito aberto enfrentar a multidão que o vírus passará a largo e se desviara do meu corpo fechado (benção), sou mais eu, e faço pouco para a pandemia que só existe na cabeça de comunistas arrivistas chucros, golpistas que querem derrubar o nosso herói, que veio para salvar o povo da corrupção.


Vamos raciocinar: 1. ainda que fosse verdade que alguém possa ter alguma proteção divina, extra, e fosse o escolhido para sobreviver, não se pode afastar a hipótese de que o vírus instalado dentro de uma pessoa, e que embora não a atinja, atinge a outras que com ela convivam, e que não usufruam das mesmas qualidades pessoais e mágicas– KIT COVID, vida de atleta, proteção divina – e que, por isso, poderão vir a morrer; 2. além do mais, quem é contra à falta de medidas eficazes e científicas, não é só por isso comunista ou pretensioso revolucionário que quer derrubar o governo. Pensar diferente não torna o diferente inimigo; 3. Por outro lado, a corrupção, convenhamos, não é apanágio somente de governos do passado, porquanto a corrupção tem sempre existência em todos os níveis. Os jornais noticiam.


4. São coisas diversas, que não podem ser misturadas:
a) combate à doença pandêmica, ouvindo os especialistas, a OMC, os testes de laboratório, as razões de racionalidade e equilíbrio;
b) escolha consciente de motivações políticas e ideológicas que no entender de cada um seriam melhores para o país, ouvindo sempre a parte contrária e buscando o diálogo como forma de apreender a realidade da visão humana;
c) é necessário pensar, as razões podem não ser nem de direita nem de esquerda, nem de centro tradicional, porque temos inteligência suficiente para atapetarmos caminhos diversos para o bem de uma determinada comunidade.


5. Também, não existem heróis, a não ser nas fábulas greco-romanas, irlandesas, norte-americanas, africanas e outras, que criam os super-homens que gostaríamos de ver voando e combatendo o crime e deixando o mundo melhor - tal argumento serve contra a direita e contra a esquerda -, mitos, esfinges, coroados de louros, armados (nem pensar) ou não, somente desviam o verdadeiro progresso do espírito e da humanidade.


6. Em relação às armas, bem como ao ensino voltado para uma única filosofia ou nicho religioso, não é absurdo dizer, talvez seja pior que pandemia, porque condena toda uma geração a não pensar (eunucos cerebrais) e a seguir cegamente palavras de ordem.


Kit COVID”, é a alquimia moderna, mistura de fórmulas, líquidos, elementos, que surgem repentinamente, sem teste algum, de um terreiro de ideias fantástica, alucinadas, com aplicações de folhagens, danças em torno de uma fogueira, rezas e passes, como se juntássemos olho de cobra, asas de morcego, mel, alface triturado, vinagre, vinho branco, efusão de folhas de mandioca e uma pitada de sal – tudo enfumaçado – e disséssemos: Eis o milagre, sussurrado pelo deus-sol! Obrigando todos a tomar, com a promessa de afastar para sempre a doença, e de um espaço no Paraíso. Mandinga, bruxaria, feitiço, sortilégio. E parte do povo acredita!


Rir da doença, imunidade de rebanho.  Aí, a perdição é total. Como é possível alguém rir da doença e da morte (e daí?). Mesmo a morte do inimigo, nos obriga, a nós, civilizados, a fazer de conta que choramos a triste sorte, daquele que nos atormentava a vida (é uma atitude mentirosa, mas que serve para manter um mínimo de civilidade). Talvez, seja possível imaginar-se a aplicação de descobertas científicas antigas, que se consubstanciam na sobrevivência do mais forte (Darwin), como: Vamos deixar morrer os mais fracos, que não resistirem à pandemia.  Ou talvez venha à mente a concepção hitleriana da raça pura, livre de cromossomas frágeis que se infectam por nada. A quem realmente interessa tudo isso?


Quem tem vida de atleta não pega. Mas de que comprovação histórico-científica esta frase foi tirada? Dos Livro dos Vedas? De uma constatação de que o eixo da Terra está se deslocando em trezentos e sessenta graus e tal deslocação atingirá, com doenças e mortes, a todos aqueles que não possuírem um organismo privilegiado? Ou, por ser a Terra plana e o que se passa no outro lado desse prato que paira no cosmo, e os não crentes dessa verdade serão atingidos pela infiltração mortal do vírus, porque a Terra por ser plana não tem dia nem noite, nem sofre de intempéries, nem muda de estação, navega plácida sob a proteção dos Maiores, que a achataram para que ela escapasse das intempéries do vácuo eterno. Crer, somente por crer, eis o mistério!
 
É desanimador.......
 


[1] Lago, Mário. Na Rolança do Tempo. Civilização Brasileira, 1976.
[2] Notícia dada pelo jornal O Estado de São Paulo, 29.03.2021: “Uso de KIT pode estar ligado a hemorragias e a insuficiência renal. (...) Além dos casos de hepatite medicamentosa associada ao uso de drogas do Kid Covid, médicos relatam outros efeitos colaterais que vêm aparecendo em pacientes sem doenças crônicas, mas que haviam utilizado os medicamentos. Médico nefrologista do Hospital das Clínicas da USP, Valmir Crestani Filho relata ter atendido pacientes com hemorragia e insuficiência renal ligadas direta ou indiretamente ao uso de medicamentos ineficazes contra a Covid.” Outra notícia no mesmo jornal e no mesmo dia: “Ele disse que queria o remédio do Bolsonaro. (filha de uma das vítimas). Mesmo sem sintomas nem teste positivo, ele recebeu o Kit covid (na Prevent Senior). Tinha azitromicina, cloroquina, vitaminas, corticoide. Ele tomou por cinco dias. Eu sabia que esses remédios não têm eficácia comprovada, mas como meu pai era muito teimoso, por questões políticas, nem adiantou eu falar (...) No dia 19 ele teve duas paradas cardíacas e foi intubado. Três dias depois, morreu.”