segunda-feira, maio 24, 2021

CINCO AVIÕES

 


Por Fabrício Felamingo


Os números não enganam, creem as pessoas. Assim, as afirmações que são acompanhadas de estatísticas em geral são tomadas como mais corretas ou verdadeiras. Num país em que por mais de um ano estamos na situação de termos tantos mortos quanto se cinco aviões caíssem todos os dias ao chão, com todos os passageiros morrendo, ainda há os que defendem que temos mais de 14 milhões de pessoas “recuperadas” da COVID-19, como se o número fosse correto e não uma mera subtração de número de mortes em relação aos infectados, como se isso fosse suficiente para aferir a eficácia de alguma política pública (!?). Sem contar as sequelas que a doença deixa, nada há a se celebrar na existência de milhões e milhões de infectados por uma doença em que bastam máscara e assepsia básica para que o risco de contaminação se reduza enormemente. O isolamento, naturalmente, seria o ideal, mas a falta de exemplo das autoridades máximas impede que a maioria das pessoas se sinta constrangida em não restringir ao mínimo necessário suas interações sociais.

Como é possível estarmos nessa situação? O que é necessário que aconteça para que as autoridades mudem de opinião? Penso nisso e me vem à cabeça uma frase de Eduardo Gianetti, no seu “O mercado das crenças: filosofia econômica e mudança social”: A crença de que a verdade foi encontrada é uma fonte inigualável de autoconfiança e motivação”. Se a verdade já foi encontrada, não há mais que ser alcançada. Em outras palavras, como diria Lord Keynes[1], citado na mesma obra por Gianetti:

“Homens práticos, que se julgam absolutamente isentos de influências intelectuais, em geral são escravos de algum economista defunto. Os malucos no poder, que ouvem vozes no ar, destilam seus desvarios de algum escriba acadêmico de alguns anos atrás. (...) (N)o campo da filosofia econômica ou política, poucos se deixam influenciar por novas teorias após a idade de 25 ou trinta anos, de modo que as ideias que administradores públicos, políticos e mesmo agitadores aplicam aos acontecimentos atuais dificilmente serão as mais recentes. Porém, cedo ou tarde, são as ideias e não os grupos de interesse que representam perigo, para o bem ou para o mal”.

Temos hoje um mandatário cujas ideias e (pré)conceitos claramente são os apreendidos quando de sua formação, na década de 70, durante o regime militar. Dirige a nação com tais ideias e aparentemente pouco faz para arejá-las ou atualizá-las. No entorno, cerca-se de quem as confirme. Na pior das hipóteses, atua de maneira premeditada (para quais fins, ficamos a imaginar). Na melhor, luta contra moinhos como se dragões fossem, mas sem a pureza de um Dom Quixote, deixando pois de enfrentar os reais problemas da nação, por não enxergá-los. Crê-se portador das verdades, abominando os que delas não compartilham. Foge de um imaginário golpe político à Jânio Quadros, ameaçando com outro, e entende que assim governa.

Hoje caíram mais 5 aviões. Todos a bordo morreram.



[1] Keynes, J.M. The general theory of employment, interest and money. Londres, 1973. Obra citada por Eduardo Gianetti em “O mercado das crenças: filosofia econômica e mudança social”. Cia. das Letras, 2003.


quarta-feira, maio 05, 2021

Homem e o Meio Ambiente

 


A relação entre o Meio Ambiente e os Direitos Humanos

 

Por Henrique A. Torreira de Mattos

 

Usualmente entendemos os Direito Humanos ao vinculá-lo intrinsecamente com o conceito de dignidade da pessoa humana, que por sua vez permite fazer reflexões aos direitos e garantias fundamentais trazidas pela Constituição Federal Brasileira e à própria Carta das Nações Unidas.

 

“Os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. (...) Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens[1].”

 

Segundo o ensinamento acima trazido por Norberto Bobbio, o Direito do homem não é estático ou absoluto, pois pode variar e evoluir pelo tempo conforme a evolução da sociedade, suas premissas, suas relações sociais, culturais, políticas, econômicas ou até mesmo suas fontes de Direito.

O dinamismo social permite o surgimento de novas relações ou interações, como por exemplo os efeitos trazidos pela Segunda Guerra Mundial por meio do surgimento das Organizações das Nações Unidas, com as elaborações da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, ambas ao final da década de 40.

O visão da internacionalização dos Direitos Humanos se tronou cada vez mais visível ao considerarmos os dois marcos normativos internacionais descritos acima, ganhando cada vez mais força a partir do momento em que a sociedade internacional, priorizou o tema mediante o surgimento de novas regras, como a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticas de 1966 e a Declaração Africana de Direitos humanos e dos povos em 1981, proporcionando a discussão mais enfática do tema de maneira ampla, não somente em fóruns internacionais diplomáticos, mas também por meio de Cortes Internacionais.

Partindo da ideia da constante evolução dos Direitos Humanos, é possível a sua classificação da seguintes forma:


i)    Direitos de primeira geração, que se fundamentam na liberdade, incluindo os direitos civis e políticos, possuindo uma estrita ligação com a ideia de Estado e Direito;

ii)  Direitos de segunda geração, os quais já trazem como pano de fundo os direitos sociais, econômicos e culturais, concentrando a preocupação na dignidade da pessoa humana; e finalmente,

iii)            Direitos de terceira geração, que abrangem os direitos difusos ou coletivos.[2]


A partir da evolução acima descrita, iniciamos o nosso racional ora proposto de conectar os Direitos Humanos ao Meio Ambiente ou ao Direito à proteção do Meio Ambiente, trazendo com base inicial o artigo 225 do texto constitucional brasileiro, conforme segue:


"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."

Logo, percebemos pelo enunciado acima que o texto constitucional não vislumbra apenas a proteção ambiental por uma finalidade em si própria, como uma forma de proteção apenas do bioma ou do meio ambiente, mas inclui o ser humanos como destinatário ativo e passivo desta normativa.

Além disso, também é importante perceber que tal proteção não fica restrita apenas ao território nacional, mas sim expansível a todo o planeta pelo simples fato de que o meio ambiente é uniforme e interdependente em todas as partes do planeta, de maneira que os efeitos de um ato praticado em um país ou outras localidades, produz efeitos, muitas vezes diretos em outros, a confirmar o grande número de exemplos de catástrofes ambientais já testemunhadas, como destruição de florestas, testes nucleares, vazamentos nucleares, poluição de rios e mares, efeito estufa, dentre outros, discussões estas que em muitos casos foram levados a discussão na Corte Internacional de Justiça, por exemplo.

Especialmente, ao analisar a terceira geração dos Direito Humanos acima citada, o meio ambiente passa a tomar maior destaque, a partir da década de 70 com a indiscriminada exploração dos recursos naturais e a necessidade de implementação mecanismos de garantia do espaço vital mínimo de bem estar. Nota-se que o debate sobre o tema não ocorre somente entre Estados soberanos, mas chamado e enfatizado com ações concreta pela sociedade civil internacional organizada.

A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, debatida no âmbito das Nações Unidas, estabeleceu a relação jurídica que apesar de notória, necessitava de tal regulamentação internacional para moldar a vinculação entre os dois valores jurídicos, pautando os dois princípios abaixo transcritos:

1.     “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.”

2.     “Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e na fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento.” 

Restou demonstrada, não somente a importância da temática do Meio Ambiente, mas a necessidade de sua proteção como uma forma de proteção da dignidade da pessoa humana para as gerações presentes e futuras por meio de uma responsabilidade internacional dos Estados.

Nota-se ainda, que tal perspectiva sai da temática ambiental e humanitária, transferindo-se para outras dimensões como a social e econômica, de modo a fazer com que as ações de Estados e consequentemente de seus nacionais, sejam elas pessoas jurídicas ou físicas atuem em prol deste bem comum como uma forma de atuação conjunta e sustentável, trazendo o equilíbrio a nível econômico, social e ambiental, correspondente à tão mencionada Sustentabilidade, termo este cunhado na Conferências das Nações Unidas para o Meio Ambiente de 1992 na cidade do Rio de Janeiro, cuja evolução mais recente é abordada no âmbito do termo ESG (Environmental, Social and Governance – Meio Ambiente, Social e Governança).




[1] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 19 ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 18

[2] MOLINO, Fernanda Brusa. Direito ao desenvolvimento e direito ao meio ambiente: a compatibilidade no âmbito internacional. In: FINKELSTEIN, Claudio; SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. (Coords). Direito internacional em análise. Vol I, São Paulo: Clássica editora, 2012, pp. 170 – 191, p. 180.


segunda-feira, maio 03, 2021

Peça do Absurdo


Carlos Roberto Husek – Prof. de Direito Internacional da PUC/SP


Luzes e sombras e no grande teatro da História desenvolve-se a peça do absurdo!

“Minha filha, você perdeu a cabeça?”

 Abrem-se as cortinas e no palco, surge apenas um corpo sem cabeça. E todos riem; alguns choram...

Questões incompreensíveis e uma afirmativa:

1.    Os auxiliares tentam convencer o chefe de tomar vacina?

2.    Há auxiliar que necessita tomar vacina escondido do chefe, por que senão ele fica contrariado?

3.    Fazer a CPI e votar livremente naquele que será o relator e o presidente de uma comissão no Congresso, por um congressista, é trair o chefe?

4.    Para instaurar a CPI há necessidade, por extensão, instaurar uma CPI dos Governadores, para abrir todas as possibilidades de defesa. Melhor forma de defesa é o ataque?

Afirmativa:

É fato notório, comprovado, claro, inequívoco que apesar de alguns Governadores não agirem como deveriam, se não fosse a ação deles com medidas de isolamento, o Brasil estaria muito pior.

A par disso tudo, que, infelizmente, não tem mais jeito, porque o que interessa para o governo é o binômio, “eu mando e você obedece”, talvez de forma dramática e catastrófica, haveria a derrocada de um país que sonhou em ser grande?

 Não pelas armas, mas pela exuberante natureza, por sua diplomacia, pelo seu alto índice civilizatório, por não compactuar com milícias, com terrorismos, com racismo. Tudo, um pouco românico, é claro, mas havia na alma do brasileiro estes sentimentos, estas ideias, que agora morreram, oferecendo a verdadeira face, a face do terror, a face do medo, a face a desinteligência. Este, talvez, seja o verdadeiro Brasil. Só pode ser! Um país, em que os auxiliares (não foi só um, foi mais de um), tentam convencer o chefe de tomar a vacina, como se tentassem dar a uma criança um remédio dentro de uma guloseima, para criança pensar que não tomou; um país, que um auxiliar necessita esconder do chefe que tomou a vacina, para não entrar no rol dos desobedientes; um país, que os que votam contra a vontade do gerente maior, são tidos como traidores e aqueles que escrevem, dão aulas, fazem palestras, divulgando outras ideias, que não as advindas do poder, são perseguidos e ameaços pelas milícias ideológicas;, digitais e até físicas; um país, em que o supremo mandatário da nação se põe em oposição aos governadores ( não governa junto! ), só porque sente que foi contrariado no seu pensamento; um país, que os auxiliares – não importa a pasta – acusam a China de produzir o vírus-comunistas e depois, para não ficar ruim se desdizem; um país, em que a pasta mais importante é o da obediência irrestrita (pensar nunca!); um país, que rebaixou o Ministério do Trabalho (que é outro lado de uma mesma moeda de governo; uma face, a economia, a outra, o trabalho, uma não vive sem a outra - “Rerum Novarum”, Leão XIII), para uma simples secretaria, e aos poucos vai tirando todos os direitos dos trabalhadores; um país, que ainda vê a fraqueza da economia, nos salários e não na corrupção; um país, que reúne todos os auxiliares de governo numa mesma bacia (bacia das almas) e não dá oportunidade de administração coerente em cada área; um país, que em tempos de crise econômica, de saúde, de justiça, de educação, provoca mais crises políticas e põe um personagem contra o outro no palco do Estado (dividir para governar), como um grande “big brother”, em que os diálogos ficam foram do contexto e o público ávido fica apostando nos vencedores; um país, em que a Educação ficou em segundo, terceiro ou quinto plano, ou plano nenhum, porque todos  que passaram pela Educação foram céleres, deseducados, contrários à informação, desrespeitadores das instituições, outros talvez se perpetuem sem esses desfeitos, mas a desconfiança fica no ar e se concretiza a cada dia; um país, em que proclama-se em alto e bom som que o certo seria fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal; um país, em que se decide qualquer problema pela briga, ou no pronunciamento à mídia, por quem deveria primar pela serenidade,  “pela porrada”

Este é o enredo da peça do absurdo: em que as pessoas valem pelo corpo, pelo sexo, pelo armamento, pela negatividade, pela dissimulação, pelo escárnio, pelo desafio (peito inflado dos halterofilistas), pela devastação da linguagem e do trato. Perdeu-se o verniz, a pátina da civilização, o progresso do “pithecanthropus erectus”, e voltamos a arrastar a companheira pelos cabelos e a jogar os inimigos no caldeirão fervente, para servirem de exemplo.

E a Educação é tudo! Não é? Ou não é?

Os gregos que o digam, mas também os ingleses, os alemães, os japoneses, os franceses, os norte-americanos, que formaram, bem ou mal, grandes nações. O que nós formamos até agora? Somos grandes em nosso território. E isso é pouco, muito pouco.

Acho que perdemos o rumo.

“Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação (...) Uma educação consciente pode até mudar a natureza física do Homem e suas qualidades, elevando-lhe a capacidade a um nível superior (...) Na educação, como o Homem a pratica, atua a mesma força vital, criadora e plástica, que espontaneamente impele todas as espécies vivas à conservação e propagação do seu tipo (...) Antes de tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade (...) Da dissolução e destruição de normas advém a debilidade, a falta de segurança e até a impossibilidade absoluta de qualquer ação educativa.[1]

O poder do dirigente não está nas armas, nas milícias, no domínio, no medo, está na sua inteligência em dirimir conflitos, aproximar pessoas e credos, liderar pelo exemplo, dialogar, abrir as discussões, ouvir os que se opõem, que é uma forma de saber a verdade, cercar-se de ministros especializados em suas respectivas áreas e ouvi-los – saber ouvir é o caminho do conhecimento e poder ser contrariado é o caminho do aprendizado. Aprendemos muito mais com os que nos contrariam, do que com aqueles que nos bajulam. Os amigos, dignos desse nome, dizem o que está errado; os aproveitadores dizem o que se espera ouvir. Judas beijou Cristo e não era o mais amoroso e fiel dos apóstolos.

Quando vamos aprender?

A cada dia uma pá de cal é jogada nas covas da sociedade brasileira. Acaso assim continue o ofício tétrico, nem carpideiras sobram para chorar nas salas sepulcrais das vigílias, noite adentro, com ou sem a presença de corpos.

 

... Depois do aparecimento do corpo sem cabeça, as cortinas se fecham e alguns saem segurando o próprio pescoço, para ver e sentir que tudo, apesar dos pesares, continua no devido lugar.

Afinal, as instituições ainda funcionam. Alívio!

 



[1][1][1] Jaeger, WERNER. PAIDÉIA  - A formação do homem grego -Martins Fontes, 1995


 

quinta-feira, abril 15, 2021

SINALIZAÇÃO


 

Por Fabrício Felamingo

 

O Brasil está no limite. Pessoal fala que eu devo tomar providências, eu tô aguardando o povo dar uma sinalização. (...) Eu não estou ameaçando ninguém, mas tô achando que brevemente teremos um problema sério no Brasil” (fala do Presidente da República em 14/04/2021).

 

Na página 319 do clássico Dicionário de Política de Bobbio (em coordenação conjunta com Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, aqui citado a partir da 13ª edição, Editora UnB), fui buscar a definição de democracia. No entanto, me chamou mais a atenção o verbete imediatamente anterior – demagogia. Diz ali: “(o) fenômeno da demagogia acentuou-se particularmente no nosso século [século XX] com o advento e o desenvolvimento da sociedade industrial e com o consequente aparecimento na cena política do papel determinante das massas e a crise das democracias liberais. A era tecnológica, tendendo à massificação do homem e à sua transformação em máquina, fez com que este tendesse facilmente a desorientar-se e a perder a própria individualidade. O homem sente-se de tal maneira isolado que é levado a buscar refúgio contra a própria angústia e insegurança que o aflige. Passa então a adequar seu comportamento social e político ao da massa. (...) Diante deste quadro, a instrumentalização das massas, graças às novas técnicas de persuasão e manipulação das consciências torna tudo fácil”.

“Pessoal fala que eu devo tomar providências, eu tô aguardando o povo dar uma sinalização.” No dia em que o Brasil chega aos 360 mil mortos em decorrência da Covid-19 somos brindados com esta frase presidencial. Quais providências estão sendo retidas pelo mandatário da Nação, aguardando um hipotético comando popular? “Eu não estou ameaçando ninguém, mas tô achando que brevemente teremos um problema sério no Brasil” Qual o problema sério o Brasil enfrentará “brevemente”, mais sério do que 360 mil mortos? O 11 de setembro causou menos de 1% de tais mortes, foi um problema sério. A Guerra do Paraguai, que matou em torno de até 300 mil pessoas, a depender dos cálculos apresentados, foi um problema sério. Mas agora o Presidente afirma que teremos um problema sério em breve. Mas não informa à Nação qual seria.

“Pessoal fala que eu devo tomar providências, eu tô aguardando o povo dar uma sinalização.” Será que os quase 58 milhões de votos que o elegeram já não foram uma sinalização suficiente de que ele deva “tomar providências”? Quais novas sinalizações seriam necessárias para que providências fossem tomadas?

Fico a imaginar o que pensaria o autor do verbete citado acima, Giampaolo Zucchini, falecido em 2005. Aliás, o verbete Demagogia continua: “(h)oje é possível falar de Demagogia moderna em contraposição à demagogia clássica, não somente como possível momento detonador de um processo revolucionário e, portanto, como elemento constitutivo de uma fase pré-revolucionária, mas também como comportamento de um líder político que não precisa de levar necessariamente as massas até a revolução, mas consegue sujeitá-las aos próprios fins pessoais até levar a cabo, depois de obter seu largo consenso, não mais um processo de democratização ou de subversão do sistema sociopolítico, mas a instauração de um regime autoritário, do qual o demagogo é o incontestável e despótico chefe (Führer). Meu grifo. Sinalização de demagogia...

sexta-feira, abril 09, 2021

Brancaleone ?


 

Armar, armar, armar,

E não, amar, amar, amar.

Impostos sobre livros,

Armas facilitadas,

E vacinas desarmadas

“ Todos juntos, pra frente,

Brasil, Brasil,

           Salve a escuridão!”

Enfrentar a peste

              Do pensamento,

Os sarracenos, os bizantinos,

                Os bárbaros,

De joelhos e armados,

                        Pelas milícias

Do momento.

      Este é o nosso destino,

Encapuzados

                    Com os panos

Do alheamento !

“......Salve a escuridão ...!”

quinta-feira, abril 01, 2021

Eis o “setting” das nossas loucuras - Diga Freud -

 



Carlos Roberto Husek

Professor de Direito internacional da PUC/SP e co-coordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

“Não é a vida o que eu queria
Nem o mundo o que sonhei.
Vida de paz e alegria
Num mundo de uma só lei.
Mas me ensinaram, e guardei,
Que após um dia há outro dia.
E rindo como o poeta,
Que o riso é minha saúde,
Fiz da alegria uma meta,
Fiz da esperança virtude.[1]

 
Disse Dráuzio Varella: “vamos supor que eu, genocida, quisesse matar o país inteiro, o que faria? Promoveria aglomerações, com palavras de ordem, sem uso de máscara; divulgaria o “´kit´ COVID”, composto de cloroquina, zinco, ivermectina (verificar a farmacêutica MERCK), e vitamina D, em doses cavalares”, e, complemento, riria da doença, apostaria numa possível imunidade de rebanho, diria que não passa de uma gripezinha e quem tem vida de atleta não pega. Todos esses componentes do “KID COVID” estão sendo desautorizados pela ciência e pelos fatos[2]:


Aglomerações, são o caminho da morte (mesmo com máscaras), lembrando que o coronavírus está se transformando - há outra cepa no ar - (por que será que as pessoas resistem em acreditar? Mistério psicológico que deve ter alguma explicação psicanalítica ligada à pulsão de morte – Freud – ao inconsciente coletivo – Jung, ou a uma crença de sobrevida posta nas mãos de deuses pagãos, de grupos que seguem de forma cega um guru que poderá, se tudo der errado, se imolar em praça pública).

Não uso de máscaras, tem o significado de: sou protegido pela minha crença, espíritos me protegem, posso de peito aberto enfrentar a multidão que o vírus passará a largo e se desviara do meu corpo fechado (benção), sou mais eu, e faço pouco para a pandemia que só existe na cabeça de comunistas arrivistas chucros, golpistas que querem derrubar o nosso herói, que veio para salvar o povo da corrupção.


Vamos raciocinar: 1. ainda que fosse verdade que alguém possa ter alguma proteção divina, extra, e fosse o escolhido para sobreviver, não se pode afastar a hipótese de que o vírus instalado dentro de uma pessoa, e que embora não a atinja, atinge a outras que com ela convivam, e que não usufruam das mesmas qualidades pessoais e mágicas– KIT COVID, vida de atleta, proteção divina – e que, por isso, poderão vir a morrer; 2. além do mais, quem é contra à falta de medidas eficazes e científicas, não é só por isso comunista ou pretensioso revolucionário que quer derrubar o governo. Pensar diferente não torna o diferente inimigo; 3. Por outro lado, a corrupção, convenhamos, não é apanágio somente de governos do passado, porquanto a corrupção tem sempre existência em todos os níveis. Os jornais noticiam.


4. São coisas diversas, que não podem ser misturadas:
a) combate à doença pandêmica, ouvindo os especialistas, a OMC, os testes de laboratório, as razões de racionalidade e equilíbrio;
b) escolha consciente de motivações políticas e ideológicas que no entender de cada um seriam melhores para o país, ouvindo sempre a parte contrária e buscando o diálogo como forma de apreender a realidade da visão humana;
c) é necessário pensar, as razões podem não ser nem de direita nem de esquerda, nem de centro tradicional, porque temos inteligência suficiente para atapetarmos caminhos diversos para o bem de uma determinada comunidade.


5. Também, não existem heróis, a não ser nas fábulas greco-romanas, irlandesas, norte-americanas, africanas e outras, que criam os super-homens que gostaríamos de ver voando e combatendo o crime e deixando o mundo melhor - tal argumento serve contra a direita e contra a esquerda -, mitos, esfinges, coroados de louros, armados (nem pensar) ou não, somente desviam o verdadeiro progresso do espírito e da humanidade.


6. Em relação às armas, bem como ao ensino voltado para uma única filosofia ou nicho religioso, não é absurdo dizer, talvez seja pior que pandemia, porque condena toda uma geração a não pensar (eunucos cerebrais) e a seguir cegamente palavras de ordem.


Kit COVID”, é a alquimia moderna, mistura de fórmulas, líquidos, elementos, que surgem repentinamente, sem teste algum, de um terreiro de ideias fantástica, alucinadas, com aplicações de folhagens, danças em torno de uma fogueira, rezas e passes, como se juntássemos olho de cobra, asas de morcego, mel, alface triturado, vinagre, vinho branco, efusão de folhas de mandioca e uma pitada de sal – tudo enfumaçado – e disséssemos: Eis o milagre, sussurrado pelo deus-sol! Obrigando todos a tomar, com a promessa de afastar para sempre a doença, e de um espaço no Paraíso. Mandinga, bruxaria, feitiço, sortilégio. E parte do povo acredita!


Rir da doença, imunidade de rebanho.  Aí, a perdição é total. Como é possível alguém rir da doença e da morte (e daí?). Mesmo a morte do inimigo, nos obriga, a nós, civilizados, a fazer de conta que choramos a triste sorte, daquele que nos atormentava a vida (é uma atitude mentirosa, mas que serve para manter um mínimo de civilidade). Talvez, seja possível imaginar-se a aplicação de descobertas científicas antigas, que se consubstanciam na sobrevivência do mais forte (Darwin), como: Vamos deixar morrer os mais fracos, que não resistirem à pandemia.  Ou talvez venha à mente a concepção hitleriana da raça pura, livre de cromossomas frágeis que se infectam por nada. A quem realmente interessa tudo isso?


Quem tem vida de atleta não pega. Mas de que comprovação histórico-científica esta frase foi tirada? Dos Livro dos Vedas? De uma constatação de que o eixo da Terra está se deslocando em trezentos e sessenta graus e tal deslocação atingirá, com doenças e mortes, a todos aqueles que não possuírem um organismo privilegiado? Ou, por ser a Terra plana e o que se passa no outro lado desse prato que paira no cosmo, e os não crentes dessa verdade serão atingidos pela infiltração mortal do vírus, porque a Terra por ser plana não tem dia nem noite, nem sofre de intempéries, nem muda de estação, navega plácida sob a proteção dos Maiores, que a achataram para que ela escapasse das intempéries do vácuo eterno. Crer, somente por crer, eis o mistério!
 
É desanimador.......
 


[1] Lago, Mário. Na Rolança do Tempo. Civilização Brasileira, 1976.
[2] Notícia dada pelo jornal O Estado de São Paulo, 29.03.2021: “Uso de KIT pode estar ligado a hemorragias e a insuficiência renal. (...) Além dos casos de hepatite medicamentosa associada ao uso de drogas do Kid Covid, médicos relatam outros efeitos colaterais que vêm aparecendo em pacientes sem doenças crônicas, mas que haviam utilizado os medicamentos. Médico nefrologista do Hospital das Clínicas da USP, Valmir Crestani Filho relata ter atendido pacientes com hemorragia e insuficiência renal ligadas direta ou indiretamente ao uso de medicamentos ineficazes contra a Covid.” Outra notícia no mesmo jornal e no mesmo dia: “Ele disse que queria o remédio do Bolsonaro. (filha de uma das vítimas). Mesmo sem sintomas nem teste positivo, ele recebeu o Kit covid (na Prevent Senior). Tinha azitromicina, cloroquina, vitaminas, corticoide. Ele tomou por cinco dias. Eu sabia que esses remédios não têm eficácia comprovada, mas como meu pai era muito teimoso, por questões políticas, nem adiantou eu falar (...) No dia 19 ele teve duas paradas cardíacas e foi intubado. Três dias depois, morreu.”

quarta-feira, março 24, 2021

As ONGs no cenário global

 




Henrique Araújo Torreira de Mattos.

Coordenador e Professor no curso de pós-graduação

 latu sensu em Direito Internacional da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (COGEAE) e

Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito Internacional

Público e Privado). Professor de Direito Empresarial na

 ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).



Em função do grau de globalização atingido pelo mundo, com uma interdependência cada vez maior entre os Estados, verifica-se a necessidade de uma maior harmonização das regras internacionais, em conjunto com um alinhamento com regras internas dos países, objetivos comuns, transparência mútua e cooperação em prol de algo maior e mais importante que seus interesses próprios, ou seja, o interesse global baseado na questão ambiental, social e econômica.

 

Com base nestes preceitos, o conceito de Governança Global continua a evoluir, justamente em função das inter-relações existentes entre os países, organismos internacionais, organizações não governamentais, empresas e o ser humano com o intuito da criação de mecanismos de ajuda mútua, a integração de tratados internacionais específicos, relacionados às questões ambientais, energéticas, tecnológicas, comerciais, econômicas, sanitárias, humanitárias, dentre outras, e ainda reforça fóruns de discussão amplos sobre estas questões como a ONU (Organização das Nações Unidas), a OMC (Organização Mundial do Comércio), OIT (Organização Internacional do Trabalho) e CCI (Câmara de Comércio Internacional), Fórum Econômico Mundial, dentre outros. Na Idade Moderna, a dependência entre os Estados se acentuou, fazendo com que a ideia de universalidade entre estes ficasse cada vez mais forte.

 

Não foi por acaso que, ao final do século XIX, os Estados se uniram para formar um foro estatal de solução de controvérsias através da criação da Corte Permanente de Justiça Internacional em Haia na Holanda, atualmente conhecida como Corte Internacional de Justiça, e também, como foi o caso, em 1920, da criação da Sociedade das Nações, organização internacional entre Estados que pretendia, além de proporcionar a paz e a cooperação entre os Estados, harmonizar as regras internacionais, além de ser um foro de discussão para diversos assuntos mundiais.

 

Infelizmente, o conceito essencial de ajuda mútua e cooperação ainda não estava maduro na sociedade internacional daquela época, visto que com o desenrolar da Segunda Grande Guerra Mundial, a Sociedade das Nações foi desfeita, ficando, entretanto, a esperança de que as ideias básicas ali pretendidas pudessem florescer novamente em um ambiente mais propício, que de fato ocorreu, após a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1945 com a criação da ONU.

 

Após a Segunda Guerra Mundial, o restabelecimento do diálogo entre os Estados através da ONU, que apesar de ser um foro universal, divide espaço com outros específicos e conforme o assunto discorrido, como o Banco Mundial, criado para o financiamento da economia mundial destruída pela guerra, o FMI (Fundo Monetário Internacional), cujo próprio nome menciona, consiste na formação de um fundo a ser disponibilizado aos Estados participantes para proteção e fomento da economia interna, dentre outros. Verifica-se, portanto, que os Estados perceberam a importância do diálogo, da cooperação e da ajuda mútua advindas do fortalecimento das organizações internacionais, uma vez que em função do aumento da interdependência, algo que aparentemente parecia um assunto interno, afetava outros Estados, causando prejuízos.

 

Além disso, os Estados e a Sociedade Civil Global, que podemos entender como o conjunto de entes internacionais formadas não pelos Estados, mas sim pela sociedade civil organizadas, formada pelo ser humano, seja por meio de organizações mercantis como multinacionais ou associações civis sem fins lucrativos (as organizações não governamentais – ONGs), também perceberem a necessidade de se movimentarem na confecção de uma estrutura jurídica nacional e internacional no sentido de suportar mudanças ou ações necessárias onde os Estados não conseguiam agir por ineficiência, falta de vontade política ou falta de senso de prioridade ou urgência, criando assim, uma movimentação para aprofundar discussões na sociedade, de maneira a influenciar desde políticas públicas a ações privadas.

 

A atuação das Organizações Não Governamentais (ONGs) fortalece o comprometimento e a observância das normas internacionais por meio dos conceitos commitment and compliance (compromtimento e conformidade), vez que além de exercerem atividades complementares aos Estados, como vimos no capítulo anterior, também exercem atividade fiscalizadora contra os Estados e protetora à sociedade. 

 

Portanto, seu papel retrata uma tendência mundial, que consiste na parceria entre as autoridades públicas e as ONG’s, atuando, inclusive, como legitimadoras da ação pública, de forma que existe um grande reconhecimento funcional ao receberem um tratamento consultivo no âmbito da Organização das Nações Unidas.  Importante ressaltar que a Resolução n. 1996/31 do Conselho Econômico e Social da ONU – ECOSOC, promoveu o estatuto consultivo das ONG’s, visando a defesa dos interesses da coletividade e informando que a sua atuação não é de interesse meramente público, mas também privado. Diante desta afirmativa é notório o caráter imparcial de atuação das ONGs, deixando claro que elas não pretendem a defesa de interesses próprios, mas de uma coletividade. 

 

Com base neste reconhecimento dados pela ONU, algumas ONGs cadastradas nesta organização internacional podem: (i) comparecer às reuniões; (ii) submeter relatórios e trabalhos previamente às sessões e reuniões do organismo internacional; (iii) fazer declarações oral nas reuniões do órgão; (iv) fazer reuniões com delegações de países que fazem parte das Nações Unidas, ou até mesmo com funcionários da ONU com o objetivo de tratar de assuntos relacionadas ao seu propósito; (v) organizar eventos durante as atividades da ONU e, acima de tudo, (vi) participar ativamente de debates relacionados ao temas de afinidade específica que são tratados no âmbito da ONU.




quinta-feira, março 18, 2021

Triste América

 



Carlos Roberto Husek
Professor da PUC de São Paulo e co-coordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Foi descoberta, descortinada em suas matas e montanhas, planícies e pedras preciosas, larguras de praias e a imensidão de uma costa que corta o Atlântico e o Pacífico. Dividida em duas metades, uma pertencente à Espanha e outra a Portugal, sofreu as agruras e as grandezas desses povos, que deram o melhor e o pior de suas culturas e domínios. Nela, antes de tirarem o véu que a cobria, grandes agrupamentos humanos formaram-se, cidades pujantes floresceram (Incas e Maias) e aborígenes, nativos da terra, que vieram da bruma do tempo e se espalharam de norte a sul, de leste a oeste. Rica na fauna e na flora, e no seu subsolo, e na sua plataforma marítima, alteia-se ao longo de sua privilegiada geografia, repleta de falésias, de promontórios, de ilhas, de rios e florestas, de infinitas espécies de aves e de animais, elevando-se para incorporar, talvez, o Paraíso bíblico, que pôs o primeiro casal sobre a face da Terra.

“Talhada para as grandezas,
P´ra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
- Estatuário de colossos – Cansado doutros esboços
´Disse um dia Jeová:
´Vai Colombo, abre a cortina
´Da minha eterna oficina...
´Tira a América de lá´”1

Todavia, algo deu errado a partir desse descobrimento, porquanto apesar da fartura e da preconizada bem-aventurança, a ganância dos países europeus não se conformou em tirar os panos, e estabelecer um novo caminho para a humanidade; não, os olhos brilharam com o tremeluzir das riquezas, e se entendeu que era preciso explorá-la, abrir picadas nas matas, escavar a terra na sua profundidade, afastar o autóctone, dizimando-os e criando administrações locais para o empreendimento de extração. Das riquezas, perfurando o ventre novo com as antigas armas dos exploradores e dominadores, e estabelecendo a regra primeira da extorsão e do proveito próprio, sem retorno. Tirar tudo da terra, o que a terra dá, secá-la até onde for possível, porque um tesouro estacionado na metade do globo aberto a ganância e à concupiscência. Exploração da terra e do ser humano que já a habitava.

Eduardo Galeano especifica: “Segundo a voz de quem manda, os países do sul do mundo devem acreditar na liberdade de comércio (embora não exista), em honrar a dívida (embora seja desonrosa), em atrair investimentos (embora sejam indignos) e em entrar no mundo (embora pela porta de serviços).”2 E na continuidade de sua análise denuncia: “Agora é a vez da soja transgênica, dos falsos bosques da celulose e do novo cardápio dos automóveis, que já não comem apenas petróleo ou gás, mas também milho e cana-de-açúcar de imensas plantações. Dar de comer aos carros é mais importante do que dar de comer às pessoas. E outra vez voltam as glórias efêmeras, que ao som de suas trombetas nos anunciam grandes desgraças.”3

E do insuspeito George W. Bush, transcreve a seguinte pergunta aos seus companheiros de política: “´Vocês já imaginaram um país incapaz de cultivar alimentos suficientes para prover sua população? Seria uma nação exposta a pressões internacionais. Seria uma nação vulnerável. Por isso,
quando falamos de agricultura, estamos falando de uma questão de segurança nacional.´ Foi a única vez em que não mentiu.”4

Afora, o Canadá, México e Estados Unidos, em melhores condições, e outros territórios e ilhas, que se situam nas Américas, o que temos é uma quantidade de países que não conseguiram, em termos gerais, até os dias de hoje, crescer de maneira sustentável, sempre envoltos em revoluções internas, governos despóticos ou enganosamente democráticos, populações miseráveis e esfomeadas, fanáticos que sustentam ditadores e/ou governantes presunçosamente antiautoritários e liberais, ou socialistas rosados, que só admitem o que é bom para os seus próprios interesses. O povo? É apenas um componente do Estado (território, povo e poder). É só observar a história e o desenvolvimento dos Estados desta parte do mundo, uns e outros, com menores ou maiores problemas, mas quase sempre sem a participação de um povo, esclarecido, alimentado, educado e produtivo.

Aliás, este é o ponto. Povo não esclarecido, não alimentado, não educado e não produtivo serve como massa de manobra para os dominadores, donos do poder e pela elite (econômica e política), que para preservar seus interesses particulares, até sai às ruas, como no Brasil, proclamando que querem a intervenção militar, que querem fechar o Congresso e a Justiça (fenômeno comum em muitos países subdesenvolvidos). Qual o objetivo de tais manifestações? Teatro. Fazer parecer aos olhos do mundo que o povo está insatisfeito com o rumo das coisas. E realmente está, mas com o domínio irracional, com a injustiça de sempre, com a inexistente distribuição de renda, com a fome, com a falta de trabalho, com o desamparo na saúde e com a insegurança. De qualquer modo, os que assim se manifestam não tem sido a expressão legítima do povo. Não há indivíduo evoluído, que a sós ou em grupo, que queira fundamentadamente a ditadura. Temos ainda na América, como um todo, a doença da subalternidade. Comemos o que os nichos do poder entendem suficientes, estudamos o que oficialmente é transmitido, sem possibilidade de discussão, trabalhamos no que nos permitem. Não se pode clamar, discutir, criticar. Elogiar, tecer loas, sim.

Onde está a democracia? Nas instituições formalizadas, é certo, e a partir daí na verdadeira limpeza do ranço demagógico e dominador; entretanto nem as instituições já conquistadas estão livres dos ataques e da manipulação constantes pelos meios modernos de comunicação, inserindo o ódio, a desconfiança, a aleivosia, a incitação ao crime.

O pior é que mesmos os que buscam, em um primeiro momento, acertar as coisas para o bem de todos, acabam na esfera do engano, porque se arvoram como os únicos capacitados para tanto e caem sucumbidos pela construção da imagem de deuses e salvadores, de líderes únicos, por intermédio da qual podem favorecer amigos apaniguados. Não é assim que aconteceu e acontece com a Venezuela, a Bolívia, o Equador, o Paraguai, a Argentina, a Colômbia, o Peru e outros?

O diagnóstico é relativamente simples: economia e instituições democráticas frágeis, corrupção, sede de poder, polarização de interesses, fanatismo, paralisação do crescimento, educação marginalizada.

Aprender a compartilhar ideias, a analisar com sensatez e receber argumentos opositores com sabedoria e disposição para o diálogo, bem como a disposição para abrir o jogo das circunstâncias, com os limites do domínio pessoal ou de grupos, é lição de toda uma vida ou de séculos de história, mas que necessita ser trilhada. Quando, afinal, vamos dar um passo neste caminho?

“Marchar!... Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?...
Não!... Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir...
Lá brada César morrendo:
´No pugilato tremendo
`Quem sempre vence é o porvir!´´”

O que se questiona é: Afinal, o que está por vir?

Disse Pítaco: “Obedece a lei, tu que a promulgaste”. Afirmou Dionísio: “O poder absoluto gera injustiça”.

Pobre e sofrida América Latina, que Castro Alves sonhou grande!


1 Alves, Castro. O Livro e a América
2 Galeano, Eduardo. As veias abertas da América Latina, Tradução de Sérgio Faraco,L&PM POCKET, 2010, p. 5.
3 Ibidem, p. 6.
4 Ibidem, p.7.


terça-feira, março 09, 2021

Alucinações fazem a história

 


Carlos Roberto Husek

Professor de Direito Internacional da PUC/SP e co-coordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Existem alguns líderes no mundo, como o da Venezuela, o da Coreia, o da Rússia, o dos Estados Unidos (Trump), este último não eleito, que são casos psicanalíticos, não esquecendo no passado recente, Hitler, o mais emblemático de todos.

Não se tem necessário diagnóstico médico especializado, porquanto as falas, os gestos, as atitudes são semelhantes, sempre cercados de uma multidão de adoradores que gritam, batem palmas para as expressões mais absurdas e para as imagens construídas nos discursos, inusitadas, por vezes primárias, grandiosas, pretensiosas, soberbas e outras que conquistam o ouvinte e aliciam simpatizantes.

São casos, penso, que merecem profunda reflexão, realista e séria, da personalidade que se analisa e da sociedade contemporânea: ânsia de poder, corrupção estrutural, domínio de tudo e de todos, falso conceito próprio positivo, mania de grandeza ou simples proteção dos apaziguados e manutenção de uma rede de interesses informada e comandada por alucinados escurecidos pela razão.

A sociedade seria, em si, doente, produzindo filhos doentes que alcançam o poder? Tal pergunta se faz natural à medida que se observa que aos desmandos de tais líderes, a sociedade não reage e os apoia até o abismo final, a exemplo da Alemanha nazista.

O indivíduo, quando em meio a um grupo transforma-se e, por vezes, conduz-se em obediência, cego e surdo à sua consciência, como gado, parte de um rebanho. Em sendo este o caso, caberia, por certo, alguma desculpa para este estado de coisas. Uma consequência esperada do espírito humano dominado e convencido por uma realidade grupal.

Entretanto, se a massa age correspondendo aos ditames de um desajustado, o que dizer daqueles que exercem uma parcela do poder na mesma sociedade, obtida por caminhos diversos; eleição, divisão de competências funcionais, constitucional e administrativa, e que agem sem pensar, autonomamente, preservando o líder, atapetando o seu caminho, não importando as consequências? Todos estariam sendo dirigidos pela mesma força motriz do domínio e do encantamento, sem qualquer sobra de equilíbrio e de bom senso? Aqui, talvez, a explicação é mais simples e direta; não se trata de uma questão mental, mas de resguardo dos próprios benefícios e privilégios.

A complexidade do tema necessita de estudo mais alentado, situado numa área de confluência entre a Psicanálise, a Psicologia, o Direito, a Sociologia e a Política. A única e simplória certeza que temos é que, de forma geral, os nomes mencionados no início deste artigo, têm iguais caracteres. Afora a liderança e o poder, que alguns podem naturalmente exercer, o que se tem plenamente aceito, há os que fazem questão que todos fiquem de joelhos, e é a estes que nos referimos ao invocar a Psicanálise. A doutrina aponta peculiaridades do indivíduo psicótico, a saber:

. desorganizações súbitas e sérias do ser psíquico;

. perturbação das faculdades relacionais;

. perda de contato com a realidade;

. neurose narcísica;

. psicose delirante;

. psicose crônica;

. falta de senso crítico para a desordem no próprio pensamento;

. pensamento dissociativo; um recolhimento a si mesmo;

. certa paranoia, caracterizada por um delírio sistemático;

. delírio de grandeza;

. predominância da própria interpretação das coisas; e,

. confusão alucinativa.[1]

Há, ainda, a chamada “psicose branca”, que não tem manifestação clínica identificável, o que talvez possa explique uma cegueira coletiva, uma certa – não sei se a expressão tem consistência – esquizofrenia de massa.

Enfim, dias modernos, em que o passado parece não ter sido coberto pela pátina do tempo. A história poderia tornar-se repetitiva, com infinitas representações em palcos diversos. Ficar na plateia como mero assistentes, sem raciocinar sobre a vida e os acontecimentos, não é por certo a melhor solução.



[1] Mijolla, de Alain. (Direção Geral) Dicionário Internacional da Psicanálise. Tradução Álvaro Cabral, Imago.