sexta-feira, maio 06, 2022

O mundo jurídico sem fronteiras/breve reflexão sobre contratos

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


É interessante notar que, cada vez mais, vivemos em um mundo sem fronteiras jurídicas, porquanto os institutos e figuras jurídicas, criados a partir de fatos, ultrapassam as balizas territoriais do Estado, porque também os fatos – como não poderia deixar de ser – não se concentram mais dentro do território nacional. Tal acontece, como as questões de saúde, as ambientais, as criminais, as civis, as contratuais e outras; todas, conectando Estados diversos, pessoas de nacionalidades diferentes, com efeitos jurídicos que repercutem além dos respectivos territórios: o mundo é uma nave – concepção antiga - navegando no espaço, e todos nós, nela estamos, em algum lugar dessa nave, para os eventos da vida. A percepção clássica do Estado-nação não tem mais sentido, nem para governantes nem para governados.

Na esfera dos contratos, por exemplo, tanto para os contratos internacionais como para os contratos internos, valem as mesmas premissas, bem especificadas em nosso Direito Interno (Lei de Introdução, Código Civil); a existência de duas ou mais pessoas (naturais ou jurídicas), a licitude do objeto, a possibilidade efetiva de execução do contrato, a boa-fé, o atendimento mais à intenção do que, simplesmente aos termos da declaração de vontade, a liberdade contratual, condicionada ao atendimento da função social do contrato (fins econômicos e sociais), evitando-se o predomínio contratual do economicamente mais forte e mantendo o equilíbrio e a igualdade entre as partes.

Além de tudo, busca-se a utilização de linguagem adequada, de acordo com os usos e costumes do lugar da celebração. Enfim, os contratantes devem agir conforme o princípio da boa-fé, tanto na elaboração do contrato, como na sua execução, com lealdade, honradez, integridade e confianças recíprocas.

Assim, na advocacia internacional, isto é, naquela que trata de fatos e problemas jurídicos que ultrapassam as fronteiras do Estado, em todos os campos, e naquele que ora analisamos, da parte contratual, o “modus operandi” é basicamente o mesmo, porque os princípios referentes ao Direito são iguais para a grande maioria dos países. O que vale dizer; o Direito tem por fundamento, o que se tem natural e justo nas relações humanas (Direito Natural), variando de um para outro lugar, as regras que buscam alcançar esse desiderato.

Não se olvide da existência de diferenças que podem parecer abissais, nas famílias jurídicas dominadas por conceitos e princípios religiosos e morais de outras, todavia, ainda assim, podem ser encontrados caminhos comuns na concepção do que é juridicamente aceitável.

A matéria se presta a um estudo mais aprofundado de Filosofia do Direito e da própria História do Direito, mas, para os fins aqui propostos, referente aos contratos, passamos desses caminhos comuns, para algumas pequenas distinções, que na prática, também têm existência, de forma geral, entre os contratos internos e os internacionais.

De início, é possível dizer que será internacional, o contrato que tiver um elemento estranho ao país (elemento de estraneidade) na sua composição, como, por exemplo, vendedor brasileiro e comprador italiano, ou mercadoria vinda de outro país. Tal pode ocorrer em vários tipos de contrato, não importando a espécie, não só o de compra e venda. Entretanto, se todos os elementos do contrato estão dentro do território nacional, o contrato será nacional, e aí, basta ao aplicador da norma preocupar-se somente com o Direito Interno.

Nos contratos internacionais, quase sempre, na sua formação, a que costumamos chamar de pré-contrato, a gestação dessa fase pode ser muito específica e mais demorada, que a existente nos contratos internos. É uma parte significativa que congloba os procedimentos preliminares, geradores de força vinculativa, e têm efeitos jurídicos, com responsabilidades consideráveis para os cocontratantes: tratativas iniciais, colocação de pressupostos do objeto consensual, imaginando a vida do futuro contrato, o envolvimento de múltiplos interesses, pessoas, organizações, gastos, fornecimento de produtos, especificação de condições financeiras e eventual sistema cambiário, a transferência de tecnologia, e variados outros aspectos, que são vistos antes da assinatura final do contrato.

Assim, é possível afirmar que quando do ato final, e ao mesmo tempo inicial, de assinatura do contrato, já vários esforços foram feitos, das partes envolvidas, que implicam em compromissos juridicamente apuráveis. Nem sempre acontece dessa forma, mas é uma característica interessante e deve ser examinada pelos que lidam com os contratos internacionais.

De qualquer modo, o fundamental é o que foi posto no início desse texto, e que pode ser resumido na boa fé, objetiva e subjetiva dos contratantes; sem ela, não há contrato, quer na esfera privada, quer na esfera pública, quiçá entre os próprios Estados nas convenções que assinam, cuja natureza é essencialmente contratual. O Direito sempre nos dá o melhor caminho.

terça-feira, abril 26, 2022

Migalhas odipianas

 




por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


 
1.    Nos governos de força, sempre há o desprezo pelo Poder Judiciário, ou extinguindo esse poder ou substituindo os seus membros por juízes que poderiam julgar a favor do poder, quer da direita ou da esquerda, porquanto a manutenção do poder a qualquer preço não é apanágio exclusivo de nenhuma dessas vertentes; desse viés escapam os chamados “estadistas” (hoje raros), aqueles que se preocupam com o povo, com a sociedade, que sacrificam desejos pessoais em prol do cidadão, dos desvalidos, para tornar as relações entre o Estado e os que vivem em seu território mais certa, administrativamente correta e mais justa. Fica sempre no ar a pergunta: a quem interessa atacar o Judiciário?
 
2.    Também, não se há de querer fechar o Parlamento ou comprar os votos dos congressistas, ou alimentá-los nas suas reivindicações pessoais, fazendo-os desviar de suas funções. Claro está que não é papel de um Presidente da República demonstrar o melhor caminho aos políticos que só vivem para a política, sem qualquer projeto legislativo para o povo (raro seria que alguém que exerça o maior cargo da República fizesse isso, sem desejar a perpetuidade no poder). Todavia, as eleições e os eleitos deveriam ser os melhores, dentre os candidatos, para os cargos executivos e legislativos. Ideias ingênuas, eu sei, mas republicanas. Fica sempre no ar a pergunta: existem políticos (abrangendo os poderes legislativo e executivo) comprometidos com as reivindicações populares de vida, de alimentação, de meio ambiente, de segurança, de justiça?
 
 
3.    Também, não se pode entender que os civis sempre serão corruptos, e, eventualmente, outros, como religiosos, serão sempre honestos. Cada qual há de exercer o seu papel dentro dos limites constitucionais. Se os limites da Constituição Federal forem ultrapassados, mesmo sob argumentos pretensamente mais nobres, a corrupção manifestar-se-á; corrupção pelo dinheiro, pelos cargos, pelas benesses, por tudo que favoreça pessoalmente quem está no poder. Só há uma forma de governar honestamente: períodos curtos, revezamento do poder, eleições diretas, fiscalização dos contrários, apuração de responsabilidades, respeito aos poderes da República, em especial, respeito ao Judiciário
 
4.    Por que mudar as regras eleitorais das urnas eletrônicas, que já elegeram muitos parlamentares e muitos governadores, prefeitos e presidentes da República, com lisura, isenção, sem compra de votos, sem perda de urnas, sem influências maléficas, sem manuseio de mãos partidárias, pelo antigo sistema do papel, com maior gasto e com fiscalização deficiente? Seria mais fácil reivindicar erros e desajustes se os votos fossem contrários a quem quer ficar no poder? Fica sempre no ar a pergunta: a quem interessa atacar um sistema que se submete à modernidade da tecnologia e busca fugir das falhas (ou da corrupção) humana?
 
5.    Quanto mais regras objetivas, fora das simpatias e das manipulações eleitorais, melhor. A quem interessa a compra de votos?
 
6.    Outro assunto: ganhou Macron na França. Le Pen seria um desastre. Por que seria um desastre? Porque buscaria –segundo os que analisam a política francesa– governar pela força, unir-se aos regimes de mando absoluto ou quase absoluto, sem dar voz aos contrários (difícil dar voz aos contrários – a democracia é um exercício permanente, contínuo e duro, de escuta e de fala, de diálogo, e de renúncia aos próprios desejos de domínio). E Macron? Bem, cada povo com o seu problema. Ele disse querer terminar com a carreira diplomática e, é certo, por nos postos chaves do exterior (embaixadas p. ex,) administradores comuns, amigos seus, seus partidários, do baixo ou do alto “clero” administrativo. Macron, quem diria, não escapa da cantoria do poder (estadistas são raros)! Será que os ditadores pensam de igual modo? Células de si próprio espalhadas pelo mundo para um domínio, em princípio, interno, sem contestação, para quem sabe uma eterna reeleição? Pode-se dominar pelas armas; pode-se dominar por outros meios (o que, aliás, é mais inteligente). Se a moda pega...  
 
7.   
E a Educação? É também interessante notar que nos países em que não há democracia, a Educação não é importante, não é fundamental, bem como a cultura, que é sempre menosprezada, e ambas servem, dentro de suas medidas, apenas e tão somente para a manutenção do poder. No que tange à Educação, há a política direcionada a uma espécie de lavagem cerebral, modificando os livros de História, isto é, a própria História, buscando por nos postos chaves da Educação cabeças que mexem com as escolas, com os livros, com os professores independentes, com os intelectuais, e como num tabuleiro, vão favorecendo àqueles que buscam dar vida, cor a ações dos seus interesses (vide Putin, Maduro, Kin Joo, Assad e outros). Quanto à Cultura, a situação ainda é pior, uma vez que quase desaparece total e completamente; os teatros fecham, os escritos se apagam, as músicas são alienantes, as artes plásticas são pinturas fotográficas dos dominadores, as poesias apreciadas e premiadas são cantorias de feitos dos ditadores. Se houver exceção a tais manifestações, hão de ser devidamente afastadas, “queimadas” em praça pública, se possível, junto com seus autores, e sob a aclamação e aplauso do povo, já devidamente “educado”. As livrarias cerram suas portas e os artistas são vistos como párias da sociedade. Para tais governos, a produção e liberação de armas é fundamental. Fica sempre no ar, a pergunta: A quem interessa desprezar a educação e a cultura?


quarta-feira, abril 20, 2022

Nossa vida de retirantes

 


Por Carlos Roberto Husek

Prof. De Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.


O Brasil continua igual, enquanto os políticos só pensam no poder, nas suas bases eleitorais, no dinheiro do fundo partidário e no das emendas, que só têm o objetivo de resolver problemas atinentes a interesses específicos, e não, de áreas gerais do interesse do país ou da região, como a saúde, a educação, a segurança, o meio ambiente. 

O que buscam os parlamentares, seus partidos e líderes, abocanhando o maior valor possível do dinheiro público é, tão somente, o favorecimento de suas bases eleitorais. Além de tudo, o orçamento é direcionado para os redutos apoiadores do governo (infelizmente todos os governos foram assim; não só este), como o caso recente de aquisição de computadores para uma escola do nordeste, que nem água potável tem, a benefício do parlamentar da localidade. E, com isso, continuamos no terceiro (quarto) mundo: pobres, ignorantes, maltrapilhos, esfomeados, sem emprego, uma vida que é da grande maioria dos brasileiros, bem retratada por João Cabral de Melo Neto (1955), principalmente quando essa vida se finda, em Morte e Vida Severina:

“-Essa cova em que está,
   com palmos medida,
   é a conta menor
   que tiraste em vida.
  - É de bom tamanho,
    nem largo nem fundo,
    é a parte que te cabe
    deste latifúndio.
- Não é cova grande,
   é cova medida,
   é a terra que querias
   ver dividida.
- É uma cova grande
  para teu pouco defunto,
  mas estará mais ancho
 que estavas no mundo.
- É uma cova grande
  para teu defunto parco,
  porém mais que no mundo
  te sentirás largo.
- É uma cova grande
  para tua carne pouca,
  mas a terra dada
  não se abre a boca.”

A única terra que se obtém é aquela dada pela morte, porque em vida, não se adquire, absolutamente nada. Onde se encontra o capitalismo e o socialismo/comunismo, modernamente postos, quanto aos direitos fundamentais? Desconectados, descasados, divorciados, esquecidos do ser humano, porquanto na Rússia de Putin, e países simpatizantes, e nos países periféricos do capitalismo, quiçá nos EUA, com seus guetos, o ser humano é esquecido.

No Brasil, este esquecimento se traduz bem na vida severina.
Ao severino do dia a dia (nós todos, de forma geral, em especial do brasileiro paupérrimo, a maioria), resta encontrar uma vida digna, um trabalho digno. De novo, lembramos o poeta, que após narrar a peregrinação severina, procurando o que fazer, tendo em vista a sua específica competência, como lavrador de terra má, arador de calva da pedra, de roça incipiente, de plantas de rapina, de pastoreador de urtigas, confessa à mulher que encontra no caminho, e que lhe pergunta:

    “- Mas isso então será tudo
         em que sabe trabalhar?
         vamos, diga, retirante,
         outras coisas saberá!
    “- Deseja mesmo saber
         o que eu fazia por lá?
        comer quando havia o quê
        e, havendo ou não, trabalhar.”

É isso que ainda nos espera? Somos retirantes de nossas próprias terras, cegos e surdos, votando por votar em nomes que não nos dizem nada, salvo a comunicação das propagandas enganosas. É um ciclo. Sai governo entra governo, sai partido político entra partido político, sai ideologia entra ideologia, sai um líder, entra outra líder, e continuamos nossa vida severina, carpindo a impossibilidade de nos tornarmos conscientes e planejadores da nossa própria vida, quer individual, quer coletiva.


quinta-feira, abril 14, 2022

Migalhas “odipianas”


 

Por Carlos Roberto Husek

Professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


 
1.    As coisas se passam na sociedade interna e na sociedade internacional de igual forma. Impressiona a mentira, publicamente posta, com foros de veracidade e de razões fundantes. Putin vê-se diante de um impasse, cândido, quer fazer a paz, mas Zelenski não deixa, porque o presidente ucraniano não compreende que parte da Ucrânia, ou toda ela, possa pertencer à Rússia. Por outro lado, a guerra deve continuar até os ucranianos entenderem que quem deve dominar é a Rússia. A lógica de Putin é a da “terra arrasada”. Depois de tudo destruído, é possível ir às negociações. Negociações sobre que pontos? Afinal, quem começou a atacar quem, e por quais motivos: regiões separatistas, OTAN, países ocidentais, medo, Guerra Fria? Tudo justificável sob o ponto de vista histórico, sociológico, mas não sob o do Direito. E as milhares de pessoas que se encontram sem casa, sem água, sem comida, sem luz, sem cidade, vivendo nos porões como ratos, ou cruzando os campos minados em busca de abrigo em outros países? E os civis mortos, espalhados pelas ruas? Tudo se explica, em um contexto histórico e sociológico: ucranianos são russos. E, se são russos, como é possível matá-los com as próprias armas russas? A lógica do poder e do domínio busca amparar-se erroneamente no Direito, nos princípios do Direito, como no da soberania dos povos, e do direito do Estado soberano. É o mesmo que dizer –como em passado recente disse um Presidente brasileiro– “faço a democracia, nem que seja à força”. Todas as pessoas têm o direito de falar, desde que concordem com o discurso oficial. É a sana dos dominadores, para os quais qualquer regra é interpretada para a expansão e manutenção do poder.
 
2.    A atuação norte-americana em passado recente, desprezando em algumas situações o princípio da soberania dos Estados e da não-intervenção nos assuntos internos de outro país, como apontam alguns, não é suficiente para justificar a ação russa na Ucrânia. Este raciocínio nos levaria a tempos repetitivos, somente com a mudança de personagens, sem qualquer evolução. É necessário terminar o círculo de desastres humanitários e de quebra da cooperação e da convivência entre os países, em nome do poder. O Direito Internacional, apesar de seus defeitos de estrutura e funcionamento (p. ex. Conselho de Segurança da ONU), funda-se em princípios que são naturalmente compreendidos pelos povos civilizados. Tudo, entretanto, depende dos interesses em jogo e das interpretações. Há uma política internacional que deve subordinar-se à ordem internacional, que se baseia em tratados internacionais, constituída dos grandes organismos de associação dos Estados, que busca o respeito ao que foi pactuado (pacta sunt servanda) e que se volta, na atualidade, para a promoção dos seres humanos. É a esperança.
 
3.    A Teoria dos Sistemas, do sociólogo alemão Niklas Luhmann, diz que a sociedade moderna é um supersistema social, dentro do qual a economia, o direito, a ciência, a educação e outras áreas constituem subsistemas, dotados de particular estrutura. E complementa o raciocínio teórico, observando que cada um dos subsistemas possui o seu próprio código, sendo o Direito um mecanismo de estabilização das expectativas de comportamento. Separa-se a Política (um subsistema) do Direito (outro subsistema) e ambos da religião, e todos da economia e assim por diante. Todavia, por exemplo, se a Política é um subsistema que tem suas próprias razões, como cada um dos demais, há que se inquirir da comunicação entre eles porque todos devem conviver, mais ou menos, de forma harmônica, na sociedade. Nos enganaríamos, talvez, ao pensar que o Direito teria competência e vocação para fazer a costura de tais áreas, formando um tecido jurídico básico de sustentação? Deve-se pensar. De qualquer modo, não podemos concordar com fundamentos políticos, sociais ou econômicos de sustentação de ações de guerra.
 
Tradicionalmente o recurso à força no Direito Internacional era visto como mero fato; depois passou a ser uma prerrogativa do Estado soberano; hoje tende a ser considerado como um ilícito internacional, principalmente quando causa sofrimento a mulheres, crianças e idosos, e à população civil em geral, porquanto haverá crime contra a humanidade. Podemos afirmar que o ser humano é, no mundo atual, mais importante que os Estados, e que estes devem subordinar seus interesses maiores às sociedades que lhe servem de base? Ou será que continuamos no mundo dos Estados –pessoas jurídicas de direito público, criadas por forças populares, grupos beligerantes, organizações partidárias e institucionais– criaturas que, em última análise, se afirmam em documentos e papéis? Qual é o mundo real que vivemos: o Direito dos Estados ou o Direito dos seres humanos? Um
outro Direito têm mundos incomunicáveis?

quarta-feira, abril 06, 2022

Fazer versos é o que resta?

 
O que resta para o brasileiro,
algo velho ou algo novo!
e um monte de desconhecidos
sem lastros, distantes do povo.
 
Um Presidente, que não preside,
beneficiando amigos e amores,
soldado de si mesmo
de suas milícias e pastores.
 
Populistas que sonham alto,
dentro de quatro linhas,
tomando de assalto,
ideias peregrinas.
 
Ex-combatentes da corrupção,
para ministérios bandeados,
no mistério da administração,
de joelhos e acocorados.
 
E a convivência com ministros,
deseducados da educação,
e outros mais que vieram,
na mesma retórica lição.
 
Na bíblia as próprias fotos,
impensável e surpreendente ato,  
como se coautores fossem
do milenar livro sagrado.
 
E um tempo em que se comemora
a tortura e a falta de liberdade,
como um progresso democrático,
de uma sofrida sociedade.
 
E a ironia de vocábulos alucinógenos
a presos do regime: insensível burrice,
nos comentários jocosos,
representativos de uma sandice.
 
É desanimador, é um destempo,
Rui, estou em decomposição!
“de tanto ver triunfar as nulidades”
de nossa adormecida nação!
 
 
Há esperança? A dúvida é dolorosa,
precisamos de uma sexta via,
nem vermelha, nem preta, nem rosa,
ou será apenas melancolia?
 
Bastaria um dedinho de sinceridade,
e a crença de que o ser humano existe
neste campo minado da iniquidade,
em que tudo é sombrio e triste.
 
No século de tantos ditadores,
e outros que desejam caminhos iguais,
só vejo espinhos e não flores,
nos discursos sepulcrais.
 
Lanço aqui os meus versos,
uma oração de desespero,
ficarão, eu sei, dispersos,
neste meu lírico destempero.
 

sexta-feira, março 25, 2022

Vamos falar um pouco sobre o conceito de Justiça na área internacional

 



Carlos Roberto Husek
Professor de Direito Internacional da PUC/SP
Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


De há muito que venho entendendo que a Justiça na vida internacional, como sistema de julgamento de conflitos (Corte Internacional de Justiça), e ou apuração e julgamento de ações contrárias aos princípios e regras internacionais (Tribunal Penal Internacional), a exemplos, tende a trilhar caminhos parecidos com a maioria dos sistemas jurídicos internos dos Estados (corpo de julgadores independentes, como parte de um órgão que compõe a administração).

No caso do Brasil, que apontamos como um parâmetro, temos os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cada qual com uma função principal definida: Executivo administra e executa as leis; Legislativo cria as leis; e, Judiciário julga os casos, de conformidade com as leis.

Além de funções, ditas secundárias, quando o Executivo faz a regra, (decretos, portarias, etc), atuando como se Legislativo fosse, e julga seus servidores, em processos administrativos, atuando como se Judiciário fosse; quando o Legislativo julga ( crimes de responsabilidade do Presidente da República e de Ministros), a exemplo do Judiciário, e quando administra a sua própria organização, fazendo cumprir as normas, como se fosse o Executivo; O Judiciário, por sua vez, cria as suas regras, estatutos, como se fosse um Legislativo e administra e executa as normas entre seus servidores e juízes, como se fosse um Executivo.

Tudo isso, diga-se, à grosso modo, porquanto no mundo de hoje todas essas atividades ficaram mais complexas e há dilatação, um entumecimento do Executivo, passando o Poder Legislativo a ser, quase um mero coadjuvante, daquele que governa.

O Judiciário, nos países que preservam o Estado Democrático de Direito, ainda conserva sua função original e não se deixa levar pelas necessidades do Legislativo ou do Executivo, buscando julgar com isenção, quando acionado.

De certo modo, a análise acima fica na concepção formal das ordens jurídicas, internas e internacional, entretanto, perpassa, tanto nos diversos Direitos internos, como no Direito Internacional, a ideia de justiça, como algo que deve ser concretizado nas sociedades internas e na comunidade internacional, e para a qual todos os órgãos cooperam, independentemente de serem compostos de juízes ou não.

E afora essas considerações, entendemos e reafirmamos, que a ideia de justiça (valor) não fica dentro dos palácios de justiça, e sim, permeia toda a sociedade internacional e suas instituições, motivo pelo qual se diz que tal ou qual ação de um estado ou de um líder é injusta.  

Hedley Bull no capítulo IV (Ordem Versus Justiça na Política Internacional), de seu livro “A Sociedade Anárquica”, faz algumas reflexões sobre a ideia de justiça (que é justo). “Em primeiro lugar, há a distinção entre o que tem sido chamado de justiça ´geral`, entendida como conduta virtuosa ou correta, e justiça ´particular`, compreendida como um tipo especial de conduta correta, entre outras possíveis. O termo ´justiça` é empregado, às vezes, com sentimento de ´moralidade` ou ´virtude`, como se a ação justa fosse simplesmente ação moralmente correta...(...) Na política mundial as exigências de justiça assumem muitas vezes essa forma. São demandas para a remoção de privilégios ou de discriminação, para igualdade na distribuição ou aplicação de direitos entre os fortes e os fracos, os grandes e os pequenos, os ricos e os pobres, os pretos e os brancos, os vitoriosos e os vencidos, as potências nucleares e as não-nucleares. É importante distinguir entre ´justiça`, neste sentido especial de igualdade de direitos e privilégios, e ´justiça` no sentido em que usamos o termo, com a acepção de ´moralidade`. Uma segunda distinção importante precisa ser feita entre a justiça ´substantiva` e a justiça ´formal`. A justiça substantiva é baseada no reconhecimento de regras atribuindo certos direitos e deveres específicos (políticos, sociais e econômicos) enquanto a justiça formal se baseia na aplicação dessas regras igualmente a pessoas em igual situação, independentemente do conteúdo substantivo de tais regras. A exigência de ´igualdade perante a lei`, segundo a qual as regras devem ser aplicadas de igual forma à mesma classe de pessoas reflete neste sentido a noção de ´justiça formal`...(...)  Uma terceira distinção é feita entre justiça aritmética`, no sentido de reconhecer iguais direitos e deveres, e a ´justiça proporcional`, em que direitos e deveres podem não ser iguais, mas são distribuídos de acordo com os objetivos em vista...(...) Como escreveu Aristóteles, ´há injustiça quando os iguais são tratados desigualmente e também quando os desiguais são tratados com igualdade`. O princípio enunciado por Marx ´de cada um conforme a sua capacidade, a cada um conforme a sua necessidade` incorpora uma preferência pela justiça ´proporcional`, em contraste com a aritmética...(...) Na política mundial certos deveres e direitos fundamentais, tais como o direito dos estados à independência e soberania e o dever de não interferir reciprocamente nos assuntos internos, considerados como de igual aplicação a todos os estados, são exemplos da ´justiça aritmética`, enquanto a doutrina de que , numa guerra ou represália, o emprego da força deve ser proporcional à ofensa ilustra a ideia de ´justiça proporcional`...(...) Uma quarta distinção, associada de perto à anterior, é a existente entre justiça ´comutativa´ ou recíproca e a justiça ´distributiva`, que busca o bem comum e o interesse da sociedade no seu conjunto. A justiça ´comutativa` consiste no reconhecimento de direitos e deveres mediante um processo de intercâmbio ou barganha, pelo qual indivíduos ou grupos admitem os direitos de outros de forma recíproca...(...) Em contraste a justiça ´distributiva` é alcançada não por um processo de barganha entre os membros individuais da sociedade em questão, mas pela decisão do conjunto da sociedade, à luz da consideração do seu bem ou interesse comum...(...) Atualmente, a política mundial é sobretudo um processo de conflito e cooperação entre estados que só têm a percepção rudimentar do bem comum com relação ao mundo em seu conjunto e é, portanto, o domínio principalmente de justiça ´comutativa´, e não de justiça ´distributiva`...(...) Todos os Estados sustentam que têm certos direitos e deveres que não são meramente legais, mas também morais. Afirmam que a sua política é justa porque é moralmente correta (´justiça geral`) e assim exigem igualdade de tratamento nas relações com outros estados (´justiça particular`). Pretendem ter o direito moral à soberania ou independência (´justiça substantiva`), que deve ser aplicado ou administrado igualmente em relação a todos os estados (´justiça formal`). Afirma ter o direito a igualdade de tratamento entre eles e os outros no acesso às oportunidades comerciais ou votação em assembleias internacionais (´justiça aritmética`), ao mesmo tempo em que insistem em que a sua contribuição financeira às organizações compostas de estados seja determinada em proporção ao produto nacional (´justiça proporcional`). Reconhecem os direitos de todos os tipos atribuídos aos demais estados, em troca de igual reconhecimento (´justiça comutativa`), mas podem também discordar, pelo menos retoricamente, com base na concepção do bem comum de uma comunidade regional ou mundial (´justiça distributiva`).[1]

Há alguma espécie de justiça, no confronto entre a Rússia e a Ucrânia? O que prevalece, a justiça geral, a particular, a substantiva, a formal, a aritmética, a proporcional, a comutativa e/ou a distributiva?

Temos que a Rússia não tem fundamento em nenhuma dessas espécies de justiça. Aposta no poder, como um direito, e nas suas aflições estratégicas e geopolíticas como um fundamento da ação militar. Enfim, não acredita no sistema, no direito e na justiça, salvo quando baseadas em suas próprias razões.

Em que deve se fiar a sociedade internacional? Apesar de algumas eventuais falhas históricas na concepção de um sistema pós-segunda grande guerra, vamos reiniciar, tudo de novo pela força, e pela imposição de valores particulares?

Muitos são os Estados soberanos do mundo, frágeis tecnológica, econômica e militarmente, que ficam na espera de um sistema justo. A justiça como valor vai funcionar?

 



[1]. Bull, Hedley. A sociedade anárquica. Imprensa Oficial do Estado, Editora Universidade Brasília. Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, Tradução Sérgio Bath, 2002, p.92 a 97.


segunda-feira, março 14, 2022

A verdade das guerras

 


Carlos Roberto Husek
Professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP-Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Os governos despóticos buscam o domínio a qualquer custo, mesmo sob bandeiras díspares, ideologias divergentes, fundamentos filosóficos, mas diversos. O que, efetivamente interessa aos seus líderes é a força com que podem subjugar os povos. Querem seus bustos esculpidos em ouro e todas as homenagens possíveis e imagináveis, nem que para isso tenham de matar civis, velhos e crianças e estuprar as mulheres dos conquistados.


A guerra, quando efetivamente acontece, tem lógica própria, que foge a todo raciocínio que leve em conta o ser humano, porque o que importa é a invasão das terras, e com isso a expansão do poder.
Não há explicação jurídica e sim política, econômica, psicológica, amparadas quase sempre em desígnios personalíssimos de pessoas em posição de poder, alimentadas, o mais das vezes, por causas inconscientes e outras, por causas conscientes, mas baseadas por visões deturpadas da realidade; se assim não é, como explicar que os governos fujam da função primordial que deveria informá-los: o bem-estar da comunidade que dirigem?


Embora os teóricos justifiquem as guerras, o fazem com um olhar pura e simplesmente voltado para o uso da força e das estratégias, com o que imprimem um fascínio e um prazer similar (conclusões nossas, baseadas em Freud) a um impulso de origem sexual.


Alguns ensinamentos de Hedley Bull (graduado em Filosofia e Direito, professor em Oxford) são interessantes para compreender a situação atual, do ponto de vista da teoria das relações internacionais e da teoria da guerra: “A guerra é a violência organizada promovida pelas unidades políticas entre si(...) O que distingue a morte infligida ao inimigo durante a guerra do assassinato é o caráter do testemunho oficial, a responsabilidade simbólica da unidade política em nome da qual atua quem matou (...) Os estados soberanos têm procurado preservar para si o monopólio do emprego legítimo da violência(...) Precisamos diferenciar entre a guerra em sentido material, ou seja, hostilidade e violência efetivas, da guerra em sentido legal ou normativo, isto é a situação provocada pelo cumprimento de determinados critérios legais ou normativos, por exemplo no reconhecimento ou declaração feita pelas autoridades constituídas. Algumas vezes uma guerra no sentido material não corresponde à guerra no sentido legal(...) no moderno sistema de estados as funções da guerra podem ser consideradas a partir de três perspectivas: a do estado, a do sistema de estados e a da sociedade de estados. Do ponto de vista do estado, considerado individualmente, a guerra tem sido vista como um instrumento de política, um dos meios com os quais os objetivos do estado podem ser atingidos (...). Do ponto de vista do sistema internacional, o simples mecanismo ou campo de força representado pelo conjunto de estados em virtude de sua interação recíproca, a guerra aparece como determinante fundamental da forma assumida pelo sistema em qualquer tempo. É a guerra ou ameaça de guerra que ajudam a determinar a sobrevivência ou eliminação de certos estados (...) Do ponto de vista da sociedade internacional, ou seja, do ponto de vista das instituições, das regras e valores aceitos pelo sistema de estados em conjunto, a guerra apresenta duas faces, de um lado, ela é uma manifestação da desordem da sociedade internacional (...) De outro lado é (...) um meio que a sociedade internacional sente a necessidade de explorar para atingir os seus objetivos.[1]


Algumas considerações, em face dessa doutrina e o que acontece, em nossos dias, entre Rússia e Ucrânia: avaliamos que a guerra, em sentido material, no Leste europeu, não corresponde à guerra em sentido legal, porquanto a narrativa russa para a invasão, com base, em princípios do próprio Direito Internacional (autodefesa de um possível ataque dos países ocidentais e da OTAN ao território russo, unidade de povos, reconhecimento de regiões separatistas e etc.), embora narrativas juridicamente plausíveis, não passam de meros argumentos para a conquista de territórios e para a integração definitiva da Ucrânia à Rússia, com o efetivo desaparecimento daquele país como Estado soberano. Tal dedução vem em decorrência das palavras do próprio Presidente Putin, que afirmou em determinada comunicação à imprensa que a Ucrânia não existia. 

Portanto, trata-se de mera violência, guerra no sentido estritamente material, cujos fundamentos – existem, mas – não podem ser divulgados porque contrariariam a ordem jurídica internacional (agressão ao território de um Estado soberano, sem causa específica), tratando-se, no máximo, de uma espécie de guerra preventiva, para eliminar um mal futuro. Sob este aspecto, não custa lembrar que os Estados Unidos tiveram idêntica premissa para invadir o Iraque. A diferença é que, naquela ocasião, o argumento é que a humanidade corria perigo pela fabricação de armas químicas, bacteriológica – o que não restou provado – e agora, para a Rússia, a justificativa é de que a sua própria soberania estaria em perigo. Narrativas para explicar motivos não confessáveis ao mundo internacional. De qualquer modo, independentemente do passado, o ataque a uma soberania, não pode ser tolerado pela ordem internacional.


Tanto no caso russo, como no dos EUA, a guerra não passa de um instrumento de política de Estado. Repita-se: erros anteriores de falta de punição pelo sistema não fundamentam ações atuais. Todo Estado é soberano, e como tal deve ser respeitado na sua integralidade, pouco importando se frágil, econômica, militar ou tecnologicamente, ou se professa ideologia contrária aos Estados dominantes. Esta é a mensagem, creio, que o Direito, e não das razões históricas e sociológicas, busca firmar.


De qualquer modo, os casos – EUA e Rússia – não são idênticos, e não tiveram a mesma evolução, observando-se que, atualmente, há uma multidão de fugitivos da guerra, famintos e doentes, cruzando as fronteiras em fuga desesperada da sanha russa, sendo acolhidos pela maior parte dos países, incluindo aqueles da antiga “cortina de ferro”. O fato é que a ordem jurídica internacional, estabelecida a partir da Carta da ONU, com a plena anuência da própria Rússia, está sendo por ela violada.


O que deveria ser levado em conta são as vidas humanas, no entanto este essencial e indiscutível fator não entra no tabuleiro de considerações nas táticas de guerra, O ser humano vale menos que os tanques, armas, bombas, configurações do poder; é tão somente, uma peça para ser usada ou ultrapassada, no movimento das tropas.


Hitler e Stálin, nos primórdios da última grande guerra, apesar de lados opostos, se uniram na dizimação. É Anne Applebaum (jornalista e historiadora norte-americana) quem descreve: “O Leste Europeu, junto com a Ucrânia e os países bálticos, também foi o local da maior parte das matanças com motivações políticas ocorridas na Europa. ´Hitler e Stálin ascenderam ao poder em Berlim e em Moscou`, escreve Timothy Snyder em Terras de Sangue (Bloodlands, 2011), a história definitiva dos assassinatos em massa do período ´mas suas visões de transformação diziam respeito a todas as terras no espaço intermediário`. Stálin e Hitler compartilhavam o descaso pela própria noção de soberania nacional em relação a todas as nações do Leste Europeu e se empenharam conjuntamente para eliminar suas elites. Os alemães consideravam os eslavos sub-humanos, classificando-os não muito acima dos judeus, e nas terras entre Sachsenhausen e Babi Yar não hesitaram em ordenar assassinatos nas ruas, execuções públicas em massa ou a queima de povoados inteiros em vingança por um único nazista morto[2]


Sem dúvida, a guerra é uma manifestação da desordem internacional, e tal desajuste está merecendo da sociedade internacional e da base jurídica que a sustenta uma reação, que não significa – como tenta argumentar Putin (talvez, para futura ações) – uma declaração de guerra pela OTAN e pelos demais países; é apenas uma reação, possível e esperada, para coibir o avanço das tropas russas, no território de um Estado soberano. O que afasta o argumento de reconhecimento internacional da independência das cidades de Donestk e de Lugansk, em tese, possível, e a transformação destas em Estado soberano.


Estamos diante do imponderável, e só podemos confiar no eventual diálogo diplomático, que por natureza deve oferecer aos contendores alguma satisfação no que desejam, abrindo mão de eventuais vantagens ou direitos. Difícil, mas não impossível, vai depender da inteligência dos raciocínios em jogo, levando em conta reivindicações, resistências, os princípios e regras da ordem internacional, os anseios de cada povo e da boa vontade em construir um caminho viável. Caso contrário....


[1] Bull Hedley. A sociedade anárquica. Capítulo VIII, “A Guerra e a Ordem Internacional”, p.211/216, editora Universidade de Brasília, Imprensa Oficial, Coleção Clássicos IPRI, 2002. Este livro foi publicado originalmente em 1977. Tradução de Sérgio Bath.
[2] Applebaun, Anne. Cortina de Ferro – O esfacelamento do Leste Europeu, Editora Três Estrelas, 2017, p.44.


segunda-feira, março 07, 2022

Os loucos dominam


Gostam de armas, gostam de guerra, gostam do poder, gostam de ver mães chorando, gostam de crianças tristes, gostam de destruição, gostam de bombas, gostam de serem temidos e paparicados, gostam do domínio, sem Parlamento  e sem Judiciário, gostam de medalhas, gostam de “fake news”, gostam de disseminar o respeito pelo terror e cruzam os céus e os mares numa carruagem de fogo. 

Putin é um grande exemplo de aversão à paz e de versão dos fatos conforme sua ótica específica de conquista ( não é o único ).Para tais pessoas, na verdade, não importa se estão à frente do comunismo ou do nazismo, porque,  o que apenas os interessa é o poder ( se possível, pelas armas ). Estão no ápice de vários governos ao redor do planeta. Não nos enganemos, somente a Democracia salva, somente o diálogo faz progredir, somente o espírito e a condescendência faz frutificar o progresso. 

Quem não gosta de ouvir e de raciocinar, com os contrários, ama a ilusão e a todos ilude. Acho que nasceram em corpos humanos, quando deixaram de ser dinossauros. Só entendem a linguagem da força. Espero que deste lado do mundo estejamos a salvo de desses psicóticos. Será?

 

quarta-feira, fevereiro 23, 2022

Algo em comum?!


O Presidente Maduro da Venezuela ( comunista e ditador, cuja aproximação não é querida pelo Presidente brasileiro) declarou seu apoio a Putin ( outro comunista e ditador )assim como o fez Bolsonaro. Pergunta-se: O que Bolsonaro, Putin e Maduro têm em comum?

terça-feira, fevereiro 01, 2022

Reverberações da Metrópole 2 (portuguesa)

 

Carlos Roberto Husek – Professor de Direito internacional e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

O resultado das eleições portuguesas foi o esperado por todos, uma vez que o partido socialista venceu, reconduzindo ao governo António Costa, por mais quatro anos, para o cargo de Primeiro Ministro.

A eleição revelou que os portugueses valorizaram a forma pela qual o governo enfrentou a pandemia, bem como deu força ao Serviço Nacional de Saúde. Falou-se muito nos dias anteriores à eleição em uma “geringonça” política, uma espécie de mecanismo que uniria aqueles que são da esquerda (não há uma só esquerda) e os que são de direita (não há uma só direita), e alguns que poderiam passar de um para outro lugar, observando a imprensa que havia dúvida sobre o funcionamento de tais esquemas, uma vez que não haveria maioria absoluta, sem falar em uma esquerda radical e em uma direita radical.

As eleições portuguesas demonstraram que o povo, na sua sabedoria, não quer radicalismos, o que faz lembrar versos de um poeta brasileiro (Afonso Romano Santana, salvo engano), que disse: “a direita e a esquerda não são mais questões centrais”. E, efetivamente, não são. Claro está que sempre haverá uma tendência – cada um deve escolher o que achar melhor – que justificaria uma forma de administração, priorizando empresas, priorizando o povo, priorizando a saúde, priorizando a segurança, priorizando as questões de gênero, priorizando a escola, dependendo de uma visão básica à esquerda ou à direita. Em Portugal, a tendência socialista saiu vencedora, porquanto há um pensamento fundamental voltado – em tese – para os mais desafortunados. Mais do que isso, porquanto a vitória do Partido Socialista foi absoluta, o que afastou qualquer possível “geringonça”.

É verdade que o voto não é obrigatório: teve 9.298.390 eleitores inscritos; 5.389.705 eleitores votantes, com 42,04% de abstenções. Contudo, apesar disso, o que conta é o quadro real para todos os efeitos e que 41,68% foram para o Partido Socialista. Ainda assim, preocupa – preocupação que podemos ter no Brasil – que a terceira força nesta eleição, que foi do CHEGA, 7,15%, elegeu doze deputados e representa um contingente racista e xenófobo, quando na eleição anterior havia feito apenas um deputado, o que não deixa de ser preocupante. O que poderá impedir o crescimento de tal nicho antidemocrático será uma administração séria que melhore, cada vez mais, a vida dos portugueses. O eleito a fará?
 
Tal análise, serve, dentro de alguns parâmetros, e em parte, para a situação da política brasileira, em que a direita radical não consegue atrair a maioria dos eleitores, embora tenha como um dos vetores, aquele que na atualidade exerce o poder, e nem sequer busca fazer uma “geringonça”, porquanto se recusa a qualquer diálogo; e a esquerda que apesar de seu crescimento, na figura de um ex-presidente, mantém um pensamento fechado às mudanças, e dela não se espera também diálogos mais profundos com outras forças políticas. O que nos diferencia é que não temos um partido que busque caminhos comuns. Não digo, com isso, que a vitória esmagadora de António Costa é, em si, um bem para Portugal, mas não deixa de ser, na forma em que foi construída, a possibilidade mais equilibrada para a sociedade portuguesa, que escolheu manter o que estava dando certo, sem grandes mudanças. António Costa afirmou que ganhar de forma absoluta não é governar de forma absoluta e nem exercer o poder de forma absoluta. Sábias palavras, que poderiam servir de inspiração para os nossos possíveis pretendentes ao governo.

A verdade é que os portugueses apostaram no que já conhecem, e imaginam um governo que conduza Portugal de modo calmo e equilibrado, sem entrar em conflito com outros países e sem casamento com ideologias radicais.

Também ganhar uma eleição pela imposição do medo daquilo que virá não parece ser o caminho escolhido pelos políticos vencedores das eleições portuguesas. Mais correto analisar pelo governo que oferecem (democrático, respeitoso da Constituição do país e das instituições, propenso ao diálogo e a ouvir as opiniões contrárias e a propor soluções que levem em conta as reais necessidades do povo); isto pareceria ser o ideal, e o caminho pelo qual nós no Brasil deveríamos trilhar. Não se olvide que há os que querem manter o poder a todo custo, perseguir adversários, espalhar notícias falsas, e, mesmo os que buscam um poder total por muito tempo, ou por quase todo tempo possível (enquanto se viver!), mas estes são os radicais da direita ou da esquerda, e com tais tipos não devemos contar.

Acreditamos que a maioria do povo – quando bem instruída, não manietada, e com oportunidade de estudo - seguirá o caminho do Estado Democrático de Direito. Portugal tem lá os seus erros, mas pode nos ensinar alguns caminhos. Vamos ficar alertas!

sexta-feira, janeiro 21, 2022

Reverberações da Metrópole (portuguesa)

 


“A esquerda é burra?” e a direita gananciosa? E vice-versa!

Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Em um artigo bem posto e com percuciente análise, no jornal português “Público”, de 21.01.2022, Boaventura de Sousa Santos, sob o título “A esquerda é burra?” fez as seguintes ponderações em torno das eleições portuguesas de 30 de janeiro deste ano para o Parlamento, que ora em parte são transcritas:
Nos tempos em que o ex-Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso (F.H.C.) e eu éramos amigos, conversávamos com frequência. A conversa começava sempre na sociologia e terminava invariavelmente na política. Numa dessas conversas, no Palácio do Planalto em Brasília, porque, entretanto, o F.H.C. tinha sido eleito Presidente do Brasil, ele disse-me a certa altura: ´Sabe, Boaventura, a esquerda é burra`. Achei que no caso concreto ele estava errado, mas a frase ficou na minha memória e voltou a assaltar-me agora nestes tempos de campanha eleitoral.
Pergunto-me se a esquerda no seu conjunto não está a ser burra. É que a esquerda está a deixar que os termos do debate eleitoral sejam definidos pela direita, e isso é um péssimo sinal. Senão vejamos. Como tem havido estabilidade e a direita sabe que isso é importante para os portugueses nesta altura da pandemia, procura conotá-la negativamente, convertendo-a em marasmo, pântano (lembram-se de Trump e do Bolsonaro) e, se possível, recorrem ao sentido originário e negativo do nome que deram à proposta de estabilidade: a ´geringonça` (...)... Como a direita não pode negar o bom desempenho de Portugal no enfrentamento da pandemia, tenta negá-lo invocando casos pontuais que fatalmente acontecem com serviços em permanente estado de stress. (...)... Como a direita não pode inventar altos números de desemprego ou baixos salários (no que tem razão) e compara Portugal com os países do Leste europeu, mas ninguém na esquerda lhe lembra (sobretudo o PCP), que enquanto os países do Leste, tinham ao entrar na UE, a mão-de-obra mais qualificada da Europa e habituada a salários comunistas (muito baixos enquanto salários diretos), Portugal só ao fim de 25 anos depois de entrar na UE começa a aproximar-se dos níveis de qualificação europeus.
Como a direita tem dificuldades em estigmatizar a natural simpatia do primeiro-ministro, inventa que ele está cansado por tanto tempo de governo. Ninguém na esquerda (nem sequer o PS) lhe lembra ainda há pouco idolatravam Angela Merkel e nunca a acharam cansada, apesar de ela ter estado 16 anos no Governo. Como é arriscado desconhecer o interesse dos portugueses em ter sua companhia aérea, invoca casos isolados (ainda que lamentáveis porque mostram que a gestão capitalista desconhece outras razões que não o lucro) e ninguém na esquerda lhe lembra que, além de Lisboa, não há apenas o Porto, há também Praia, Bissau, Luanda, Maputo e muitas cidades no Brasil.
Finalmente, direita, sabendo-se fragmentada, tenta articular-se e, como acontece usualmente em política, começa pelo consenso negativo...(...) Como a direita não tem os escrúpulos indenitários e programáticos da esquerda, vai-se treinando no consenso negativo, surfando a onda. Não me surpreenderia se depois das eleições surgisse uma ´geringonça` de direita.”
Trocando em miúdos e em alguns aspectos “a contrário senso”, a análise se aplica ao Brasil, observando algumas dificuldades a mais, como as notícias falsas, a compra de votos, a corrupção do dinheiro e, principalmente, a dos princípios, o que torna o nosso cenário bem mais complexo, porquanto a direita também tem uma certa burrice e a esquerda tem laivos insuspeitos de poder absoluto.
Tanto a direita como a esquerda no Brasil querem a perpetuação do poder, ainda que para isso seja necessário ludibriar e corromper sob o fundamento de que os meios justificam os fins.
Estamos necessitando de um desapego pelo poder, da crença sobre a nobreza da função pública e de homens públicos voltados para o Estado, como pessoa jurídica apta a perseguir e obter o bem do povo. Maior consciência e dedicação a melhorar a vida das diversas classes sociais, com força centralizadora nos mais pobres. É pedir muito?


sexta-feira, janeiro 14, 2022

Em busca do sentido da vida

 



Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/Sp e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Público e Privado


Viktor E. Frankl, professor de Neurologia e Psiquiatria na Universidade de Viena e professor de Logoterapia na Universidade Internacional da Califórnia, viveu no campo de concentração de Auschwitz e conta no seu livro “Em busca de sentido” (Editora Vozes, 54ª. Edição), os horrores passados em tal lugar na Segunda Guerra Mundial, em que se perdeu total e completamente o sentido da vida.

Não se tem noção na atualidade, apesar dos relatos da guerra, o que os judeus verdadeiramente passaram, o que pode ser estendido mais recentemente aos iugoslavos (croatas, montenegrinos, sérvios e outros), que também viveram em campos de concentração, lá pelos anos de 1990.

Em outras palavras, o ser humano parece não melhorar e continua enfiado na sua própria caverna de convicções arraigadas, religiosas, ideológicas, filosóficas, como se recebesse tábuas de salvação para uma pequena parte da humanidade, aquela que professa iguais princípios e a mesma irracional fé.
Assim dizemos, porque o mundo continua à deriva, principalmente nos dias de hoje, em que os nazistas, quase nunca com esse nome, começam a dominar a política e os meios de comunicação.

Não será difícil concluir pela possibilidade de termos eventos que repitam as mesmas situações descritas no referido livro, se cada país e seu respectivo povo não atentarem para os caminhos traçados nas comunicações oficiais e oficiosas, principalmente pelo que está posto nas entrelinhas, nas palavras fantasiosas, nas frases de efeito que gritam pela liberdade individual no intuito de favorecerem os próprios desígnios de domínio coletivista.

Não é de estranhar que os que estudaram Direito e chegaram nos postos maiores da República possam justificar perseguições políticas e cooperar para enviar para as cadeias (masmorras modernas) os contrários ao regime instalado no poder.

Não é de estranhar que os que estudaram Medicina possam justificar medidas de saúde contrárias à maioria do povo, porque toda ciência fica a reboque das motivações do domínio político e de interesses econômicos escusos.

Não é de estranhar que a Diplomacia, apesar de oferecer estudos aprofundados de relacionamento entre as nações e de técnicas de aproximação dos contrários e de boa convivência, também possibilite que alguns poucos, mas que alcançam as posições de poder, fundamentem ações diversas que contradizem “in totum” o que aprenderam nos bancos da academia.

Não é de estranhar que os que se dedicam à Educação esqueçam a pedagogia e a psicologia educacional e disseminem visões estúpidas e diversificadas do próprio ser humano, concretizando as diferenças e exaltando opiniões de domínio de uma raça, de uma ideologia, de uma religião, de um sexo, e auxiliem em tais propósitos.

Não é de estranhar que os que dominam as ciências econômicas e deveriam se preocupar com a melhoria da vida, todavia, em nome de um bem genérico do povo, seus administrados, aceitem encher as “burras” do governo, com desvio do dinheiro público, e busquem a compra de votos e do favorecimento de classes específicas de trabalhadores e de órgãos pertencentes a Administração direta ou indireta, para a manutenção do grupo no poder.
Não é de estranhar que os que devem voltar seus olhos e seu raciocínio para a defesa do meio ambiente façam o possível para destruí-lo, em desproveito dos seres humanos que respiram, comem e vivem da preservação das florestas, da água e do ar.

Nada disso é de estranhar, se pensarmos que a humanidade pouco ou quase nada progrediu, em termos sociais, embora tecnologicamente tenha avançado nos laboratórios e nas máquinas.
Frankl descreve fatos que não se justificam aos olhos do mais simples dos seres humanos, e por óbvio, não se justificam (ou não deveriam ter qualquer justificativa) aos olhos daquele que dominam um campo do saber.

Enquanto ainda esperamos pelo chuveiro, experimentamos integralmente a nudez: agora nada mais temos senão o nosso corpo nua e crua[1]... (...) Assim como a maioria de seus companheiros, o prisioneiro está ´vestido` de farrapos tais, que a seu lado um espantalho teria ares de elegância. Entre as barracas, no campo de concentração, tanto mais se entra em contato com a lama. É justamente o recém-internado que costuma ser destacado para grupos de trabalho nos quais terá que se ocupar com a limpeza das latrinas, eliminação de excrementos etc. Quando esses são transportados sobre o terreno acidentado, geralmente não escapamos de levar uns respingos do líquido abjeto; qualquer gesto que revele uma tentativa de limpar o rosto, com certeza provocará uma bordoada do capo, que se irrita com a excessiva sensibilidade do trabalhador.”[2] ... (...) “...ao ver um menino de uns doze anos, para o qual não mais havia calçados no campo e que por isso fora obrigado a ficar por horas a fio de pés descalços na neve, prestando serviços externos durante o dia. Os dedos dos pés do menino estão crestados de frio e o médico do ambulatório arranca com a pinça os tocos necróticos e enegrecidos de suas articulações”[3]...(...)...um acaba de morrer...(...) Fico observando como um companheiro depois do outro se aproxima do cadáver ainda quente; um lhe surrupia o resto de batatas encardidas do almoço; outro verifica que os tamancos do cadáver ainda estão um pouco melhores que os seus próprios; um terceiro tira o paletó do morto; outro, afinal, ainda fica contente por surrupiar um barbante de verdade – imagine. Fico olhando apático. Finalmente dou-me um empurrão e me animo a convencer o ´enfermeiro` a levar o corpo para fora do barracão (um balcão de chão batido). Quando ele resolveu fazê-lo, pega o cadáver pelas pernas, roçando-o em direção ao estreito corredor entre as duas fileiras de tábuas à esquerda e à direita, sobre as quais estão deitados os cinquenta enfermos acometidos de febre, para então arrastá-lo pelo chão acidentado até chegar à porta do barracão. Dali sobe dois degraus para fora, em direção ao ar livre – o que já é um problema para nós, debilitados pela fome crônica. Sem o auxílio das mãos, sem nos puxarmos para cima segurando nos postes, todos nós, que já estamos há meses no campo, há muito não conseguimos mais levantar o próprio peso do corpo somente com a força das pernas, para vencer dois degraus de vinte centímetros. Agora o homem chega até lá com o cadáver. Com muito esforço ele se alça primeiro, depois o morto: primeiro as pernas, depois o tronco, finalmente o crânio, que dá lúgubres pancadas nos degraus. Logo em seguida é trazido o barril com a sopa, que é distribuída e avidamente servida. O meu lugar fica em frente à porta do outro lado da barraca, próximo da única janelinha, um pouco acima do solo. Minhas mãos geladas aconchegam-se à vasilha quente da sopa. Enquanto sorvo o seu conteúdo sofregamente, por acaso dou uma espiada para fora da janela. Lá está o cadáver recém-tirado do barracão, a fitar a janela de olhos esbugalhados. Há apenas duas horas eu estava conversando com esse companheiro.”[4]

O ser humano envolvido na política e no poder, por vezes, perde-se como pessoa, e o ser humano que sofre as consequências de estar no grupo dos perdedores também perde a qualidade de ser humano. O que passam a representar? Nada.

As árvores, os pássaros, os animais em geral parecem usufruir de algo a mais.

Não podemos chegar nisso de novo. É preciso pensar, pensar, pensar e não nos envolvermos em palavras de ordem. Muito equilíbrio e muita calma e o que precisamos, ou viraremos cadáveres putrefeitos ao lado da sopa servida ou, o que é pior, trogloditas insensíveis a determinar castigos para os que não seguem as ordens do poder, bem como a escolher os que devem morrer.

O mundo pode não ser para os fracos, mas também, não é para os idiotas.
 

[1] P.29
[2] P.36/37.
[3] P.36
[4] P.37/38