segunda-feira, novembro 28, 2022

Para que servem as armas?


Resposta, pura e direta: para matar. 

Não foi isso que aconteceu no Espírito Santo? Não é isso que acontece em todo lugar? O povo necessita de armas para comer, para estudar, para se vestir? CEGOS, SURDOS, BURROS. Quem acha que o cidadão precisa de armas para ser livre, tem a idiotice incrustada nas células. Será que não vamos progredir como pessoas e como civilização? A sociedade está doente e a doença já está quase passando do estágio de tratamento leve. Ou se proíbem as armas ou se aumentam os cemitérios e crematórios: simples, assim.


sexta-feira, novembro 18, 2022

O fazer diplomático – atividade óbvia?

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP- Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

A diplomacia é uma atividade de várias facetas e vários atores, nem todos com formação específica –Diplomacia– mas, provavelmente, com o mesmo espírito: diálogo, conversa, negociação, ganhar e perder, aproximação, superação de obstáculos, reconhecimento de espaços ocupados por outros saberes e outras visões do mundo. Daí ser possível diplomacia sem diplomatas em determinadas situações, mas informados pelo “fazer diplomático” (aqui a expressão tomada não na sua estreiteza puramente técnica e sim como fundamento das relações humanas e de Estados com estrangeiros e com outras nações): empresários em negociação com outros empresários, governantes com outros governantes, mas sempre com o objetivo de tornar um pouco melhor a “coisa pública”, favorecendo o maior número de pessoas e racionalizando a governabilidade.

Quando um governante assume o poder, além das funções administrativas, nas áreas da Economia, da Justiça, do Trabalho, do Comércio, da Educação, da Cultura, da Indústria, da Segurança, e outras, também assume a representação do Estado além das fronteiras. Para tanto, facilita a sua atuação, os princípios postos na Constituição Federal, inseridos no seu artigo 4º: independência nacional (I); prevalência dos direitos humanos (II); autodeterminação dos povos (III); não intervenção (IV); igualdade entre Estados (V); defesa da paz (VI); solução pacífica dos conflitos (VII); repúdio ao racismo e ao terrorismo (VIII); cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (IX); concessão de asilo político (X) e; integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações (par. único). Não é tão difícil assim! Basta seguir a Constituição Federal, que é nossa Lei Maior. Este é o terreno fértil onde se desenvolverá o que for plantado, com possiblidade de ser um vistoso jardim, o patamar, a argamassa para erguer o edifício da pátria e dizer ao mundo quem é este Estado, comandado por eventuais novos governantes. Claro que o Estado é permanente e seus governos, provisórios, mas estes, no tempo de mandato em que exercem as funções de governo, imprimem ao Estado a face que ele representa para o mundo. A nossa Constituição Federal revela para sempre a base desta face, cujas intervenções devem ser meramente cosméticas, para realçar suas linhas, salvo atos revolucionários que a modifiquem, o que, a seguir seus ditames, não é permitido.

Não se pense, contudo, que o governante esteja engessado pela Constituição; não está, porque cabe a ele, no caso do Brasil, dentro dos parâmetros constitucionais, formular a política externa que, embora não se confunda com a Diplomacia, dela faz parte e a ela se direciona, a exemplo, como formular ações prioritárias em relação à economia, ao Mercosul ou à África, etc.

Guimarães Reis explicita: “Vista com perspectiva e neutralidade, a política externa pode ser comparada a uma plataforma de lançamento ou mesmo um palanque de comício: algo assumido e apregoado, até para ter validade pública. Nesta matéria, o Governo que se inaugura –em geral nos discursos de posse– não tarda em dizer a que veio, ainda que para acrescentar simples variações do que antes fazia. Adicionalmente a política externa pode ser objeto de um programa especial, de uma estratégia, ou mesmo de uma ´doutrina`, até o limite de um artigo de fé.[1]

A diplomacia, ao seguir os impulsos da política externa –repita-se, sempre atrelada aos princípios constitucionais–, como ensina o diplomata já acima mencionado, é uma obra em aberto, em construção. O sucesso do governante, nesta tarefa, depende de seu conhecimento, de sua sensibilidade, de sua inteligência: “Em contraste com o que estamos caracterizando como política externa, a diplomacia é –por natureza– uma ´opera aperta`. É uma obra em aberto porque, em seu âmago, é um processo ´in fieri`, isto é, uma permanente evolução, o que não obsta a consistência. Idealmente, a diplomacia prefere deixar que o real fale por si, sem prejulgar de sua inesgotável liberdade... (...). Acontece que o mundo não se dá em percepção instantânea– tem de ser interpretado, inclusive em seus signos. Nesse sentido, a diplomacia é também uma hermenêutica. Mas, é uma hermenêutica focada na situação, como já assinalamos, porque a diplomacia lida com o momento, o particular, o atual, o urgente. Ela ´vai às coisas`, tem de buscar incessantemente a ´verdade efetiva`, para usar uma expressão de Maquiavel.[2]

Desse modo, temos a Constituição Federal como base para as ações do Governo, a política externa, como a administração do que pretende priorizar na sua política externa e a diplomacia como meio pacífico e inteligente de interpretar a realidade, em busca de afirmação e de progresso de um determinado povo, construindo os relacionamentos de acordo com as prioridades governamentais.

A tarefa é complexa. Governar é mais do que saber, é sentir. É trabalho, é humildade, é grandeza de espírito, é vocação e a Diplomacia é a ferramenta, interna e internacional, de que o Governo se serve para as ações mais delicadas. Neste último aspecto deve-se servir dos instrumentos técnicos e dos órgãos de relações externas, sob o comando do Ministério das Relações Exteriores.

Não se pode entender Governo de sucesso sem diplomacia.



[1] Reis, Fernando Guimarães. Caçadores de Nuvens – em busca da Diplomacia, Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília, 2011, p.190. (Diplomata de carreira, foi embaixador no Japão)

[2] Ibidem, p. 192.

quarta-feira, novembro 09, 2022

Nazismo/Nacional-socialismo/hitlerismo, mussolinismo (e outros ismos)

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

Não consigo bem entender esses “ismos” e o fanatismo (outro “ismo”) que eles provocam. As pessoas parecem ficar tomadas, a ponto de raivosamente empunharem armas, bandeiras e até (fato recente), atacarem ônibus escolares em Jundiaí (homens feitos, atacando um veículo cheio de crianças!).

Não percebo racionalidade nesses “ismos”: um bando de animais (humanos?) a ranger os dentes, embandeirados, que pretendem o ressurgimento de Hitler e de Mussolini no país do futebol, das praias, da diplomacia, da leveza nos relacionamentos?

Será alguma espécie de reencarnação dos espíritos guerreiros e primitivos da 2ª. Guerra Mundial? Sim, porque nem Hitler nem Mussolini tinham vida familiar e sexual normal (é o que dizem). Como é possível ser normal, detestando algumas espécies de raças e de mulheres e de opções sexuais? Talvez gostando só da própria imagem, admirando-se em um lago plácido ou em um espelho: narcisismo (outro “ismo”). Aliás, é certo, afirmam os analistas, que Hitler, Mussolini (para não dizer de outros, no mundo atual, na História e aqui no Brasil), adoravam a própria imagem, personificando-se perante o povo, para serem adorados e seguidos (sem qualquer oposição). Incrível, os seguidores e asseclas não pensam! Reagem aos gestos histriônicos, às falas inflamadas, como diante de um milagre religioso, de um ícone, de um mito!

Bobbio, Matteucci e Pasquino, explicam: “O nacional-socialismo se estruturava com base num darwinismo social nacionalista, racista e muito simplificado, tornado popular pelos escritos de radicais sectários. Porém, ao mesmo tempo, procurou, mediante uma mistura eclética de programas doutrinários e políticos, atingir todas as camadas da população. Os primeiros slogans do nacional-socialismo, pelo seu sucesso imperialista e expansionista e pela submissão ao Governo ditatorial nacionalista, foram elaborados para distrair a classe média e a classe operária dos reais problemas internos. A “comunidade nacional” foi escolhida para ser panaceia que curaria os males econômicos e políticos, no lugar do pluralismo econômico e da sociedade classista. As doutrinas militaristas e racistas foram os instrumentos utilizados para enganar e conquistar a população. Na campanha contra o tratado de Versalhes se fez uso de um nacionalismo agressivo que apelava para o tradicional sentimento alemão de unidade e foi explorada a visão de uma grande Alemanha unida[1] (mera coincidência com os recentes acontecimentos no Brasil? Deus, Pátria, Liberdade!). Deus para alguns – não para todos –, Pátria, somente a de um grupo que pegou para si o verde e amarelo (tão caro e bonito para todos os brasileiros, independente de raça, credo religioso ou posição política!), Liberdade, só para os apoiadores dos donos do poder. “...Além do culto ao Führer, que era uma resposta ao desejo autoritário de ordem, a versão social e biológica do anti-semitismo se tornou uma das primeiras características fanáticas do programa hitlerista”[2].

Não percebo racionalidade e inteligência nestes fanatismos.

Tudo isto estava embutido na consciência de milhares de pessoas, prontas para o gesto da supremacia branca, transformado em milhões de voto. Ignorava-se?

Como será o futuro? Agora, ao contrário dos intolerantes e obcecados pela imagem do mito, verde e amarelo e azul, mas poderá tornar-se negro com o símbolo da suástica no meio da “Ordem e Progresso”.

Por que será que livros e pensadores fazem tanto mal a essa gente?

Por que será que só querem medalhas e canhões?

Por que será que não duvidam de suas próprias ideias?

Como foi dito em uma piada: se a seleção brasileira não ganhar a copa do mundo, poderemos obrigar a FIFA a anular o resultado e nos oferecer o troféu. Somente nós somos efetivamente grandes, e o mundo do futebol tem que reconhecer isso!

A loucura tem limites, mas se espalha de tal maneira, que não é mais possível reconhecer o irmão, o vizinho, o parente, o primo, o amigo, dispostos a pegar em armas em nome de... em nome do que, mesmo? São como canibais e, também, auto canibais, comem a todos e a si mesmos, impondo religiosamente flagelos corporais e psicológicos em nome de nada. Suados em desforços físicos inimagináveis aparecem como hordas e se comportam como gado, comandados por uma voz interior, que grita: “Ao ataque”.



[1] Bobbio, Norberto. Matteucci, Nicola. Pasquino, Gianfranco. Dicionário de Política, Editora UnB, 5ª. ed, 1983, p.810.

[2] Ibidem, p. 810.

sexta-feira, novembro 04, 2022

Migalhas Odipianas

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

  1. É possível ainda um golpe contra a Democracia, escudado por agentes do Governo, contribuindo com paralisações criminosas, que não querem reconhecer o resultado das eleições? Temos um sistema jurídico que deve ser obedecido?
  2. Civilizada e democraticamente, o Presidente eleito foi cumprimentado, em tempo recorde, pela maioria dos governantes do mundo, da esquerda e da direita, o que é próprio de estadistas e da praxe diplomática internacional. Obedecemos aos princípios da Diplomacia?
  3. Ainda perduram os golpistas, alimentados pela omissão do Presidente em exercício, ou por sua conivência aos atos contrários à ordem jurídica. Onde estão as quatro linhas da Constituição Federal?
  4. O derrotado de hoje – se inteligente – poderia vir a ser o vitorioso de amanhã. A Política se constrói com inteligência e não com bravatas.
  5. O povo brasileiro – não importa o voto – concorda com isso: só vale a eleição se o meu candidato vencer?
  6. E o que dizer do bloqueio das estradas? Se outro fosse o resultado das eleições e os apoiadores do perdedor fizessem tais mesmos atos, haveria correção e democracia?
  7. Sair em plena cidade de armas em punho perseguindo um negro, é isto pauta democrática?
  8. O Ministro da Justiça, embora deva a ter a confiança do Chefe de Estado, deve interferir na organização administrativa do Estado para beneficiar quem está no Poder, contrariando a Constituição Federal?

 

Mas vamos ao que interessa para o futuro próximo:

 

a)  O meio ambiente agora pode respirar. Não mais devemos ter a devastação da Amazônia, o cortar árvores e atacar povos indígenas, apesar do ex-ministro do meio ambiente, contrário à flora e à fauna, ter sido eleito para o Congresso.

b)  Os Direitos Humanos, espera-se, serão, com este novo governo, respeitados, apesar da ex-ministra dos direitos Humanos, que os contrariava a cada passo, ter sido eleita para o Congresso Nacional.

c) Não mais deverá haver descaso com a saúde – espera-se –, com atos governamentais que contrariem as medidas sanitárias determinadas pela ciência, no mundo inteiro, e pela OMS (com administração de panaceias, para combater a COVID: que interesses estavam por trás dessa atitude?), apesar do general, ex-ministro da saúde – que teve como ato mais importante de sua gestão a frase: “manda quem pode e obedece quem tem juízo – o Presidente fala e eu obedeço.”, ter sido eleito para o Congresso Nacional.

d)  Espera-se não mais desestruturação da Justiça e desrespeito ao Poder Judiciário.

e)  Espera-se não mais a deseducação dos Ministros da Educação (currículos falsos, promoção de negociatas, desrespeito às instituições).

f)    Espera-se não mais a loucura das armas e do poder bélico contra os que pensam diferentes.

Dúvida:

É possível que pessoas que estudam ou estudaram, hoje, com menos de 50 anos, pensem em comprar armas e sair atirando, como adolescentes contrariados. A Política necessita de inteligência para a conquista do Poder por determinado partido e determinada visão social, e não de moleques briguentos vociferando contra as eleições.

A Direita está acéfala. Pode-se não querer o domínio de um pensamento da Esquerda, mas seria necessário um contraponto; de uma concepção que poder-se-ia ser chamada da Direita, articulado, inteligente, cônscia das regras e dos princípios da ordem jurídica e não de vazios argumentativos. A chamada Direita – tão proclamada por membros do Governo – está necrosada pela incompetência de seus “líderes”. E depois, convenhamos, não há esquerda no país e sim bolsonaristas e antipetistas. Aí está a pobreza das nossas ideias

Lula, efetivamente, terá muitos problemas, porque terá que dialogar, negociar, raciocinar, com pessoas que não são afetas ao diálogo, ao raciocínio e à negociação.

O povo merece respeito.

As instituições merecem respeito.

A Constituição Federal merece respeito

O pavilhão nacional merece respeito.

Que o Deus das religiões oficiais e oficiosas nos protejam da sana dos fronteiriços!

sexta-feira, outubro 28, 2022

Primatas, primos e outros bichos

 

Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

Nós somos parentes dos chipanzés que, ao contrário do que se acreditava, matam, embora nem sempre por sobrevivência ou por conquistas individuais de território e liderança em relação a uma fêmea, matam com requintes de crueldade e se unem em grupo para defender as próprias ideias , se possível, terminar com os inimigos:

ligações através dos machos significa os machos formando coligações agressivas uns com os outros, em apoio mútuo, com outros grupos – os Hatfield contra os MacCoy, os Montecchio contra os Capuleto, os palestinos contra os israelenses, os norte-americanos contra os vietcongues, os tutsis contra os hunos. Pelo mundo afora, dos Balcãs aos ianomâmis da Venezuela, dos pgmeus da África Central à disnastia Tang da China, dos aborígines australianos aos reinos havaianos, os homens aparentados entre si sistematicamente lutam em defesa de seu grupo.[1]

Wrangham e Peterson descrevem: “um a um, seis machos da comunidade de Kahama desapareceram, até que em meados de 1977, o único defensor solitário era um adolescente chamado Sniff, com cerca de 17 anos. Sniff, que nos anos 60 tinha brincado, ainda criança, com os machos de Kasekela, foi apanhado em 11 de novembro. Seis machos de kesekela, gritando e latindo de excitação, esmurraram, agarraram e morderam sua vítima furiosamente, ferindo-o na boca, testa, nariz e costas e quebrando-lhe uma perna. Goblin golpeou a vítima repetidamente no nariz. Sherry, um adolescente apenas um ou dois anos mais moço do que Sniff, esmurrou Santan, agarrou Sniff pelo pescoço e bebeu o sangue que lhe escorria pela cara. Depois Sherry juntou-se a Satan e os dois machos, aos gritos, puxaram o jovem Sniff colina abaixo. Sniff foi visto um dia depois, mutilado, quase incapaz de se mover. Depois disso não mais foi visto, e foi dado como morto[2]

Assim, não parecem absurdas as manifestações de ódio, de loucura, de vingança, de grupos radicais. São primitivas, advindas dos chimpazés, nossos primos. Todavia, se é assim, estaremos condenados a comermos uns aos outros, para conquistas desejadas: brancos contra pretos, cristãos contra mulçumanos, amarelos contra vermelhos, ditadores contra democratas?

A evolução humana não deveria paralisar esse estado permanente de luta, de enraivecimento, de incompreensão, de animalidade? Afinal, somos todos animais!

Qual seria a saída? Instituições, regras, princípios, Direito. A inteligência a serviço da sociedade; a cooperação, o respeito às ideias contrárias, o respeito às diferenças. A civilização vai alcançando alto grau de convivência, à medida que estabelece um “modus vivendi” que ultrapassa a sua condição biológica primitiva.

Viemos do macaco mas para onde vamos? Para o macaco, novamente?

Até os chimpazés aprenderam e progrediram e passaram isto no DNA para as futuras raças, chegando no ser humano, por caminhos tortuosos e, de certa forma, aleatórios:

Imagine que você está numa área de chimpanzés na África Ocidental, por exemplo, andando por uma floresta quente e sombria, e ouve o som de um martelar. Você vai em direção dele, talvez pensando que está perto de um vilarejo africano. Forçando a passagem, por um emaranhado de arbustos, você finalmente chega a uma área relativamente aberta e vê chimpanzés selvagens pacientemente trabalhando sob uma grande árvore que produz coquinhos. Eles estão utilizando martelo de pedra, martelando num coquinho duro até parti-lo... (...) Uma jovem está tentando, mas ainda não pegou direito o jeito... (...) A mãe toma-o de sua filha, vira-o do outro lado e demonstra a ela como se faz. Alguns minutos depois, a filha pega a pedra de volta e tenta do mesmo jeito da mãe...[3]

 

Somos o macaco com algum aprendizado de convivência e dentro de nós o inconsciente das eras anteriores da formação humana nos impulsiona para a guerra, para a conquista, para a morte, para o domínio sobre o outro, para o desejo de estarmos acima de muitos que nos reverenciam.

Ao que parece esse ser primitivo nos domina; amiúde, vemos incongruências, desinteligências, ações não compreensíveis, que nos parecem profundamente animalescas e em desacordo com todo aprendizado cultural e civilizatório. Mas, é isso.

O estudo diuturno, o trabalho incansável, o descobrimento prolongado na busca das próprias origens, a inquirição obstinada das próprias razões (“Conhece-te a ti mesmo”), é que nos distanciarão, cada vez, mais do animal que nos constitui.

A política ainda é um campo de chimpanzés.



[1]Wrangham, Richard e Peterson, Dale in O Macho Demoniáco – as origens da agressividade humana, Objetiva, tradução de M.H.C. Côrtes, 1998, p. 38/39

[2] Ibidem,p. 30.

[3] Ibiden, p. 19.

quarta-feira, outubro 26, 2022

“Pintou um clima com umas garotas de 14 anos?” ...

 


“Pintou um clima com umas garotas de 14 anos?”

ISSO NÃO É NADA.

O ex-presidente da Caixa Econômica Federal assediou várias mulheres?

ISSO NÃO É NADA.

Ministro só STF, nomeado pelo Presidente da República, arquivou todos os processos?

ISSO NÃO É NADA.

Roberto Jefferson, condenado à prisão domiciliar, recebe agentes da polícia federal com granada e balas?

ISSO NÃO É NADA.

Moro, ex-juiz ( do movimento mãos limpas ), contra a corrupção e  contra a política, tornou-se ministro do Presidente, com ele brigou porque interferia não polícia e agora é seu acessor político?

ISSO NÃO É NADA.

Milhares de pessoas morreram por falta de vacina?

ISSO NÃO É NADA.

Negociaram com o Jefferson para ele ficar calminho e se entregar com a intermediação do padre Bolsonarista?

ISSO NÃO É NADA.

Mais armas, menos escolas e livros?

ISSO NÃO É NADA. 

Paulo Freire merece ser esquecido?

ISSO NÃO É NADA.

Compraram imóveis - milhões - com dinheiro vivo?

ISSO NÃO É NADA.

A bandeira do Brasil, que representaria nossas terras, nossas riquezas, nosso povo, passou a ser símbolo não de um país soberano, mas de um governante?

ISSO NÃO É NADA.


Pois é ”PINTOU SUJEIRA!”

Ministro do STF

quinta-feira, outubro 20, 2022

Raízes e dicotomias políticas e sociológicas



 

Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

As raízes são importantes, alimentam e demarcam o território. Precisamos de raízes e de estabilidade institucional. Somos pobres de raízes; nossa árvore institucional é aérea, alimenta-se do ar, do sol, da chuva e não da terra, e ficamos assim, ao longo do tempo e da história, à mercê dos ventos, ora sol demasiado - a estiagem, a seca; ora muita chuva que a tudo derruba, enche os rios, carrega pedras, gado, postes, gente, arria pontes; ora o frio inclemente, que quebra as folhas, congela as águas, encoruja as pessoas, que só se protegem - olhos, nariz e boca, com panos e malhas, e não olham, não ouvem, não sentem, fechadas para a vida. Estamos sem raízes na vida pública: cada um que chega, vem sem compromisso com o povo, sem obediência à Constituição, sem qualquer amor à pátria (tão “demodê”!), sem respeito a figuras maiores do passado ou do presente. Xinga-se o papa, chamando-o de vagabundo, despreza-se Paulo Freire, qualificando-o simplesmente de comunista. Faz-se pouco caso dos males individuais dos homens, porque não são atletas e não são homens, são maricas. Olha-se para as mulheres como objeto de consumo sexual e para os pretos e índios como inferiores. Adoram armas e exibição de músculos, desde que pertencentes às elites. Estes são os que se expõem aos aplausos, como gurus, mitos, deuses, e desfilam o tempo todo, e falam o tempo todo, e conclamam o tempo todo para que venham apreciar a sua própria beleza; narcisos que se enxergam na bacia de água que preencheram com o vômito de suas intenções. Estão cegos e cegam os demais.

A falta de amparos institucionais, alucina, enlouquece, desvaria, embota, deslumbra, ilude. Somos pobres de raízes.

Nós seres humanos necessitamos de luz e de ar para progredir; de raízes, só queremos instituições criadas para a fortaleza do Estado, alimentadas pela Constituição e pela ordem jurídica dela decorrente, e a partir daí a liberdade é de todos.

Não existem grupos privilegiados, pela religião, pela raça, pela ideologia; nem o mágico retumbar de tiros e de bombas podem calar os que querem justiça e paz; nem as continências desmedidas; nem a distribuição de benesses àqueles achegados ao poder, nem as medalhas postas nos peitos murchos de coração e de humanidade, nem os eventuais bustos, nem as ostentações objeto de admiração e aplauso, porque somos muitos, escondidos, é verdade, tristes, é verdade, temerosos, é verdade, sem representatividade e sem voz, é verdade, mas formamos uma base de gente a respirar a liberdade, e que não se deixa enganar pelo ruflar dos tambores.

 

...(Q)ue os bons são os da nossa raça e os maus são da outra; uma fórmula velha como a História. Se assim fosse a humanidade não se teria misturado tanto. Se assim fosse, na realidade existiriam raças, cientificamente provadas, o que sabemos não ser o caso do ponto de vista genético. Mas sociologicamente elas existem sim, como forma de demarcação de territórios de poder, influência e meios econômicos.” (Carlos Lopes, doutor pela Universidade de Paris, in Mia Couto: um convite à diferença, Humanitas, 2013).

 

Os donos do poder escondem a ignorância atrás da própria arrogância, e nós outros, aceitamos tudo como natural.

terça-feira, outubro 11, 2022

Migalhas odipianas

 


Por Carlos Roberto Husek – prof. de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


“Não devemos esquecer que tudo o que Adolfh Hitler fez na Alemanha era ´legal` e que tudo que os combatentes húngaros pela liberdade fizeram na Hungria era ilegal`” (Martin Luther King).

“Homens cruéis acreditam num Deus cruel e usam sua crença para desculpar a crueldade. Somente homens bondosos acreditam num Deus bondoso, e serão bondosos de qualquer jeito.” (Bertrand Russel).

“O homem que diz ´sou`, não é.” (Vinicius de Moraes).

“Se plural como o universo!” (Fernando Pessoa)

“Ouvi o som de um trompete e perguntei ao meu a criado o que significava. Ele não sabia de nada e não ouviu nada. No portão, ele me parou e indagou: ´Aonde o senhor vai?` ´Não sei`, respondi, ´só estou saindo daqui, só saindo daqui. Sair daqui, nada mais, é a única forma de eu atingir a minha meta. ´Então, o senhor sabe qual é a sua meta`, ele perguntou. ´Sei`, respondi. ´Acabei de lhe dizer. Sair daqui – esta é a minha meta.`” (Zygmunt Bauman).

“Não procures as pessoas senão pelas máscaras. Aqui quem tem rosto morre” (Adriano Santiago em Mia Couto – O mapeador de ausências).

“Somos inocentes? Quem letrado, não tem culpa neste País dos analfabetos? Quem, rico, está isento de responsabilidades neste País da miséria? Quem, saciado e farto, é inocente neste nosso País da fome? Somos todos culpados.” (Darcy Ribeiro).

“ A característica mais nítida da sociedade brasileira é a desigualdade social que se expressa no altíssimo grau de irresponsabilidade social das elites e na distância que separa os ricos dos pobres, com imensa barreira de indiferença dos poderosos e de pavor dos oprimidos.” (Darcy Ribeiro).

“A triste verdade é que vivemos em estado de calamidade, indiferentes a ele porque a fome, o desemprego e a enfermidade não atingem os grupos privilegiados. O sequestro de um rapaz rico mobiliza mais os meios de comunicação e o Parlamento do que o assassinato de mil crianças, o saqueio da Amazônia, ou o suicídio dos índios. E ninguém se escandaliza, nem sequer se comove com esses dramas.” (Darcy Ribeiro).

“´Não existe nada secreto no Governo democrático? Todas as operações dos governantes devem ser conhecidas pelo Povo Soberano, exceto algumas medidas de segurança pública, que ele deve conhecer apenas quando cessar o perigo.` (citação do Catecismo republicano de Michele Natale, bispo de Vico, justiçado em Nápoles a 20 de agosto de 1799). Este trecho é exemplar porque enuncia em poucas linhas um dos princípios fundamentais do Estado constitucional: o caráter público é a regra, o segredo a exceção, e mesmo assim, é uma exceção que não deve fazer a regra valer menos, já que o segredo é justificável apenas se limitado no tempo, não diferindo neste aspecto de todas as medidas de exceção (aquelas que nós entendermos, que podiam ser tomadas pelo ditador romano).” (Norberto Bobbio em O futuro da Democracia).

“ O mais sublime seria aprender as coisas de forma que os fatos já fossem teoria.” (Goethe).                     


terça-feira, outubro 04, 2022

Direita radical e Esquerda radical, nunca mais

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado



Necessitamos progredir e fugirmos das visões estreitas daqueles que querem o poder pelo poder, e só pensam na sociedade como elemento de manobra para os desígnios de ganância e domínio.

Não importa a visão mais à esquerda ou mais à direita – são visões do mundo, do que é ou não prioritário para o desenvolvimento de uma sociedade -, o que importa é conservar uma pauta básica relativa aos seres humanos.

A esquerda e a direita, quando fogem da visão social mais ampla, tendem a se encontrar no mesmo patamar de poder absoluto, porque concluem, neurótica e cegamente, que só o mando de um líder, de um comandante, de um salvador, poderia levar o povo ao paraíso, e com isso podemos continuar amargando um compasso de espera por gerações e gerações, sem saber como os nossos filhos e netos terão oportunidade de progredir, florescer, avançar, crescer para uma vida mais digna, livre, consciente, equilibrada. Entretanto, como almejar isso, dentro de discursos de ódio aos contrários, de apreço às armas, de desconsideração às mulheres, de afastamento marginal dos diferentes, de racismo, de abandono da liberdade individual e coletiva, de decidir caminhos de construção generosos, que pudessem abraçar a todos e admitir a divergência de opiniões?

Dizem que é o pêndulo social que dita as normas de uma geração, ora para a esquerda ora para a direita. Hoje estaríamos no domínio do conservadorismo e da direita radical.

Os idealistas, diante de opções extremistas, perguntariam: seria possível harmonizar conceitos? Acho que não, porque, em princípio, quem está no poder tende sempre ao radicalismo: eliminar o “inimigo”. Além do mais, o “extremismo” diz tudo: ou se é de um lado ou se é de outro. Na verdade, ambos estão do mesmo lado: o lado do fanatismo estrutural, religioso, filosófico, político, ideológico. Todavia, ainda acho a esquerda moderada – o centro esquerda – mais generoso.

A velha concepção dos dedos das mãos, ainda tem a sua lógica: nos cinco dedos de ambas as mãos, há dedos que se aproximam mais de um e de outro lado, e que por isso, sem deixar de pertencerem à esquerda ou à direita, habitam lugares mais próximos e comuns. De qualquer modo, é preciso ter uma escolha. Não há meio termo; e temo que a direita seja menos magnânima.

A escolha do caminho das armas, das simbologias do poder, das mesuras, das distinções e das medalhas – que existem em ambos os lados, nos seus extremos – me parece mais cultivada, de início, na visão da direita, pelo menos aqui “pelos prados da América do Sul”: marchas, “motociatas”, emblemas, jargões, bandeiras, hinos, armamentos, estátuas, bustos, fardas, palavras de ordem, milícias, favorecimento de grupos, cultivo dos músculos a favor da causa, e não da inteligência estratégica, que deve ficar centralizada nas mãos de poucos – tudo isso dá medo, para os querem ver o céu mais azul, o horizonte mais claro, os terrenos mais planos, as pessoas mais felizes.

Sonhar com um mundo melhor é ingenuidade, mas é necessário.

A verdade é que nos inculcam a ideia e o sentimento de inferioridade cidadã (todos somos cidadãos de segunda classe).  Para os que vivem, em geral, da política como profissão, as pessoas comuns, não profissionais da política, são incapazes de raciocínio social e político. Erro, fantasia, ignorância ou presunção.

Nos servimos de Erich Fromm: “...quer-nos parecer que muitas das questões básicas da vida individual e social são muito simples, tão simples de fato que se deveria esperar que todos as entendessem. Fazê-las parecer tão incrivelmente complicadas que só um “especialista” possa compreendê-las, e ele só em seu próprio campo limitado, tende de fato – muitas vezes deliberadamente - a desanimar as pessoas que confiarem na sua própria capacidade para pensar nos problemas que são realmente importantes...(...) O resultado desta espécie de influência é duplo: um é o ceticismo e cinismo face a tudo que é dito ou impresso, enquanto outro é a crença infantil em tudo o que é afirmado por uma fonte autorizada. Esta combinação de cinismo e ingenuidade é assaz típica do indivíduo moderno. Sua consequência essencial é desanimá-lo de pensar e decidir por si mesmo.[1]

Por que temos de acreditar nos fanáticos, intolerantes, inflexíveis? Todos os lados (os dois que mencionamos e outros derivados) têm os seus, mas podemos pensar, e no mínimo – lugar comum de se dizer – seguir o caminho menos ruim.

Não fujo dos meus medos: não quero armas, não quero milícias, não quero confronto entre as instituições, não quero desrespeito ao Judiciário, não quero troca de favores mesquinhos e subalternos entre o Executivo e Legislativo, não quero desrespeito à Constituição Federal, não quero governo de apadrinhados, não quero desconsideração com as mulheres e com raças diferentes, não quero afirmações grotescas de desrespeito á religião, não quero descrédito do sistema jurídico. Quero um futuro presidente subordinado à Lei Maior, subordinado ao Estado Democrático de Direito e com visão de estadista, que pense no povo.

Depois de serem eleitas pessoas que se vangloriam, simplesmente, em obedecer ao poder de mando, e se dobram às injunções dominadoras dos ricos e poderosos, em detrimento de qualquer raciocínio na área da saúde, na área do meio ambiente, na área da educação, apesar da incompetência comprovada por técnicos e até por organismos internacionais, fico com a sensação de tempos muito difíceis.

A única esperança é pensar.

Vamos pensar...



[1] Fromm, Erich. O medo à liberdade. Zahar Editores, 14ª. edição, p.199. 

segunda-feira, setembro 26, 2022

A Democracia e as ameaças travestidas de liberdade

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Tempos difíceis. Outros existirão? Talvez. Sempre achamos que aquele tempo que vivemos é insuperável, tanto para o mal como para o bem. Somos da Era Tecnológica, única na História da Humanidade e, também, somos da Era dos Radicalismos, e como outra não houve igual.

Nenhuma nem outra coisa: somos da nossa Era, e enfrentamos os nossos problemas. É fato que o avanço tecnológico beneficia uma pequena parte da população mundial; há muitos que vivem na pobreza, na ignorância, e na própria Idade Média. Há os que combatem os radicais e acreditam no ser humano, promovendo os direitos decorrentes, contra os grupos terroristas, contra o Estado, contra os carrascos, contra os caudilhos, contra os milicianos. Talvez, vivamos a Era dos Contrastes.

Necessário, de nossa parte, da parte daqueles que estudam e buscam um mundo melhor (todos nós que escrevemos, ensinamos e aprendemos), uma escolha, de preferência a do avanço social, a da igualdade de direitos, a do respeito às diferenças, uma vez que o conceito de Democracia evoluiu para abrigar valores fundamentais, além, é claro, o básico das eleições livres (Democracia meramente formal).

No livro de Alessandra Monteiro sobre Extremismo Político,[1] a autora, citando alguns teóricos, identifica algumas categorias de ameaças à Democracia: (por Gur Bligh) “incitação ao ódio ou à discriminação” (partidos que praticam o discurso do ódio); “apoio à violência” (partidos que são braços políticos de grupos terroristas); “contrariedade à identidade do Estado” (partidos que questionam aspectos essenciais da ordem democrática-constitucional daquele país); (por Peter Niesen) “antiextremismos” (partidos que sejam abertamente contrários à democracia no sentido procedimental, ou seja `as velhas ameaças`); “republicanismo negativo” (partidos que ressuscitam ideologias traumáticas para a história daquela nação, como um partido nazista na Alemanha ou um fascista na Itália); “sociedade cívica” (partidos que violem o civismo e a moral da democracia ao fomentarem o ódio, a discriminação e a violência); (por Nancy Rosenblum) “subversão violenta” (partidos que, como as `velhas ameaças´ busquem a destruição total do regime democrático); “incitação ao ódio” (similar à categoria de Bligh de mesmo nome); “mudança no caráter da nação” (também similar à categoria de Bligh de nome ´contrariedade à identidade do Estado`) e “apoio ao controle externo” (partidos que tenham fortes ligações de dependência com entidades externas).

A classificação acima, vinda à luz pela pena da estudiosa citada, revela o que está acontecendo, em parte, em nosso país, quando partidos dominantes, observando, nesta condição, aqueles que têm maior número de eleitores, trilham alguns desses caminhos, incentivados por seus arautos. Em outras palavras, a Democracia está em efetivo perigo.

A consciência de vida social, múltipla, sem nichos extremos, sem entraves ideológicos, sem ódios, está longe dos grandes partidos, e mesmo dos menores, porque todos terminam por encampar (é o que estamos vendo nas propagandas eleitorais, nos dias que antecedem as eleições no Brasil), um ou outro extremo, entre direita e esquerda, como também ocorre com os respectivos candidatos.

Na verdade, não termos partidos políticos – porque os associados, potenciais candidatos aos cargos públicos, apenas os utilizam como veículos para ganhar votos, e, efetivamente, não se filiam a uma visão específica do mundo, pelo menos não de forma clara. Há no fundo das representatividades pessoais e coletivas uma idolatria ao eu, que sonha com bustos, estátuas e conquistas.

Celso Bastos, ensinava sobre partidos políticos: “trata-se de uma organização de pessoas reunidas em tornos de um mesmo programa político com finalidade de assumir o poder e de mantê-lo ou, ao menos, de influenciar na gestão da coisa pública através de críticas e oposição.”[2]

Complementa-se, ainda mais com Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira sobre partido político: “é um fragmento do pensamento político da nação, cujos adeptos e simpatizantes se vinculam a ideologias por afinidade, buscando o exercício do poder (situação) ou a fiscalização dos detentores desse poder (oposição), sem prejuízo de atividades administrativas e institucionais.”[3]

Os líderes dos partidos “anões”, embora registrados e com personalidade jurídica de direito privado, resolveram vestir a farda da guerra e empunham armas contra os candidatos que estão à frente nas pesquisas. Há justificativa psicológica e política, nessa reação, mas distanciamento dos objetivos maiores na gestação da coisa pública.

Ainda está longe o tempo em que teremos ideias e responsabilidades políticas, plena cidadania e espírito de solidariedade, homens públicos conscientes, cidadãos alfabetizados e esclarecidos, erradicação da pobreza e dignidade da pessoa humana.

A conquista do poder parece ser o único escopo político. Claro, que o poder é um dos objetivos do partido político, mas não o deveria ser apenas para o domínio e confirmação do poder de mando, mas para a divulgação de ideias e para um plano de administração governamental, com objetivo do bem-estar do povo, fim primeiro e último da existência do Estado; o que importa também, em um traçado de políticas públicas condizentes e de política do Estado para o relacionamento externo.

Necessitamos repensar o que é a Política, o que é um partido político e o que é um homem público.



[1] Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. (doutoranda em ciências jurídico-filosóficas, mestre em direito constitucional, pós-graduada em Direitos Humanos por Coimbra Extremismo Político, Especialista em direito tributário) – como as democracias podem lidar com as novas ameaças antidemocráticas, Especialista em Direito Tributário), Arraes Editores., 2019, p. 39.

[2] Bastos,Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 275.

[3] Tácito Cerqueira, Thales e Cerqueira, Camila Albuquerque. Direito Eleitoral esquematizado. São Paulo. Saraiva, 2011, p. 275.


segunda-feira, setembro 12, 2022

A tradição, a Monarquia e a República (Podemos construir uma tradição?)



 Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de |Direito Internacional Público e Privado


O mundo viu a tradição da Monarquia inglesa, em toda a sua pompa e consagração, na morte da rainha, não pelos seus filhos e parentes, mas pela manutenção de um mesmo e equilibrado caminho de reinado, cujas notas foram impostas pela figura grandiosa de um ser humano, que entendeu por bem sacrificar-se para conservar uma forma de prática que deu segurança ao povo.

Um caminho, independentemente, quer seja monarquia ou república, a que damos o nome de estabilidade, baseada numa tradição.

A propósito, qual é a nossa tradição? Duzentos anos é muito pouco! Entretanto, toda tradição tem um primeiro passo de construção, e este primeiro passo, pode ser a nossa República, com os seus três poderes: Legislativo, Judiciário e Executivo.

A separação e a autonomia dos poderes, dentro das regras básicas da Constituição Federal. Esta deve constituir-se na construção de nossa tradição.

Nossa tradição não pode ser a do ataque aos poderes.

Nossa tradição não pode ser a do domínio do macho sobre a fêmea.

Nossa tradição não pode ser a da faixa presidencial no peito, em desfile de carro aberto, cercado de milicianos.

Nossa tradição não pode ser a do macho “imbrochável.” (O sangue nos neurônios, por certo, valerá mais para um governante).

Nossa tradição não pode ser a da grosseria.

Nossa tradição não pode ser a das “motociatas” (desfiles de exaltação).

Nossa tradição não pode ser a da corrupção (sai governo, entra governo, e tudo continua igual).

Nossa tradição não pode ser a da proteção da família que estiver no poder e de seus bens, a todo custo.

Nossa tradição não pode ser a da irresponsabilidade social.

Nossa tradição não pode ser a domínio dos brancos sobre os pretos.

Nossa tradição não pode ser a do escárnio sobre os desamparados e sobre os pobres (pretos, favelados e outros).

Nossa tradição não pode ser a possibilidade de invasão militar no Judiciário (a espada sobre a ordem jurídica).

Nossa tradição não pode ser a do desrespeito aos pronunciamentos judiciais.

Nossa tradição não pode ser a da arma e da guerra e a dos milicianos e fanáticos.

Nossa tradição não pode ser a do analfabetismo.

Nossa tradição não pode ser a da fome.

Nossa tradição não pode ser a das favelas.

Nossa tradição não pode ser a do bem (religioso e grupal) contra o mal (os outros).

Nossa tradição não pode ser a da desconsideração dos governos e Estados que possuam ideologia diversa daquela em que entendemos acreditar.

Nossa tradição não pode ser a da perseguição política aos adversários (considerar inimigos).

Nossa tradição não pode ser a do domínio das drogas e a dos grupos de extermínio.

Nossa tradição não pode ser a do desprezo à Cultura e à Educação.

Nossa tradição não pode ser a da desconsideração de figuras maiores das artes e da intelectualidade, só porque professaram na sua época simpatia por ideias contrárias ao governo do momento.

quinta-feira, setembro 08, 2022

Passado, presente e futuro na razão nossa e africana

 



Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional na PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado



O que se constitui na personalidade individual e na personalidade de um povo é a sua história, as suas experiências, o seu modo de ver o mundo, que vai passando de geração a geração, e faz aquela base, aquela argamassa, de onde se edificam novas histórias, novas conquistas, novas experiências. Assim progredimos.

A vida não é um caminho linear, sequencial, contínuo, são idas e vindas, esferas concêntricas, espirais, que nos impele à frente, fruto de nossos ensaios. É assim que os dias passam, com a característica de que nada é absolutamente passado, envelhecido, ultrapassado, pois que o presente é uma composição das coisas que se foram, com algum passo a mais. Uma espécie de receita de bolo antiga, a que se acrescentam novos condimentos, mas que na sua base tem o mesmo padrão e os mesmos fundamentais elementos.

Não se constrói algo novo do nada. Esta é a beleza e o cerne do progresso. A sabedoria antiga é o fermento da nova sabedoria, que se constituirá no fermento do que virá, e assim por diante, de modo a não nos afastarmos nunca do que já era para o que vai se tornar.

Essa ideia serve para todos os povos e para todas as épocas. Em relação à África, nossa forja, Muryatan S. Barbosa, deixa clara essa perspectiva de eventual progresso no pensamento africano contemporâneo, que sofre pela herança maldita do domínio exercido, principalmente pelas potências europeias. Todavia, não há como esquecer e desfazer a história, para reconstruir uma história nova. O nosso passado, tanto na vida individual como na coletiva e na vida das sociedades em geral, faz parte indivisível e intrínseco, do caminho a ser trilhado.
 
No caso da África, esse pensamento está dolorosamente sendo construído, porque a herança é muito forte, mas, de alguma forma, o mesmo acontece – com outros ingredientes – no Brasil e na América.
Algumas pessoas veem o passado apenas como tempo de sua juventude que, como indivíduos e comunidades, superamos e deixamos para trás em nossa marcha rumo a uma maior maturidade no progresso e desenvolvimento. De fato, é melhor ver o passado como os nossos antepassados fizeram, como nossa origem que define a essência de nosso ser, que pode ser modificada sob o impacto de várias influências, mas que permanece parte de nosso ser e que não se pode superar ou deixar para trás.[1]

Em seu livro Muryatan, deixa claro: “No mundo contemporâneo, as gerações tendem sempre a ver como modernas e únicas. Seria uma característica recente da humanidade? Talvez tenha sido assim desde os tempos imemoriais. Mas é certo que a aceleração histórica provocada pela Revolução Industrial aprofundou tal percepção. Quando essa impressão comum se transfere para o mundo das ideias, o que se vê é a proliferação de ´novas` teorias e interpretações. É a busca pelo ´novo` a qualquer custo que força originalidades e omite heranças intelectuais. Como se esse ´novo` não carregasse, consciente ou inconscientemente, sua própria carga do passado.[2]

Não temos como progredir e/ou fazer cumprir, a exemplo, os princípios constitucionais, se não reconhecermos que na composição de nossa sociedade, os pretos africanos, dela fazem parte intrínseca. Somente o sistema de quotas – embora um passo – não adianta para que se construa uma civilização no sul dos trópicos, porque continuamos a destilar os preconceitos antigos - apesar da miscigenação de brancos portugueses, pretos e índios – em todos os setores sociais.
 
É necessário integrar e não separar – apesar das quotas -, amalgamar e construir, aceitar a riqueza da diversidade cultural, andar lado a lado, e não simplesmente permitir que se façam alguns caminhos paralelos, em face de um chamariz político e social, do que é tido como politicamente correto.
O mero teatro deve acabar. Menos palavras de ordem para a mídia, menos gestos políticos teatrais, menos discursos e mais a ação efetiva de ensino, cultura, integração, sem esquecer o passado, que é a base efetiva do futuro.

O Brasil parece estar longe, ainda, do esperado progresso: o gigante continua adormecido!
 

[1] Jacob Ajayi, ( historiador nigeriano) “Tradition and Development, 1990, in Toyin Falola (Org.) Tradition and Change in África. Trenton: Africa World Press, 2000 – in A Razão Africana, de Muryatan S. Barbosa, Todvia, 2020, São Paulo, p. 13.
[2] Ibidem, p.13.